quinta-feira, 28 de novembro de 2019

Centeno nega a Cabrita 80 milhões de euros para forças de segurança




MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA
Centeno nega a Cabrita 80 milhões de euros para forças de segurança

Orçamento do Estado só deverá prever um aumento de um por cento para a Administração Interna. Cabrita exige 5% para fazer face às reivindicações sindicais e esvaziar o Movimento Zero.

São José Almeida
São José Almeida 28 de Novembro de 2019, 6:00

António Costa terá de mediar a tensão entre dois dos seus ministros, Mário Centeno e Eduardo Cabrita, por causa do orçamento do Estado para as forças de segurançaFoto
António Costa terá de mediar a tensão entre dois dos seus ministros, Mário Centeno e Eduardo Cabrita, por causa do orçamento do Estado para as forças de segurança DANIEL ROCHA


A tensão entre o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, e o ministro das Finanças, Mário Centeno, está instalada nas negociações sobre o Orçamento do Estado para 2020 dentro do Governo, soube o PÚBLICO. Cabrita precisa de cerca de mais 80 milhões de euros em relação ao orçamento do Ministério da Administração Interna (MAI) para 2019, para satisfazer as reivindicações das forças de segurança. Mas Centeno apenas prevê dar-lhe cerca de mais 16 milhões, aplicando a regra de um por cento de aumento para cada ministério.

De acordo com informações recolhidas pelo PÚBLICO, o primeiro-ministro, António Costa, está atento ao problema e tem consciência de que têm de ser reforçados os orçamentos para as Forças Armadas e para as forças de segurança. Sobretudo depois do clima que se instalou no ramo na sequência da manifestação da passada quinta-feira, que foi dominada pelo Movimento Zero, introduzindo em Portugal novas formas de contestação inorgânica e clandestina típicas do radicalismo extremista e populista.

A regra que o ministro das Finanças quer usar em relação ao orçamento do MAI é a que aplica a todos os ministérios, a de um aumento de um por cento em relação ao orçamento do ano anterior. Em 2019, o orçamento do MAI foi de 1598 milhões de euros e agora a proposta de Centeno é de que suba para 1614 milhões de euros, mas Cabrita tem feito saber a Centeno que isso não chega e que é preciso 1678 milhões para fazer face à regularização e à satisfação de pelo menos parte das exigências sindicais das forças de segurança. Isto é, o aumento do orçamento do MAI tem de ser de cinco por cento, no valor de cerca de 80 milhões de euros.

Pagar retroactivos
A verba exigida por Cabrita destina-se não só a fazer face à regularização salarial dos agentes das forças de segurança, mas também a fazer face a despesas extraordinárias como o pagamento dos suplementos remuneratórios durante as férias e a organização das eleições presidenciais de Janeiro de 2021 (ver texto ao lado).


O pagamento dos suplementos remuneratórios durante as férias foi suspenso pelo Governo de Passos Coelho em 2011, mas os agentes recorreram e, em Maio de 2018, o Supremo Tribunal Administrativo decidiu que deveriam ser pagos na íntegra. Face a esta decisão judicial, o MAI voltou a pagar este suplemento a partir de Janeiro de 2019, uma despesa que atinge os nove milhões de euros anuais.

Mas permanecem por pagar os retroactivos. Apenas a Câmara de Lisboa procedeu em Julho ao pagamento integral dos retroactivos aos agentes da Polícia Municipal. Cabrita já chegou ao entendimento com os sindicatos de polícia de que tudo será pago de forma faseada em quatro anos, mas precisa de verbas para o fazer.

De 60% para 24%

A degradação salarial das forças de segurança nos últimos dez anos tem sido gritante. Em 2010, os agentes ganhavam, em média, 60% acima do salário mínimo nacional. Actualmente, esta relação desceu para apenas 24%, porque na última década não houve aumentos.

O salário mensal de um agente quando termina a formação e é colocado pela primeira vez é de 789 euros. De acordo com um responsável do Governo ouvido pelo PÚBLICO, “não se pode estar preocupado em aumentar só o salário mínimo, quando a degradação salarial nas forças de segurança se acentua”.

Nas conversações com os sindicatos, Cabrita já manifestou disponibilidade para analisar as hipóteses de revisão do estatuto remuneratório das forças de segurança, o que mereceu acolhimento dos sindicalistas. Uma das questões que poderão também ser negociadas nesse âmbito é a integração no salário dos suplementos remuneratórios. Em cima da mesa de negociações poderá estar também a preparação de um diploma específico sobre segurança e saúde no trabalho para os agentes.


Neste domínio está a resolução do problema dos suplementos. Nomeadamente a questão da criação de um novo suplemento de risco, que foi matéria de uma recomendação ao Governo aprovada por unanimidade na Assembleia da República a 25 de Junho deste ano. O passo seguinte poderá ser a aprovação, pelo conjunto da oposição parlamentar, de uma lei que obrigue o Governo a criá-lo. O que, para os responsáveis do Governo ouvidos pelo PÚBLICO, “é um contra-senso”, já que, ainda que não haja um suplemento com esse nome, o actual suplemento de serviço policial abrange o conceito de risco.

O risco da extrema-direita
Numa fase em que Cabrita tem mantido conversações com os sindicatos, todas estas questões estão à espera de verba orçamental nas previsões das contas públicas para 2020 e dependem da aceitação de Centeno em aumentar a dotação do MAI. Mas a preocupação dentro do Governo e do PS aumentou exponencialmente depois da manifestação de quinta-feira passada, que foi dominada pelo Movimento Zero e que transformou em protagonista da luta das forças de segurança o deputado do Chega, André Ventura.
A aposta é satisfazer, pelo menos parcialmente, as reivindicações sindicais das forças de segurança e, simultaneamente, evitar o aproveitamento da insatisfação dos agentes por parte de formações partidárias e movimentos inorgânicos e clandestinos de extrema-direita. Um objectivo que tem estado patente nas reuniões entre Cabrita e os sindicatos da GNR: Associação dos Profissionais da Guarda, Associação Nacional de Oficiais da Guarda, Associação Nacional Autónoma de Guardas, Associação Nacional de Sargentos da Guarda, Associação Sócio-Profissional Independente da Guarda.

Mas também com os sindicatos da PSP que têm mais de mil sócios, de acordo com a lei, e que são a Associação Sindical dos Profissionais da Polícia (ASPP/PSP), o Sindicato dos Profissionais de Polícia (SPP), o Sindicato Unificado da Polícia de Segurança Pública (SUP), o Sindicato Independente dos Agentes de Polícia (SIAP) e o Sindicato Nacional de Oficiais de Polícia (SNOP)

Entre estes está o SUP, de que é presidente adjunto Peixoto Rodrigues, o agente da PSP que foi suspenso pelo ministro da Administração Interna este ano, por ter faltado ao serviço sem justificação 83 dias seguidos, e que foi o décimo candidato na lista às eleições europeias apresentada pela coligação Basta, integrada então pelo Chega de André Ventura.

tp.ocilbup@adiemla.esoj.oas

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