OPINIÃO
O erro da escolha
de Joacine pelo Livre
Esta arrogância
chega ao seu limite máximo quando Joacine argumenta que ganhou as eleições
sozinha e que não aceita que a direção a ensine a ser política.
Eunice Castro
Seixas
26 de Novembro de
2019, 6:42
Há sensivelmente
um mês como deputada, Joacine Katar Moreira tem despertado uma enorme atenção
mediática e sido alvo também de muitas críticas, quer por causa da sua gaguez
(de que não vou falar aqui), quer, mais recentemente, devido à forma como tem
votado no Parlamento e representado o partido Livre, pelo qual foi eleita.
Na realidade, as
preocupações que a direção do Livre demonstrou, num comunicado oficial, com a
abstenção de Joacine relativamente ao voto de condenação à agressão israelita a
Gaza, e a resposta de Joacine às mesmas, revelam uma grande distância entre
Joacine e o partido pelo qual foi eleita. O que quero salientar aqui é que me
parece estranho que esta questão só surja agora e não tenha surgido antes,
designadamente por ocasião das eleições primárias, ou durante a campanha
eleitoral. Efetivamente, o Livre, através dos seus membros e apoiantes, teve de
conferir um aval (declaração de confiança política) aos candidatos e apenas
aqueles que obtiveram um mínimo de 10 avais passaram à segunda fase do processo
de primária.
Parece-me algo
estranho que o modo como Joacine tem construído a sua narrativa política de
forma arrogante e centrada em si mesma e parecendo alinhar com uma política
identitária exclusivista ou tribalista, não tenha sido previsto mais cedo. Esta
arrogância chega ao seu limite máximo quando Joacine argumenta que ganhou as
eleições sozinha e que não aceita que a direção a ensine a ser política.
É no mínimo
estranho o partido ter de lembrar à sua deputada os princípios e programa
eleitoral do LIVRE, pautados designadamente pelo universalismo e em que a ideia
de convergência à esquerda é chave. O Livre decidirá se irá manter a confiança
política na deputada, mas é um pouco tarde para evitar os estragos já feitos. A
título de exemplo, ontem uma amiga minha perguntava-me se o Livre se situava à
esquerda ou à direita, naturalmente confusa com as votações de Joacine.
Mas o Livre não
está isento de responsabilidades, na medida em que avalizou a candidatura de
Joacine e a elegeu nas primárias como cabeça de lista por Lisboa. Esta situação
deveria servir de oportunidade para o Livre se questionar acerca dos critérios
que estabeleceu para o voto de confiança dado previamente a Joacine e a sua
escolha nas primárias. É provável que tenha havido uma certa idealização do
percurso ativista de Joacine em prol dos direitos das minorias étnicas e das
mulheres. E este é um problema que não é apenas do Livre, mas de uma certa
esquerda ‘tribalista’ que é incapaz de perceber como as políticas identitárias
podem ser utilizadas de modo inclusivo ou, pelo contrário, de modo
exclusivista, ou seja, de que a defesa dos grupos sociais mais vulneráveis pode
também ser usada para marginalizar e oprimir outros grupos sociais ao valorizar
uma identidade em relação a outras. Estas políticas identitárias exclusivistas
tendem a criar divisões sociais entre ‘oprimidos’ e ‘privilegiados’ com base
num reforço de identidades baseadas no género, etnia ou orientação sexual,
descurando outros fatores da desigualdade social e acusando quem discorda
destas posições de racismo.
Quando Joacine
evita o diálogo com o próprio partido e acusa quem discorda das suas posições
de ser de extrema-direita, não está a defender a liberdade, que é aliás parte
integrante dos princípios e programa político do Livre, nomeadamente a
liberdade de expressão. Está, pelo contrário, a preconizar uma política
identitária tribalista, que se tem revelado como uma tendência global de uma
certa esquerda mais extremista e que cria divisões sociais em vez de procurar
convergências, além de se dirigir apenas a determinados grupos sociais,
colocando-se de certa forma até contra os outros grupos.
Esta narrativa
política dá a impressão que Joacine pretende representar-se a ela própria e
substituir a agenda política do Livre pela sua, uma agenda que parece ser
estritamente focada nas questões do racismo e do feminismo, descurando todas as
outras questões sociais e políticas que são debatidas na Assembleia da
República e caras ao Livre. As atitudes de Joacine demonstram um egocentrismo,
personalismo e arrogância extremas que não me parecem compatíveis com as
responsabilidades de um(a) deputado(a).
OPINIÃO
Livre: de pontapé
em pontapé
O problema é que
a Joacine veio para ficar no Parlamento nacional. Com ou sem Livre e
provavelmente durante os quatro anos para os quais foi eleita. Um pontapé na
política, portanto.
Gonçalo Ribeiro
Telles
25 de Novembro de
2019, 23:17
O partido de Rui
Tavares dizia que vinha dar um pontapé no estaminé em Portugal. Desde a eleição
da deputada luso-guineense, Joacine Katar Moreira, que se assistiu à
extrapolação deste hashtag das redes sociais do Livre para o para o espaço
público.
O primeiro grande
pontapé foi dado ainda antes da eleição nacional quando a deputada se referiu à
sua gaguez com a seguinte frase: “eu gaguejo quando falo, não quando penso. O
perigo na assembleia é os indivíduos que gaguejam quando pensam.” Parece
bonita, foi aplaudida por muitos, mas além de pouco verdadeira, é demagógica.
Através dela,
ignorou-se também a questão relevante: como se poderia ser eficaz no debate
político quando esta era a única voz do partido no Parlamento nacional?
O segundo pontapé
começou realmente por ser no estaminé (e por aí se ficaram) com a própria eleição
da Joacine. Luso-guineense, negra e feminista. Tudo certo e relevante se a
agenda política não ficasse refém desta identificação. E se a gaguez, conforme
revisto, além de problemática para o futuro do partido, não se fizesse
acompanhar da radicalização no discurso.
Em defesa da sua
identidade, a deputada do Livre recorreu ao mesmo primarismo que o racismo
miserabilista de alguns do lado oposto. O constante revisionismo histórico que
ainda ontem levou a que apelasse à necessidade de uma esquerda anticolonial (!)
num comunicado à imprensa, é mais um exemplo. Não sei se existirá algum
antiportuguesíssimo nela como muitos acusam, mas humildade na postura sempre
faltou. Quem assistiu a Barack Obama ser eleito e depois governar durante oito
anos num dos países mais racistas do mundo percebe o que é e o que não merece
ser levado a sério. Um evitou sempre a questão da cor da sua pele como arma
política, outra não fez outra coisa. (Mesmo quando o pontapé que interessava já
estava dado.)
O terceiro
pontapé é aquele momento da saia do assessor no primeiro dia parlamentar da
deputada. Um hino ao populismo de tão descarado que foi o propósito de dar nas
vistas e fazer noticia a qualquer custo. É também difícil separar desta
encenação a identidade feminista da Joacine. Ou a infantilização do discurso
quando justifica a subida do ordenado mínimo com o amor: um momento de política
light para mais tarde recordar.
Por fim, este
voto de abstenção num tema definidor do posicionamento da própria esquerda: o
caso ainda está mal contado e envolto nalgumas contradições, mas tudo me leva a
crer que a decisão não se suporta apenas neste último pontapé contra a génese
do partido.
Rui Tavares
cometeu ontem o erro de ceder ao populismo fácil para crescer eleitoralmente e
com isso abandonou a postura mais moderada do Livre: um partido de esquerda
europeia empenhado em causas, para se tornar num outro de polémicas e
fait-divers. Elegeu uma deputada, mas perdeu a sua identidade. Extremou-se e
com isso veio o voto fácil. Trocou a liberdade pela libertinagem. Feito o
balanço, duvido que tenha havido qualquer verdadeiro pontapé no estaminé
nacional, mas é louvável que hoje se dê um outro no discurso fácil interno. Por
mais votos que isso custe amanhã. Como é louvável querer manter a génese do
partido que criou.
O problema é que
a Joacine veio para ficar no Parlamento nacional. Com ou sem Livre e
provavelmente durante os quatro anos para os quais foi eleita. Um
pontapé na política, portanto.
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