Fundador do Livre anuncia saída por divergências com "postura política"
Miguel Dias diz
que deixou de se rever na forma como o partido faz política. É o segundo
fundador a sair desde as eleições legislativas.
Susete Francisco
28 Novembro 2019
— 11:20
Um dos membros
fundadores do Livre, Miguel Dias, anunciou na rede social Twitter que vai
deixar o partido, uma decisão que não se deve a divergências ideológicas, mas a
"uma questão de forma e de postura política", na qual diz ter deixado
de se rever.
"Não foi uma
decisão fácil nem leviana. É emocionalmente complexa a decisão de abandonar o
LIVRE, partido que ajudei a fundar e ao qual dediquei seis anos da minha vida.
As razões para a minha saída foram explicadas internamente", escreveu
Miguel Dias numa das mensagens, esta terça-feira, em que anuncia que deixa o
Livre.
Miguel Dias
@NovoCapitulo
Não foi uma
decisão fácil nem leviana. É emocionalmente complexa a decisão de abandonar o
LIVRE, partido que ajudei a fundar e ao qual dediquei 6 anos da minha vida. As
razões para a minha saída foram explicadas internamente.
93
10:19 AM - Nov
26, 2019
Miguel Dias
@NovoCapitulo
Replying to
@NovoCapitulo
Posso adiantar
que não estão relacionadas com o conteúdo, pois os meus valores ideológicos e
as ideias politicas continuam a condizer em larga medida com o defendido com o
partido. Antes com uma questão de forma e de postura política na qual não me
revejo.
31
10:20 AM -
Nov 26, 2019
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Miguel Dias
@NovoCapitulo
Replying to
@NovoCapitulo
Hoje é um dia
triste para mim. E equacionei se deveria tornar pública esta minha decisão. Mas
por saber que muitos e muitas de vocês me ligam ao LIVRE achei importante fazer
este anúncio.
28
10:20 AM -
Nov 26, 2019
O também
candidato pelo círculo de Setúbal, nas últimas eleições legislativas, explica
que as razões da saída "não estão relacionadas com o conteúdo", até
porque os seus "valores ideológicos e as ideias politicas continuam a
condizer em larga medida com o defendido pelo partido". Devem-se antes a
uma "questão de forma e de postura política na qual não me revejo",
escreve Miguel Dias, que diz ainda: "Hoje é um dia triste para mim. E
equacionei se deveria tornar pública esta minha decisão. Mas por saber que
muitos e muitas de vocês me ligam ao LIVRE achei importante fazer este anúncio".
Em declarações à
TSF, Pedro Nunes Rodrigues, porta-voz da direção do Livre, lamentou a saída.
"Ficamos com alguma pena que o Miguel decida desvincular-se do Livre, mas
é uma decisão pessoal", afirmou, antes de acrescentar: "O grupo de
contacto pode apenas agradecer ao Miguel toda a dedicação que deu nos últimos
seis anos ao Livre. Foi uma das pessoas mais importantes na dinamização do
núcleo do Livre em Setúbal".
A saída de Miguel
Dias soma-se à de um outro fundador, Ricardo Alves, concretizada logo no dia
das eleições e sobre a qual o próprio também falou no facebook, esta
terça-feira. "Desvinculei-me do LIVRE no dia das eleições legislativas. As
razões político-ideológicas são evidentes: não me revejo na viragem de rumo do
partido no último ano", escreve o ex-militante, que aponta igualmente
"razões internas", de que deu "conta aos que ficaram no
Livre".
A decisão de
Miguel Dias é anunciada numa altura em que a deputada única do partido, Joacine
Katar Moreira, tem estado envolvida em sucessivas polémicas, nomeadamente com a
própria direção do Livre, depois da abstenção da deputada num voto de
condenação à ação militar de Israel na Faixa de Gaza, que deu início a uma
troca de acusações entre as duas partes,
Já depois disso,
a deputada única do Livre entregou o projeto de lei que altera a lei da
nacionalidade fora dos prazos que permitiriam a discussão da proposta a 11 de
dezembro, dia em que estarão a debate no Parlamento os textos do Bloco de
Esquerda, PCP e PAN sobre a mesma matéria.
Esta terça-feira
a deputada protagonizou um episódio insólito na Assembleia da República, com o
assessor a solicitar a escolta de um elemento da GNR para evitar que os
jornalistas pudessem fazer perguntas a Joacine Katar Moreira, uma situação que
levou a secretaria-geral do Parlamento a vir esclarecer que esta é uma situação
que "nunca se verificou" no Palácio de São Bento e que os serviços de
segurança só podem intervir "quando estiver em causa a segurança" dos
deputados.
Joacine, a
deslumbrada
Talvez Joacine -
e o seu indefectível assessor, já agora - ainda não tenha compreendido bem a
responsabilidade que os eleitores lhe colocaram aos ombros.
Anselmo Crespo
Anselmo Crespo
28 Novembro 2019
— 07:46
Há fenómenos
eleitorais difíceis de compreender. E que, às vezes, demoram anos a fazer
sentido. Como é que os americanos puderam eleger Donald Trump? Ou os
brasileiros foram capazes de pôr no Planalto uma figura como Jair Bolsonaro?
Como foi possível o Brexit ter saído vencedor do referendo no Reino Unido? E
André Ventura? De onde é que saíram aqueles eleitores? No caso de Joacine Katar
Moreira, porém, dificilmente alguém pode manifestar surpresa pela sua eleição.
Mulher, negra e
gaga. Eis o cartão-de-visita que a própria entregou ao país quando decidiu
candidatar-se ao cargo de deputada. Se ser mulher não representava qualquer
fator de novidade, a ideia de termos no Parlamento a primeira mulher negra
constituía, em si mesmo, um factor de diferenciação. Mas foi a gaguez que lhe
completou a "persona" e que a tornou viral. A dificuldade em
expressar-se secundarizou-lhe a mensagem política, mas Joacine - e o Livre, já
agora - não se importou. Entre os que sorriram embaraçados com a sua gaguez, os
que andaram a partilhar as suas entrevistas com os amigos e os que sofreram com
ela de cada vez que queria completar uma frase, a verdade é que Joacine Katar
Moreira tornou-se viral e o país ganhou uma nova "mascote".
Depois de eleita,
a campanha de marketing pessoal continuou. Política? Zero. Junte-se à mulher,
negra e gaga um assessor que decide ir de saia para o Parlamento e o buzz em
torno da deputada aumentou ainda mais. Política? Zero. Acrescente-se-lhe ainda
as guerras estéreis que a própria foi comprando e alimentando nas redes sociais
com pessoas do seu espectro político. Política? Zero. E agora, pièce de
résistance, este lavar de roupa suja na praça pública que, ainda por cima,
nasce da incompetência da deputada. Política, até agora, zero. Mas que os
trolls têm andado bem "alimentados", disso não há dúvidas.
Talvez Joacine -
e o seu indefectível assessor, já agora - ainda não tenha compreendido bem a
responsabilidade que os eleitores lhe colocaram aos ombros. A deputada não foi
eleita para fazer documentários para televisões estrangeiras, para ter um GNR a
escoltá-la e, muito menos, para andar a fugir das perguntas dos jornalistas.
Foi eleita para apresentar propostas a tempo e horas, para ser coerente com o
programa com que o Livre se apresentou a eleições, para fazer oposição ao
Governo e não ao seu próprio partido. Joacine Katar Moreira não foi eleita para
se andar a gabar de si própria, nem para andar em guerrinhas infantis na
comunicação social e nas redes sociais - alguém que afaste o assessor do
Twitter - com os seus camaradas de partido e com os jornalistas. Foi eleita
para dignificar o cargo de deputada.
Até porque é de
uma tremenda injustiça o que Joacine tem dito publicamente sobre o partido a
que ainda pertence. Sobretudo para o seu fundador. A mim bastar-me-ia ter visto
Rui Tavares a dançar descomplexado - e desengonçado como eu, já agora - no
vídeo-clip de campanha, para perceber que Joacine Katar Moreira não venceu esta
eleição sozinha. A juntar às entrevistas que Tavares deu e as que recusou para
lhe dar o "palco" e a defesa acérrima que fez sempre da
"sua" candidata. A ingratidão, mas, sobretudo, o comportamento de
Joacine Katar Moreira e seus muchachos nos últimos dias retiram-lhe todo
capital de queixa que pudesse ter.
O Livre e Joacine
Katar Moreira estão, por isso, perante um problema de difícil resolução. Em
circunstâncias normais, o partido não teria outra solução que não fosse retirar
a confiança política à sua deputada. Mais do que isso, depois das afirmações
públicas que fez, se fosse coerente, Joacine Katar Moreira devia sair do
partido pelo próprio pé e acabar de vez com este embaraço público. Mas nada
disto é simples. O Livre lutou muito para chegar ao Parlamento e para conseguir
a respetiva subvenção estatal. Perder a única deputada, menos de dois meses
depois de ter sido eleita, era pior que morrer na praia. Seria afogar-se na
areia. Joacine Katar Moreira podia até aguentar a legislatura como deputada
independente, mas ficaria, seguramente, ainda mais debilitada, quer na sua
imagem pública, quer politicamente.
A humildade - que
outros já recomendaram - é, talvez, a única saída possível para a deputada, por
muito que lhe custe recuar do beco sem saída em que se meteu. E sim, Joacine
tem muito para aprender na política. Tem de aprender, por exemplo, a dar
prioridade à mensagem, às ideias e ao debate, porque foi para isso que foi
eleita. O problema é que o deslumbramento de Joacine Katar Moreira fê-la
acreditar que ela vale mais que o partido que a elegeu. Ou, pior ainda, que ela
é o seu próprio partido. É uma espécie de adaptação livre do "L'État,
c'est moi", atribuída a Luís XIV, o que, convenhamos, para quem ainda não
mostrou rigorosamente nada como deputada, é de uma arrogância sem limites.
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