ASSEMBLEIA DA
REPÚBLICA
André Ventura
desafia Parlamento a criar comissão para debater redução de deputados
Deputado do Chega
entrega projecto de resolução propondo que o Governo abra o debate - mas o tema
é de reserva legislativa do Parlamento. Ventura quer um “sistema político mais
barato, reduzido e eficiente”.
Maria Lopes
Maria Lopes 5 de
Novembro de 2019, 6:31
O deputado André
Ventura quer que a Assembleia da República constitua uma “comissão de estudo
sobre a melhor forma de articular a redução do número de deputados com a
legislação eleitoral portuguesa”. Essa proposta é feita num projecto de
resolução que o deputado único do Chega entregou no Parlamento nesta
segunda-feira ao fim da tarde.
O repto é claro:
no texto, André Ventura propõe que o Parlamento “se digne a aceitar o desafio
de abrir a discussão da redução do número de deputados”, mas sem fixar qualquer
limite, apesar de sempre ter defendido que o hemiciclo deveria passar dos
actuais 230 eleitos para o patamar mínimo de 180 admitido pela Constituição.
O deputado
critica a actual forma de funcionar do Parlamento “como um qualquer reduto,
quase sempre amorfo e viciado”, uma instituição que “mais parece interessada em
afunilar-se numa pequena franja ou elite social”, levando ao “afastamento dos
cidadãos”. Um dos sinais evidentes é a crescente abstenção. “Não são necessários
230 deputados num país com a dimensão e as clivagens político-ideológicas
existentes em Portugal”, lê-se no diploma.
Com este projecto
de resolução, André Ventura tenciona dar início a um processo de concretização
de uma das suas bandeiras eleitorais e parece preparado para que ele seja
longo. É que, apesar de a revisão das leis eleitorais e da orgânica do
Parlamento ser de reserva absoluta da Assembleia da República, o deputado
titula o texto como uma recomendação ao Governo.
Questionado pelo
PÚBLICO sobre esta dualidade de competências, André Ventura justificou que a
interpretação do Chega é a de que “o Governo deve iniciar os passos para um
grupo de trabalho referente à redução do número de deputados. Mesmo tendo em
conta a reserva da legislação eleitoral e mesmo da orgânica da AR, parece-nos
ser ao Governo que cabe iniciar um grupo de trabalho que faça um levantamento
de vários cenários (por exemplo Direito comparado) e compatibilização entre
essa redução e o número de deputados.” O que poderia até incluir uma revisão do
actual método de Hondt. Depois desse trabalho do Governo, acrescenta André
Ventura, os partidos poderiam avançar para projectos de lei devidamente
sustentados.
Se esta proposta
ficar pelo caminho, o deputado já tem o plano traçado: apresenta o seu projecto
de lei para a redução de deputados e será constituído um grupo de trabalho
dentro do partido.
“Um Portugal
melhor e mais capacitado para enfrentar o caleidoscópio de exigências que são
os tempos modernos será forçosamente um Portugal em que o seu Parlamento é
composto por menos deputados e por um sistema político mais barato, reduzido e
eficiente”, defende o deputado. “A máquina do Estado, em toda a sua totalidade,
é hoje uma afronta a todo o povo português.” E acrescenta que a Assembleia da
República “não consegue ser representante fiel dos desejos do povo” que a
elegeu, apontando ainda a sua “paupérrima capacidade de intervenção política
real”.
“Os portugueses
não compreenderão que não sejamos capazes de implementar no Parlamento os
mesmos sacrifícios que exigimos às empresas e às famílias: menos gastos, menos
excessos e maior eficiência”, insiste o deputado que usa no projecto de
resolução muita da argumentação anti-sistema que se lhe ouviu nos últimos meses
- e que facilmente colocará em causa o apoio de outros partidos.
OPINIÃO
Quem tem medo de
André Ventura?
Ventura não é
causa de nada – ele é consequência de um sistema político em desagregação.
Querem combatê-lo? Tirem a mola do nariz e lutem por melhores políticas e por
melhores políticos.
João Miguel
Tavares
12 de Outubro de
2019, 6:17
Lição número um,
que já deveria ter sido aprendida com Marine Le Pen, Donald Trump ou Jair
Bolsonaro: de nada vale enfrentar líderes de extrema-direita com uma mola no
nariz e gritinhos de “ai que nojo!”. Esse é meio caminho para a desgraça. O
mundo da política não é uma vernissage. Quando entra um senhor com maus modos e
ideias perigosas na Assembleia da República, é inútil passar o tempo todo a
deitar culpas a quem o deixou entrar, seja o povo que o elegeu, seja a
comunicação social que o promoveu, sejam os céus que não o fulminaram com um
raio mortífero. O que há a fazer é isto: combater os seus maus modos com
inteligência, com verve, com sarcasmo e com energia; enfrentar as suas péssimas
ideias com ideias melhores; e, sobretudo, manter alguma fé na democracia
liberal. A democracia liberal é o melhor modelo político que o Homem até hoje
inventou para gerir em paz e com prosperidade a nossa vida social, mas para se
manter é preciso uma coisinha muito importante: as pessoas têm de acreditar
nele.
Rui Tavares
escreveu no PÚBLICO um artigo intitulado “Acabou-se a sorte” sobre a ascensão
de André Ventura, e disparou para todo o lado: 1) culpou Passos Coelho por o
ter convidado para candidato do PSD à câmara de Loures; 2) culpou “o canal
televisivo que lhe deu guarida” pela “ascensão do
comentador-desportivo-tornado-político”; 3) culpou a falta de investigação
jornalística pela incapacidade em explicar onde é que Ventura foi buscar tanto
dinheiro para pagar a campanha. Acerca de todos estes pontos Rui Tavares tem
alguma razão, mas a sua razão explica pouca coisa. Pior do que isso: este é o
tipo de artigo que alimenta uma postura Calimero, que até pode dar jeito a um
Livre cheiinho de vontade de se posicionar como a força anti-Chega por
excelência, mas não serve para enfrentar com eficácia figuras como Ventura.
Vamos por pontos.
1) Sim, Passos
errou tremendamente ao convidá-lo, e errou ainda mais ao não lhe retirar o
apoio quando Ventura entrou em modo anti-cigano. Mas o equívoco é fácil de
explicar. Passos Coelho não percebeu quem Ventura era porque Ventura não era
nada. André Ventura foi, e é, em primeiro e último lugar, um tipo ambicioso e
calculista, que se posicionou no sítio em que percebeu que ia ter votos. Ponto
final. Ele não é de extrema-direita por convicção. É de extrema-direita por
oportunismo. O que só o torna mais perigoso.
2) Já se percebeu
que Ventura vai estar na política como está no comentário desportivo: sempre
que pode, irrompe e interrompe, potencia o fanatismo e repete argumentos até à
exaustão do adversário. É a técnica Pedro Guerra. Mas o mundo do futebol que
lhe dá palco é também o mundo que o fragiliza. Em primeiro lugar, não me parece
grande ideia um candidato com ambições políticas ter o carimbo de fanático do
Benfica, por maior que o Benfica seja. Em segundo lugar, as suas ligações ao
futebol e a Luís Filipe Vieira estão em absoluta contradição com aquilo que vai
defender no Parlamento. Afinal, como é que se explica que o campeão da ética e
do discurso anti-corrupção continue travestido de cartilheiro de Vieira na
CMTV?
3) A questão do
financiamento partidário do Chega é muito pertinente e devia, de facto, ser
investigada. Só que não é só do Chega. É de quase todos os partidos. E este é o
ponto. Ventura não é causa de nada – ele é consequência de um sistema político
em desagregação. Querem combatê-lo? Tirem a mola do nariz e lutem por melhores
políticas e por melhores políticos
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