O
dilema espanhol
Jorge Almeida
Fernandes / 1-5-2016 / PÚBLICO
Felipe VI dissolverá
o parlamento espanhol na terça-feira. O fracasso da primeira
experiência de multipartidarismo suscita uma questão: que
aprenderam os partidos (e os eleitores) nestes quatro meses?
Interroga-se o politólogo Victor Lapuente Giné: por que é tão
difícil pactuar em Espanha? Invoca as raízes históricas da cultura
política espanhola, “a sua concepção da política como um jogo
de soma zero”.
Outro cientista
político, Fernando Vallespín, fazia em Março um diagnóstico
pessimista: “O mal é que aquilo que ressaltou foram as imensas
fracturas que dividem a sociedade espanhola e a falta de vontade para
as suturar. Um país sem projecto colectivo, rasgado por divisões
territoriais e ideológicas, e onde os seus portavozes se esforçam
por as acentuar com inusitado deleite. (...) Não é credível que
não haja uma maioria que não possa alcançar pontos de
convergência.” A Espanha, dizem quase todos, precisa de grandes
reformas e de uma revisão constitucional: “Como as vamos fazer se
nem sequer somos capazes de formar um governo?”
Estes argumentos são
pertinentes mas menosprezam um ponto. Os “emergentes”, tanto o
Podemos como o Cidadãos, não entraram em cena para “embelezar a
política espanhola mas para competir [com os tradicionais], o que
torna tremendamente difícil a possibilidade de pactos”, observa o
constitucionalista Francesc de Carreras.
Explicou logo após
as eleições, no site Politikon, o economista Luis Abenza: “Se
dois partidos estão ideologicamente muito separados, a margem para
conseguir um acordo de governo é muito pequena. Ao contrário,
quando dois partidos têm muito em comum, obter um acordo será mais
simples, mas é provável que compitam pelos mesmos eleitores [caso
de Espanha]. Esta força é aquilo a que chamamos o dilema
estratégico dos governos de coligação.” Acrescentava: “Se
pensarmos num cenário com quatro partidos sem um passado de
cooperação conjunta (...), é provável que não haja espaço para
os quatro e que pelo menos um deva desaparecer.”
Pequenos cálculos
Que expectativas há
para Junho? As sondagens realizadas em Abril indicam a permanência
fundamental dos resultados de Dezembro, mas com flutuações. Não
indiciam vontade de regresso ao bipartidarismo. Os quatro partidos
mantêm-se. Estes dados devem ser lidos com extrema prudência porque
há uma dura campanha eleitoral pela frente. As pequenas flutuações
são mais importantes do que parecem porque poderão alterar o número
de mandatos dos partidos. Alguns analistas sublinham que a
perspectiva de frustração eleitoral tenderá a traduzir-se num
aumento da abstenção susceptível de alterar a composição do
parlamento. Interroga-se um jornalista: “Em Dezembro de 2015, a
Espanha mostrou paixão pela política. Manterá essa mesma tónica
no 26 de Junho de 2016?”
Os pequenos cálculos
estão na moda. Os estrategos do Partido Popular, escreve o La
Vanguardia, calculam que a afluência às urnas poderia descer de 73%
(em Dezembro) para pouco mais de 65%, o que beneficiaria o partido de
Rajoy, que dispõe do eleitorado mais fidelizado. O objectivo é
alargar a distância em termos de deputados perante os outros
partidos. Se o PP, com 123 deputados, conseguir superar a barreira
dos 130 aumentará a possibilidade de formar governo em coligação
com o Cidadãos, forçando o PSOE a viabilizar o seu governo pela
abstenção.
Outros sublinham que
foram o PP e o Podemos quem mais dificultou um acordo, o que poderia
provocar uma punição eleitoral. É patente que o PP e o Podemos
decidiram que não haveria governo e que a sua estratégia visava
provocar eleições. Ao contrário, o PSOE temia a repetição das
eleições. O seu resultado é a mais importante incógnita de Junho.
A nova campanha
Na campanha prevê-se
uma guerra sem quartel entre as duas esquerdas e uma tentativa do PP
para manter os eleitores de Dezembro e recuperar alguns
abstencionistas. O Podemos tem por meta superar o PSOE em votos e, se
possível, deputados. A descer ligeiramente nas sondagens, prepara
uma aliança com a Esquerda Unida (comunista), o que, com os dados
actuais, lhe daria a possibilidade de ultrapassar os socialistas. O
PSOE sempre se deu mal com formações à sua esquerda, sobretudo
quando estas querem ocupar o seu espaço político.
Durante quatro
meses, o PSOE e o Podemos nunca quiseram realmente pactuar. Iglesias
agiu com patente má-fé, procurando debilitar Sánchez, e este
“blindou” a recusa de aliança com o Podemos através do pacto
com o Cidadãos. Queria os votos de Iglesias no parlamento mas não o
queria no governo. Houve um imenso simulacro destinado a que cada um
pudesse responsabilizar o outro pelo fracasso da unidade de esquerda
e pela manutenção de Rajoy no poder. Nas circunstâncias actuais,
outro cenário vedado aos socialistas é o da “grande coligação”:
seria suicidária porque daria ao Podemos o monopólio da oposição
à “casta”.
O PP apostará no
“voto útil” e na governabilidade. Calculase que fará
retoricamente do Podemos o inimigo principal, a “grande ameaça
para a Espanha”, menosprezando o PSOE. Tudo dependerá da marcha
das sondagens. Para já, Rajoy conseguiu uma vantagem: as críticas
deixaram de visar os escândalos e a sua impopular governação desde
2011 para se centrarem nestes quatro meses. Não o incomoda que
acusem o seu “imobilismo” de fazer fracassar todas as
alternativas.
A questão das
alianças
Citei acima os
argumentos realistas de Carreras e Abenza. O eleitorado espanhol, ao
contrário do de outros países, não está “consolidado”. Não
se trata apenas da deslocação de votos entre partidos e da
alternância de maiorias. Os “novos” partidos não se limitam a
procurar “nichos” não ocupados, competem também pelos eleitores
dos “velhos”. De resto, o Podemos (ainda) não tem como projecto
integrar-se no “sistema” ou apenas reformálo. Não abandonou o
desígnio de o fazer implodir, destruindo o PSOE.
Os partidos estão
confrontados com as expectativas sociais de uma “política
diferente” — negociar e fazer pactos sobre as grandes reformas.
Mas também envolvidos numa luta pela sobrevivência. No ano passado,
86% dos espanhóis exigiam pactos e consensos. Mas depois das
eleições todos os modelos de coligação eram rejeitados por uma
maioria dos inquiridos nas sondagens. A dificuldade não é exclusiva
dos políticos.
Titulou este jornal
no dia 20 de Dezembro: “Fim do bipartidarismo obriga a reinventar o
modo de governar” em Espanha, isto é, passar da hegemonia do
partido do governo para um modelo baseado em pactos e coligações.
Também se avisou: a implosão do bipartidarismo não produz
automaticamente um outro, apto a fazer coligações e governos.
Augura o antigo
diplomata Carles Casajuana: “Em política não se trata de ter boas
cartas mas de saber jogar bem as que se têm. Desgraçadamente, os
quatro grandes partidos foram incapazes de nos surpreender com
nenhuma proposta audaz, corajosa, e o resultado é que teremos de
voltar às urnas. Talvez a surpresa a daremos nós, os eleitores.”
Aguardemos Junho.
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