domingo, 10 de novembro de 2019

Avisos que vêm de Espanha / Espanha: a hora dos pactos



EDITORIAL
Avisos que vêm de Espanha
A estabilidade que muitos eleitores espanhóis desejavam acabou por não sair das eleições deste domingo.

David Pontes
11 de Novembro de 2019, 6:05

A maior parte dos eleitores que no domingo fizeram as suas escolhas nas eleições espanholas tinham provavelmente um desejo comum, para além das diferentes opções políticas de cada um. O de que após quatro eleições legislativas em quatro anos e as segundas em sete meses, o país pudesse encontrar uma solução governativa, se não estável, pelo menos viável. Não foi isso que aconteceu, muito pelo contrário.

O PSOE voltou a ganhar, mas menos. O PP recuperou, mas menos do que necessitava. O Cidadãos, que em tempos propunha fazer a ponte entre os vermelhos e azuis, ficou reduzido a muito menos do que prometia e o Podemos, a outra força que desafiava as leis do bipartidarismo, também ficou com menos força. Mais, claramente mais, o Vox, a força de extrema-direita que duplicou a sua presença no parlamento espanhol.

O reavivar das lógicas nacionalistas devido à crise catalã, somadas à insatisfação de muitos cidadãos perante o sistema político, reforça a força das respostas primárias do Vox. Em Espanha não houve “cordão sanitário” que isolasse o partido de Santiago Abascal e o resultado está à vista.

Muito se escreverá sobre como a extrema-direita se tornou a terceira força política num dos mais importantes países europeus. Mas valerá ainda a pena analisar o que aconteceu ao maior sacrificado em resultado desta subida, o Cidadãos. Um partido que ainda há bem pouco tempo pensava poder ultrapassar o PP, que começou por ser uma força que privilegiava o centrismo, acabou por sacrificar o seu projecto à competição com os populares e com a extrema-direita. Nunca foi capaz de estabelecer pontes com o PSOE, mas viabilizou um governo regional com o Vox. A sensatez deu lugar à emoção e à inconstância e o resultado está à vista: os eleitores acabaram por preferir os originais (PP e Vox) à imitação. Um aviso que a direita portuguesa não deve deixar de ouvir.

Mas a esquerda também tem a obrigação de ficar atenta. As eleições existem para que delas possam sair opções de governação para um país, mas o que saiu do sufrágio de ontem foi também um castigo para aqueles que à esquerda, PSOE e Unidas Podemos, falharam o objectivo da estabilidade, ao não conseguirem viabilizar um governo após as eleições de Abril. Ninguém parece ter lucrado nada com o jogo do passa-culpas. Um aviso para os protagonistas nacionais de uma solução parlamentar que ainda não passou pelos testes de esforço.




COMENTÁRIO
Espanha: a hora dos pactos
Sánchez e Casado precisarão de alguns dias para digerir um resultado eleitoral que os coloca como responsáveis exclusivos pelo amanhã da Espanha.

Jorge Almeida Fernandes
10 de Novembro de 2019, 23:10

Crises em cadeia: no momento em que a Espanha se confronta com uma crise sem precedentes do seu modelo territorial – o Estado autonómico –, explode uma crise de representação. O sistema partidário está bloqueado. Deixou de funcionar e é impossível investir um governo “como dantes”. Convocar “terceiras eleições” – num país que acusa os políticos de serem responsáveis pela ingovernabilidade – ­seria uma alternativa suicidária.

O PSOE e o PP estão desde hoje colocados perante o cenário que mais detestam: a grande coligação. Foi formalmente recusada por Pedro Sánchez e Pablo Casado. Este invocou um poderoso argumento: deixaria a oposição nas mãos do Vox de Santiago Abascal, e do Unidas Podemos, de Pablo Iglesias. O resultado eleitoral inviabiliza também o esquema das “maiorias de geometria variável”, em que um governo minoritário faz alianças flutuantes.

A Espanha é a única democracia europeia que nunca experimentou governos de coligação ao nível nacional. Há uma longa cultura de coligações mas apenas a nível regional. Sánchez e Casado ficam com o menino nos braços. A partir de hoje, ou dentro de uma semana, gostem ou não, vão ter de se sentar a uma mesa e repetir a pergunta de Lenine: “Que fazer?”

A “grande coligação” é sem dúvida mais adaptada à cultura política alemã e pode a prazo ter efeitos perversos, como explicou Casado. Em Portugal, o “bloco central” deixou má fama embora tenha sido inevitável. Que mais beneficiará o Vox? Um governo do “sistema” ou a ingovernabilidade da Espanha?

A “grande coligação” pode ser a mais esdrúxula solução para a cultura partidária espanhola, com os partidos bem arrumados em blocos ideológicos. Que alternativa têm Sánchez e Casado para garantir um governo com um mínimo de estabilidade? Lembre-se que a ideia de “grande coligação” foi avançada por Mariano Rajoy em 2016.

Não interessa se a solução vai desembocar numa coligação formal ou se optarão por um acordo “à sueca” entre sociais-democratas e conservadores, em que um governa em minoria e outro faz oposição, mas na base de um acordo que garante a aprovação dos orçamentos e algumas metas básicas. Na Espanha, não há solução para a Catalunha sem entendimento entre PSOE e PP.

A revolta catalã
 “A revolta catalã e o ‘Brexit’ são duas situações que geram entre os cidadãos uma sensação de temor e até de medo”, explicou há dias o politólogo Fernando Vallespín. A resistência aos pactos é um problema espanhol ou um problema dos partidos espanhóis? É um problema dos partidos.

Prosseguia Vallespín: “Estamos a ver que o ‘Brexit’ pode ser uma história interminável. E não se tinha pensado na dimensão violenta da revolta catalã. A revolta catalã está a converter-se, pouco a pouco, numa revolta que, longe de encontrar uma resposta pensada e racional, bem meditada pelos eleitores, encontra uma resposta profundamente emocional.” A quem beneficia a resposta emocional e o confronto entre o nacionalismo independentista e o despertar do nacionalismo espanhol? Fundamentalmente, beneficia o Vox.

Sánchez e Casado precisarão de alguns dias para digerir um resultado eleitoral que os coloca como responsáveis exclusivos pelo amanhã da Espanha. Chegou a hora dos pactos.

tp.ocilbup@sednanrefaj
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