quinta-feira, 28 de novembro de 2019

Fundador do Livre anuncia saída por divergências com "postura política" / Joacine, a deslumbrada


LIVRE
Ricardo Sá Fernandes vai analisar possível actuação disciplinar para Joacine ou Livre

O conselho de jurisdição já reuniu e deverá emitir um parecer sobre o conflito e as trocas de acusações entre Joacine Katar Moreira e o partido até 5 de Dezembro.

Liliana Borges
Liliana Borges 28 de Novembro de 2019, 14:59

O advogado Ricardo Sá Fernandes, um dos 11 membros do conselho de jurisdição do Livre, será o relator responsável pela emissão de um parecer sobre as declarações e acusações trocadas nos últimos dias entre a direcção do partido e a sua deputada eleita, Joacine Katar Moreira. O conselho de jurisdição do Livre reuniu esta quarta-feira e encarregou a comissão de ética e de arbitragem de elaborar um parecer sobre o desacerto entre a deputada e o grupo de contacto do partido nos próximos oito dias, ou seja, 5 de Dezembro, apurou o PÚBLICO.

A decisão de levar o tema ao conselho de jurisdição foi aprovada no domingo, em reunião do Livre, confirmou ao PÚBLICO o assessor de comunicação da parlamentar.

No documento enviado aos militantes e apoiantes do partido a que o PÚBLICO teve acesso, o conselho de jurisdição encarrega a comissão de ética e de arbitragem a “apurar os factos subjacentes ao conflito entre o grupo de contacto e deputada do Livre e o seu gabinete”.

Depois disso, essa mesma comissão deverá “esclarecer, à luz dos factos em causa, as dúvidas existentes quanto à forma de estabelecer o adequado relacionamento entre os órgãos do partido e os seus eleitos para cargos políticos” e “propor soluções para os problemas suscitados”. O documento prevê ainda a proposta de uma “actuação disciplinar, se for caso disso” que poderá ser aplicada ou à deputada Joacine Katar Moreira ou à direcção do partido.

No caso de estar em causa um processo disciplinar, este segue “um regimento próprio” e pode resultar num de três cenários possíveis: uma advertência, a suspensão de funções (até um máximo de seis meses) ou afastamento (expulsão do partido).

A advertência trata apenas de uma “repreensão pela irregularidade, culposa, seja ela por acção ou omissão” de um membro e é aplicada a faltas leves.

Já a suspensão de funções é aplicável a “infracções nos casos de negligência grave ou de grave desinteresse em cumprir os interesses estatutários, que coloquem em causa a dignidade e honra do partido e dos seus membros”.

O infractor “fica impedido de apresentar qualquer candidatura a eleições dos órgãos do Livre ou a representar o partido externamente durante a duração da sanção”.

Já o afastamento é aplicado numa “infracção qualificada como grave”, ente as quais se incluem o incumprimento dos Estatutos e das deliberações dos órgãos do partido; desrespeito pela Declaração de Princípios (princípios programáticos do partido; condutas gravosas que revelem falta de honestidade; desrespeito pelo código de ética; apoio ou participação em listas contrárias.

O que está em causa?
Recorde-se que na origem da polémica está a abstenção de Joacine Katar Moreira na votação da proposta apresentada pelo PCP sobre a nova agressão à Faixa de Gaza e a troca de acusações que se seguiu depois disso. A deputada justificou a sua abstenção com “dificuldades de comunicação” com o partido, afirmando que durante três dias tentou — sem sucesso — perceber os “posicionamentos da direcção relativos ao sentido de voto” desta e de outras propostas. Mas do lado da direcção do Livre, a versão é outra.

Além dos “problemas de comunicação” assinalados de ambas partes, Joacine Katar Moreira queixou-se de “falta de apoio” dos membros da direcção e do fundador do partido, Rui Tavares. As afirmações da deputada eleita não foram bem recebidas pelo Livre. À entrada da reunião da assembleia do Livre no último domingo, Rui Tavares declarou-se “perplexo”.

O conselho de jurisdição funciona como uma espécie de tribunal do partido e entre as suas funções está a emissão de pareceres, a aplicação de processos disciplinares e a impugnação das deliberações dos órgãos do partido e dos actos eleitorais.

Fundador do Livre anuncia saída por divergências com "postura política"

Miguel Dias diz que deixou de se rever na forma como o partido faz política. É o segundo fundador a sair desde as eleições legislativas.

Susete Francisco
28 Novembro 2019 — 11:20

Um dos membros fundadores do Livre, Miguel Dias, anunciou na rede social Twitter que vai deixar o partido, uma decisão que não se deve a divergências ideológicas, mas a "uma questão de forma e de postura política", na qual diz ter deixado de se rever.

"Não foi uma decisão fácil nem leviana. É emocionalmente complexa a decisão de abandonar o LIVRE, partido que ajudei a fundar e ao qual dediquei seis anos da minha vida. As razões para a minha saída foram explicadas internamente", escreveu Miguel Dias numa das mensagens, esta terça-feira, em que anuncia que deixa o Livre.


Miguel Dias
@NovoCapitulo
Não foi uma decisão fácil nem leviana. É emocionalmente complexa a decisão de abandonar o LIVRE, partido que ajudei a fundar e ao qual dediquei 6 anos da minha vida. As razões para a minha saída foram explicadas internamente.

93
10:19 AM - Nov 26, 2019

Miguel Dias
@NovoCapitulo
Replying to @NovoCapitulo
Posso adiantar que não estão relacionadas com o conteúdo, pois os meus valores ideológicos e as ideias politicas continuam a condizer em larga medida com o defendido com o partido. Antes com uma questão de forma e de postura política na qual não me revejo.

31
10:20 AM - Nov 26, 2019
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Miguel Dias
@NovoCapitulo
Replying to @NovoCapitulo
Hoje é um dia triste para mim. E equacionei se deveria tornar pública esta minha decisão. Mas por saber que muitos e muitas de vocês me ligam ao LIVRE achei importante fazer este anúncio.

28
10:20 AM - Nov 26, 2019

O também candidato pelo círculo de Setúbal, nas últimas eleições legislativas, explica que as razões da saída "não estão relacionadas com o conteúdo", até porque os seus "valores ideológicos e as ideias politicas continuam a condizer em larga medida com o defendido pelo partido". Devem-se antes a uma "questão de forma e de postura política na qual não me revejo", escreve Miguel Dias, que diz ainda: "Hoje é um dia triste para mim. E equacionei se deveria tornar pública esta minha decisão. Mas por saber que muitos e muitas de vocês me ligam ao LIVRE achei importante fazer este anúncio".

Em declarações à TSF, Pedro Nunes Rodrigues, porta-voz da direção do Livre, lamentou a saída. "Ficamos com alguma pena que o Miguel decida desvincular-se do Livre, mas é uma decisão pessoal", afirmou, antes de acrescentar: "O grupo de contacto pode apenas agradecer ao Miguel toda a dedicação que deu nos últimos seis anos ao Livre. Foi uma das pessoas mais importantes na dinamização do núcleo do Livre em Setúbal".

A saída de Miguel Dias soma-se à de um outro fundador, Ricardo Alves, concretizada logo no dia das eleições e sobre a qual o próprio também falou no facebook, esta terça-feira. "Desvinculei-me do LIVRE no dia das eleições legislativas. As razões político-ideológicas são evidentes: não me revejo na viragem de rumo do partido no último ano", escreve o ex-militante, que aponta igualmente "razões internas", de que deu "conta aos que ficaram no Livre".

A decisão de Miguel Dias é anunciada numa altura em que a deputada única do partido, Joacine Katar Moreira, tem estado envolvida em sucessivas polémicas, nomeadamente com a própria direção do Livre, depois da abstenção da deputada num voto de condenação à ação militar de Israel na Faixa de Gaza, que deu início a uma troca de acusações entre as duas partes,


Já depois disso, a deputada única do Livre entregou o projeto de lei que altera a lei da nacionalidade fora dos prazos que permitiriam a discussão da proposta a 11 de dezembro, dia em que estarão a debate no Parlamento os textos do Bloco de Esquerda, PCP e PAN sobre a mesma matéria.

Esta terça-feira a deputada protagonizou um episódio insólito na Assembleia da República, com o assessor a solicitar a escolta de um elemento da GNR para evitar que os jornalistas pudessem fazer perguntas a Joacine Katar Moreira, uma situação que levou a secretaria-geral do Parlamento a vir esclarecer que esta é uma situação que "nunca se verificou" no Palácio de São Bento e que os serviços de segurança só podem intervir "quando estiver em causa a segurança" dos deputados.


Joacine, a deslumbrada

Talvez Joacine - e o seu indefectível assessor, já agora - ainda não tenha compreendido bem a responsabilidade que os eleitores lhe colocaram aos ombros.


Anselmo Crespo
Anselmo Crespo
28 Novembro 2019 — 07:46

Há fenómenos eleitorais difíceis de compreender. E que, às vezes, demoram anos a fazer sentido. Como é que os americanos puderam eleger Donald Trump? Ou os brasileiros foram capazes de pôr no Planalto uma figura como Jair Bolsonaro? Como foi possível o Brexit ter saído vencedor do referendo no Reino Unido? E André Ventura? De onde é que saíram aqueles eleitores? No caso de Joacine Katar Moreira, porém, dificilmente alguém pode manifestar surpresa pela sua eleição.

Mulher, negra e gaga. Eis o cartão-de-visita que a própria entregou ao país quando decidiu candidatar-se ao cargo de deputada. Se ser mulher não representava qualquer fator de novidade, a ideia de termos no Parlamento a primeira mulher negra constituía, em si mesmo, um factor de diferenciação. Mas foi a gaguez que lhe completou a "persona" e que a tornou viral. A dificuldade em expressar-se secundarizou-lhe a mensagem política, mas Joacine - e o Livre, já agora - não se importou. Entre os que sorriram embaraçados com a sua gaguez, os que andaram a partilhar as suas entrevistas com os amigos e os que sofreram com ela de cada vez que queria completar uma frase, a verdade é que Joacine Katar Moreira tornou-se viral e o país ganhou uma nova "mascote".

Depois de eleita, a campanha de marketing pessoal continuou. Política? Zero. Junte-se à mulher, negra e gaga um assessor que decide ir de saia para o Parlamento e o buzz em torno da deputada aumentou ainda mais. Política? Zero. Acrescente-se-lhe ainda as guerras estéreis que a própria foi comprando e alimentando nas redes sociais com pessoas do seu espectro político. Política? Zero. E agora, pièce de résistance, este lavar de roupa suja na praça pública que, ainda por cima, nasce da incompetência da deputada. Política, até agora, zero. Mas que os trolls têm andado bem "alimentados", disso não há dúvidas.

Talvez Joacine - e o seu indefectível assessor, já agora - ainda não tenha compreendido bem a responsabilidade que os eleitores lhe colocaram aos ombros. A deputada não foi eleita para fazer documentários para televisões estrangeiras, para ter um GNR a escoltá-la e, muito menos, para andar a fugir das perguntas dos jornalistas. Foi eleita para apresentar propostas a tempo e horas, para ser coerente com o programa com que o Livre se apresentou a eleições, para fazer oposição ao Governo e não ao seu próprio partido. Joacine Katar Moreira não foi eleita para se andar a gabar de si própria, nem para andar em guerrinhas infantis na comunicação social e nas redes sociais - alguém que afaste o assessor do Twitter - com os seus camaradas de partido e com os jornalistas. Foi eleita para dignificar o cargo de deputada.

Até porque é de uma tremenda injustiça o que Joacine tem dito publicamente sobre o partido a que ainda pertence. Sobretudo para o seu fundador. A mim bastar-me-ia ter visto Rui Tavares a dançar descomplexado - e desengonçado como eu, já agora - no vídeo-clip de campanha, para perceber que Joacine Katar Moreira não venceu esta eleição sozinha. A juntar às entrevistas que Tavares deu e as que recusou para lhe dar o "palco" e a defesa acérrima que fez sempre da "sua" candidata. A ingratidão, mas, sobretudo, o comportamento de Joacine Katar Moreira e seus muchachos nos últimos dias retiram-lhe todo capital de queixa que pudesse ter.

O Livre e Joacine Katar Moreira estão, por isso, perante um problema de difícil resolução. Em circunstâncias normais, o partido não teria outra solução que não fosse retirar a confiança política à sua deputada. Mais do que isso, depois das afirmações públicas que fez, se fosse coerente, Joacine Katar Moreira devia sair do partido pelo próprio pé e acabar de vez com este embaraço público. Mas nada disto é simples. O Livre lutou muito para chegar ao Parlamento e para conseguir a respetiva subvenção estatal. Perder a única deputada, menos de dois meses depois de ter sido eleita, era pior que morrer na praia. Seria afogar-se na areia. Joacine Katar Moreira podia até aguentar a legislatura como deputada independente, mas ficaria, seguramente, ainda mais debilitada, quer na sua imagem pública, quer politicamente.

A humildade - que outros já recomendaram - é, talvez, a única saída possível para a deputada, por muito que lhe custe recuar do beco sem saída em que se meteu. E sim, Joacine tem muito para aprender na política. Tem de aprender, por exemplo, a dar prioridade à mensagem, às ideias e ao debate, porque foi para isso que foi eleita. O problema é que o deslumbramento de Joacine Katar Moreira fê-la acreditar que ela vale mais que o partido que a elegeu. Ou, pior ainda, que ela é o seu próprio partido. É uma espécie de adaptação livre do "L'État, c'est moi", atribuída a Luís XIV, o que, convenhamos, para quem ainda não mostrou rigorosamente nada como deputada, é de uma arrogância sem limites.

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