segunda-feira, 25 de novembro de 2019

Ainda a polémica Joacine ... "O erro da escolha de Joacine pelo Livre" / "Livre: de pontapé em pontapé"


OPINIÃO
O erro da escolha de Joacine pelo Livre

Esta arrogância chega ao seu limite máximo quando Joacine argumenta que ganhou as eleições sozinha e que não aceita que a direção a ensine a ser política.




Eunice Castro Seixas
26 de Novembro de 2019, 6:42

Há sensivelmente um mês como deputada, Joacine Katar Moreira tem despertado uma enorme atenção mediática e sido alvo também de muitas críticas, quer por causa da sua gaguez (de que não vou falar aqui), quer, mais recentemente, devido à forma como tem votado no Parlamento e representado o partido Livre, pelo qual foi eleita.

Na realidade, as preocupações que a direção do Livre demonstrou, num comunicado oficial, com a abstenção de Joacine relativamente ao voto de condenação à agressão israelita a Gaza, e a resposta de Joacine às mesmas, revelam uma grande distância entre Joacine e o partido pelo qual foi eleita. O que quero salientar aqui é que me parece estranho que esta questão só surja agora e não tenha surgido antes, designadamente por ocasião das eleições primárias, ou durante a campanha eleitoral. Efetivamente, o Livre, através dos seus membros e apoiantes, teve de conferir um aval (declaração de confiança política) aos candidatos e apenas aqueles que obtiveram um mínimo de 10 avais passaram à segunda fase do processo de primária.

Parece-me algo estranho que o modo como Joacine tem construído a sua narrativa política de forma arrogante e centrada em si mesma e parecendo alinhar com uma política identitária exclusivista ou tribalista, não tenha sido previsto mais cedo. Esta arrogância chega ao seu limite máximo quando Joacine argumenta que ganhou as eleições sozinha e que não aceita que a direção a ensine a ser política.

É no mínimo estranho o partido ter de lembrar à sua deputada os princípios e programa eleitoral do LIVRE, pautados designadamente pelo universalismo e em que a ideia de convergência à esquerda é chave. O Livre decidirá se irá manter a confiança política na deputada, mas é um pouco tarde para evitar os estragos já feitos. A título de exemplo, ontem uma amiga minha perguntava-me se o Livre se situava à esquerda ou à direita, naturalmente confusa com as votações de Joacine.

Mas o Livre não está isento de responsabilidades, na medida em que avalizou a candidatura de Joacine e a elegeu nas primárias como cabeça de lista por Lisboa. Esta situação deveria servir de oportunidade para o Livre se questionar acerca dos critérios que estabeleceu para o voto de confiança dado previamente a Joacine e a sua escolha nas primárias. É provável que tenha havido uma certa idealização do percurso ativista de Joacine em prol dos direitos das minorias étnicas e das mulheres. E este é um problema que não é apenas do Livre, mas de uma certa esquerda ‘tribalista’ que é incapaz de perceber como as políticas identitárias podem ser utilizadas de modo inclusivo ou, pelo contrário, de modo exclusivista, ou seja, de que a defesa dos grupos sociais mais vulneráveis pode também ser usada para marginalizar e oprimir outros grupos sociais ao valorizar uma identidade em relação a outras. Estas políticas identitárias exclusivistas tendem a criar divisões sociais entre ‘oprimidos’ e ‘privilegiados’ com base num reforço de identidades baseadas no género, etnia ou orientação sexual, descurando outros fatores da desigualdade social e acusando quem discorda destas posições de racismo.

Quando Joacine evita o diálogo com o próprio partido e acusa quem discorda das suas posições de ser de extrema-direita, não está a defender a liberdade, que é aliás parte integrante dos princípios e programa político do Livre, nomeadamente a liberdade de expressão. Está, pelo contrário, a preconizar uma política identitária tribalista, que se tem revelado como uma tendência global de uma certa esquerda mais extremista e que cria divisões sociais em vez de procurar convergências, além de se dirigir apenas a determinados grupos sociais, colocando-se de certa forma até contra os outros grupos.

Esta narrativa política dá a impressão que Joacine pretende representar-se a ela própria e substituir a agenda política do Livre pela sua, uma agenda que parece ser estritamente focada nas questões do racismo e do feminismo, descurando todas as outras questões sociais e políticas que são debatidas na Assembleia da República e caras ao Livre. As atitudes de Joacine demonstram um egocentrismo, personalismo e arrogância extremas que não me parecem compatíveis com as responsabilidades de um(a) deputado(a).

Doutorada em Sociologia; investigadora do Centro de Sociologia Económica e das Organizações (SOCIUS), Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), Universidade de Lisboa



OPINIÃO
Livre: de pontapé em pontapé

O problema é que a Joacine veio para ficar no Parlamento nacional. Com ou sem Livre e provavelmente durante os quatro anos para os quais foi eleita. Um pontapé na política, portanto.


Gonçalo Ribeiro Telles
25 de Novembro de 2019, 23:17

O partido de Rui Tavares dizia que vinha dar um pontapé no estaminé em Portugal. Desde a eleição da deputada luso-guineense, Joacine Katar Moreira, que se assistiu à extrapolação deste hashtag das redes sociais do Livre para o para o espaço público.

O primeiro grande pontapé foi dado ainda antes da eleição nacional quando a deputada se referiu à sua gaguez com a seguinte frase: “eu gaguejo quando falo, não quando penso. O perigo na assembleia é os indivíduos que gaguejam quando pensam.” Parece bonita, foi aplaudida por muitos, mas além de pouco verdadeira, é demagógica.

Através dela, ignorou-se também a questão relevante: como se poderia ser eficaz no debate político quando esta era a única voz do partido no Parlamento nacional?

O segundo pontapé começou realmente por ser no estaminé (e por aí se ficaram) com a própria eleição da Joacine. Luso-guineense, negra e feminista. Tudo certo e relevante se a agenda política não ficasse refém desta identificação. E se a gaguez, conforme revisto, além de problemática para o futuro do partido, não se fizesse acompanhar da radicalização no discurso.

Em defesa da sua identidade, a deputada do Livre recorreu ao mesmo primarismo que o racismo miserabilista de alguns do lado oposto. O constante revisionismo histórico que ainda ontem levou a que apelasse à necessidade de uma esquerda anticolonial (!) num comunicado à imprensa, é mais um exemplo. Não sei se existirá algum antiportuguesíssimo nela como muitos acusam, mas humildade na postura sempre faltou. Quem assistiu a Barack Obama ser eleito e depois governar durante oito anos num dos países mais racistas do mundo percebe o que é e o que não merece ser levado a sério. Um evitou sempre a questão da cor da sua pele como arma política, outra não fez outra coisa. (Mesmo quando o pontapé que interessava já estava dado.)  

O terceiro pontapé é aquele momento da saia do assessor no primeiro dia parlamentar da deputada. Um hino ao populismo de tão descarado que foi o propósito de dar nas vistas e fazer noticia a qualquer custo. É também difícil separar desta encenação a identidade feminista da Joacine. Ou a infantilização do discurso quando justifica a subida do ordenado mínimo com o amor: um momento de política light para mais tarde recordar.

Por fim, este voto de abstenção num tema definidor do posicionamento da própria esquerda: o caso ainda está mal contado e envolto nalgumas contradições, mas tudo me leva a crer que a decisão não se suporta apenas neste último pontapé contra a génese do partido.

Rui Tavares cometeu ontem o erro de ceder ao populismo fácil para crescer eleitoralmente e com isso abandonou a postura mais moderada do Livre: um partido de esquerda europeia empenhado em causas, para se tornar num outro de polémicas e fait-divers. Elegeu uma deputada, mas perdeu a sua identidade. Extremou-se e com isso veio o voto fácil. Trocou a liberdade pela libertinagem. Feito o balanço, duvido que tenha havido qualquer verdadeiro pontapé no estaminé nacional, mas é louvável que hoje se dê um outro no discurso fácil interno. Por mais votos que isso custe amanhã. Como é louvável querer manter a génese do partido que criou.

O problema é que a Joacine veio para ficar no Parlamento nacional. Com ou sem Livre e provavelmente durante os quatro anos para os quais foi eleita. Um pontapé na política, portanto. 

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