EDITORIAL
Avisos que vêm de
Espanha
A estabilidade
que muitos eleitores espanhóis desejavam acabou por não sair das eleições deste
domingo.
David Pontes
11 de Novembro de
2019, 6:05
A maior parte dos
eleitores que no domingo fizeram as suas escolhas nas eleições espanholas
tinham provavelmente um desejo comum, para além das diferentes opções políticas
de cada um. O de que após quatro eleições legislativas em quatro anos e as
segundas em sete meses, o país pudesse encontrar uma solução governativa, se
não estável, pelo menos viável. Não foi isso que aconteceu, muito pelo contrário.
O PSOE voltou a
ganhar, mas menos. O PP recuperou, mas menos do que necessitava. O Cidadãos,
que em tempos propunha fazer a ponte entre os vermelhos e azuis, ficou reduzido
a muito menos do que prometia e o Podemos, a outra força que desafiava as leis
do bipartidarismo, também ficou com menos força. Mais, claramente mais, o Vox,
a força de extrema-direita que duplicou a sua presença no parlamento espanhol.
O reavivar das
lógicas nacionalistas devido à crise catalã, somadas à insatisfação de muitos
cidadãos perante o sistema político, reforça a força das respostas primárias do
Vox. Em Espanha não houve “cordão sanitário” que isolasse o partido de Santiago
Abascal e o resultado está à vista.
Muito se
escreverá sobre como a extrema-direita se tornou a terceira força política num
dos mais importantes países europeus. Mas valerá ainda a pena analisar o que
aconteceu ao maior sacrificado em resultado desta subida, o Cidadãos. Um
partido que ainda há bem pouco tempo pensava poder ultrapassar o PP, que
começou por ser uma força que privilegiava o centrismo, acabou por sacrificar o
seu projecto à competição com os populares e com a extrema-direita. Nunca foi
capaz de estabelecer pontes com o PSOE, mas viabilizou um governo regional com
o Vox. A sensatez deu lugar à emoção e à inconstância e o resultado está à
vista: os eleitores acabaram por preferir os originais (PP e Vox) à imitação.
Um aviso que a direita portuguesa não deve deixar de ouvir.
Mas a esquerda
também tem a obrigação de ficar atenta. As eleições existem para que delas
possam sair opções de governação para um país, mas o que saiu do sufrágio de
ontem foi também um castigo para aqueles que à esquerda, PSOE e Unidas Podemos,
falharam o objectivo da estabilidade, ao não conseguirem viabilizar um governo
após as eleições de Abril. Ninguém parece ter lucrado nada com o jogo do
passa-culpas. Um aviso para os protagonistas nacionais de uma solução
parlamentar que ainda não passou pelos testes de esforço.
COMENTÁRIO
Espanha: a hora
dos pactos
Sánchez e Casado
precisarão de alguns dias para digerir um resultado eleitoral que os coloca
como responsáveis exclusivos pelo amanhã da Espanha.
Jorge Almeida
Fernandes
10 de Novembro de
2019, 23:10
Crises em cadeia:
no momento em que a Espanha se confronta com uma crise sem precedentes do seu
modelo territorial – o Estado autonómico –, explode uma crise de representação.
O sistema partidário está bloqueado. Deixou de funcionar e é impossível
investir um governo “como dantes”. Convocar “terceiras eleições” – num país que
acusa os políticos de serem responsáveis pela ingovernabilidade – seria uma alternativa
suicidária.
O PSOE e o PP
estão desde hoje colocados perante o cenário que mais detestam: a grande
coligação. Foi formalmente recusada por Pedro Sánchez e Pablo Casado. Este
invocou um poderoso argumento: deixaria a oposição nas mãos do Vox de Santiago
Abascal, e do Unidas Podemos, de Pablo Iglesias. O resultado eleitoral
inviabiliza também o esquema das “maiorias de geometria variável”, em que um
governo minoritário faz alianças flutuantes.
A Espanha é a única
democracia europeia que nunca experimentou governos de coligação ao nível
nacional. Há uma longa cultura de coligações mas apenas a nível regional.
Sánchez e Casado ficam com o menino nos braços. A partir de hoje, ou dentro de
uma semana, gostem ou não, vão ter de se sentar a uma mesa e repetir a pergunta
de Lenine: “Que fazer?”
A “grande
coligação” é sem dúvida mais adaptada à cultura política alemã e pode a prazo
ter efeitos perversos, como explicou Casado. Em Portugal, o “bloco central”
deixou má fama embora tenha sido inevitável. Que mais beneficiará o Vox? Um
governo do “sistema” ou a ingovernabilidade da Espanha?
A “grande
coligação” pode ser a mais esdrúxula solução para a cultura partidária
espanhola, com os partidos bem arrumados em blocos ideológicos. Que alternativa
têm Sánchez e Casado para garantir um governo com um mínimo de estabilidade?
Lembre-se que a ideia de “grande coligação” foi avançada por Mariano Rajoy em
2016.
Não interessa se
a solução vai desembocar numa coligação formal ou se optarão por um acordo “à
sueca” entre sociais-democratas e conservadores, em que um governa em minoria e
outro faz oposição, mas na base de um acordo que garante a aprovação dos
orçamentos e algumas metas básicas. Na Espanha, não há solução para a Catalunha
sem entendimento entre PSOE e PP.
A revolta catalã
“A revolta catalã e o ‘Brexit’ são duas
situações que geram entre os cidadãos uma sensação de temor e até de medo”,
explicou há dias o politólogo Fernando Vallespín. A resistência aos pactos é um
problema espanhol ou um problema dos partidos espanhóis? É um problema dos
partidos.
Prosseguia
Vallespín: “Estamos a ver que o ‘Brexit’ pode ser uma história interminável. E
não se tinha pensado na dimensão violenta da revolta catalã. A revolta catalã
está a converter-se, pouco a pouco, numa revolta que, longe de encontrar uma
resposta pensada e racional, bem meditada pelos eleitores, encontra uma
resposta profundamente emocional.” A quem beneficia a resposta emocional e o
confronto entre o nacionalismo independentista e o despertar do nacionalismo
espanhol? Fundamentalmente, beneficia o Vox.
Sánchez e Casado
precisarão de alguns dias para digerir um resultado eleitoral que os coloca
como responsáveis exclusivos pelo amanhã da Espanha. Chegou a hora dos
pactos.
tp.ocilbup@sednanrefaj
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