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Não é Lisboa que
é privilegiada, são alguns dos que ali moram
Ricardo Paes
Mamede
26 Novembro 2019
— 07:00
Um estudo recente
do INE conclui que a cidade de Lisboa apresenta o maior poder de compra per
capita do país, mais do dobro da média nacional. Este tipo de conclusões leva
sempre a debates acalorados sobre o peso de Lisboa na economia nacional e a
necessidade de combater as assimetrias no território. Essas preocupações são
justas, mas não devem fazer-nos esquecer a questão central: as desigualdades
sociais em Portugal são as baseadas nas classes, mais do que nas regiões.
Quando olhamos
para valores médios, tanto a região e como a cidade de Lisboa são de facto as
mais ricas do país. Mas não é só na riqueza média que batem recordes. Nenhuma
região portuguesa é tão desigual como a Área Metropolitana de Lisboa (AML).
Nenhuma cidade do país é tão desigual como a capital.
A riqueza da AML
está concentrada num pequeno número de Concelhos. Na verdade, 10 dos 18
municípios da AML apresentam um poder de compra per capita inferior à média
nacional. Só em Oeiras e em Lisboa é que o valor deste indicador excede a média
nacional em mais de 25%. Porém, aqueles dois municípios representam menos de
1/4 da população da área metropolitana. Ou seja, a grande maioria da população
da região vive em Concelhos cujo poder de compra per capita médio é idêntico ou
inferior ao nacional. Nenhuma região do país apresenta assimetrias económicas
entre Concelhos tão elevadas.
Quando olhamos
apenas para o que se passa no Concelho de Lisboa, a conclusão é idêntica: o
grosso dos rendimentos está concentrado num pequeno grupo de residentes. A
desigualdade entre agregados familiares na capital não tem paralelo em
Portugal.
Segundo as
estatísticas do rendimento ao nível local do INE, baseada no rendimento
declarado no IRS em 2017, Lisboa apresenta o maior índice de Gini entre os
Concelhos do Continente (36,4 contra uma média nacional de 30,7), denotando uma
elevada desigualdade na distribuição do rendimento. Apresenta também as maiores
diferenças entre os mais ricos e os mais pobres: o rendimento mínimo dos 10%
mais ricos é 13,7 vezes maior do que o rendimento máximo dos 10% mais pobres (a
média nacional é de 7,5).
Os pobres de
Lisboa são mais pobres do que os da maioria dos municípios portugueses. De 299
Concelhos para os quais existem dados disponíveis, o rendimento bruto anual
máximo dos 10% de população mais pobre de Lisboa (3.489 euros em 2017) é mais
baixo do que o de 239 Concelhos. A contagem sobe para 255 Concelhos se
considerarmos o rendimento deduzido do IRS liquidado. Por outras palavras, os
mais pobres da cidade de Lisboa são mais pobres do que os menos favorecidos de
80% dos municípios do país.
Não é só na
situação dos mais pobres que a cidade de Lisboa se destaca. Em 2017, o
rendimento bruto declarado médio por agregado em Lisboa era próximo de 25 mil
euros, cerca de 1,4 vezes mais do que a média nacional. Já o rendimento mediano
era de apenas 13 mil euros por ano. Ou seja, quase metade dos agregados tinham
rendimentos anuais inferiores a 1/2 dos rendimentos médios da cidade.
Assim, ao
contrário do que os valores agregados parecem sugerir, as classes médias e
baixas de Lisboa estão longe de ser privilegiadas nos rendimentos que auferem.
Acresce que têm de suportar os custos típicos de cidades onde existe muito
dinheiro a circular, desde logo os custos da habitação. Segundo os dados do
INE, o preço médio do arrendamento em Lisboa é 2,3 vezes maior do que a média
nacional, e o preço de venda de casas 3,1 vezes superior.
A evolução dos
custos da habitação nos últimos anos tornou ainda mais visível a desigualdade
na distribuição do rendimento e de riqueza dentro da cidade de Lisboa. Segundo
um estudo recente dos investigadores João Seixas e Gonçalo Antunes, as rendas
de casas em algumas freguesias da capital (que incluem zonas como a Avenida da
Liberdade, Avenida da República, Areeiro, Estrela ou Parque das Nações)
ultrapassam 3/4 do orçamento de uma família de rendimento médio. São poucas as
freguesias em que as rendas não correspondem a 50% do orçamento familiar médio.
As classes médias e baixas estão, na prática, impedidas de aí viver.
O surto de
turismo e de investimento imobiliário nos últimos anos transformou o aspecto
das zonas centrais de Lisboa. Quem vem de fora impressiona-se com tanto luxo e
ostentação. O que muitos não vêem é que os bairros centrais da capital têm
vindo a expulsar os não-ricos para bairros urbanos e periferias suburbanas onde
as condições de vida são tão ou mais difíceis do que em grande parte do
território nacional.
A aparente
riqueza de Lisboa - que emerge das estatísticas agregadas e das visitas ao
centro da cidade - esconde as enormes desigualdades que existem na capital e na
região em que se insere. Essa ilusão de riqueza geral contribui para o discurso
demagógico de quem quer fazer dos problemas de Portugal uma divisão entre a
capital e o resto do país. Melhor fariam em perceber que são as diferenças de
rendimento e de riqueza entre classes que fazem de Portugal um país desigual.
As diferenças regionais de que falam as estatísticas são, em grande medida,
apenas mais um sinal da desigualdade social.
Economista e Professor no ISCTE
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