O burguês de boas contas e que gosta da cultura
Por
Rui Moreira foi o centro de todas as atenções na noite eleitoral, ao ter
conquistado a Câmara do Porto com uma votação muito superior à dos candidatos do
PS e PSD
"A vitória de Rui Moreira no Porto", diz o
social-democrata Paulo Rangel, "foi de longe o facto mais importante destas
eleições". Sem nenhum currículo político-partidário, este independente de 57
anos candidatou-se à segunda cidade do país e ganhou-a com quase tantos votos
como os candidatos do PS (Manuel Pizarro) e do PSD (Luís Filipe Meneses)
juntos.
Desafiado a candidatar-se por um grupo de figuras públicas da cidade e
contando apenas, em termos partidários, com o apoio não solicitado do CDS,
Moreira conquistou seis mandatos em 13 e ultrapassou as expectativas mais
optimistas dos seus apoiantes, para não falar das sondagens, que só nos últimos
dias lhe reconheceram possibilidades de vitória.
O seu triunfo, disse ainda ao PÚBLICO o eurodeputado Paulo Rangel, que
trabalhou com Moreira na Bolsa do Porto, "obriga os partidos a pensar na forma
como se têm relacionado com a sociedade civil".
Mas quem é, afinal, este homem que, na noite das eleições, concentrou as
atenções do país e quase ofuscou a histórica maioria absoluta do socialista
António Costa em Lisboa? Nascido no Porto, Rui Moreira, o mais velho de oito
irmãos, é um filho da alta burguesia industrial e comercial da cidade. O seu pai
e homónimo, Rui Moreira, fundou diversas empresas, entre as quais a fábrica de
colchões Molaflex. Após o 11 de Março de 1975, foi preso e esteve oito meses
detido, com os próprios operários da Molaflex a promover uma manifestação de
apoio ao patrão. Rui Moreira, o filho, estava então a partir para Londres, onde
estudaria Gestão na London School of Economics, depois de ter frequentado o
Colégio Alemão do Porto (como o seu antecessor Rui Rio) e de ter terminado o
liceu na escola Garcia de Orta, onde dirigiu a União dos Estudantes Democratas
Independentes, a primeira manifestação do seu gosto pela intervenção política.
Não era o primeiro na família. O industrial Mário Moreira, seu tio e padrinho,
que morreu precocemente em 1978, chegou a ser deputado da Ala Liberal no final
do marcelismo.
Durante anos, Moreira não teve particular visibilidade pública, dedicando-se
às empresas da família e aos seus próprios negócios. Nuno Botelho, seu braço
direito na Associação Comercial do Porto (ACP), salienta o facto de Rui Moreira
ter considerável fortuna própria e de o mover apenas "o seu grande amor pela
cidade".
É nos últimos anos, ao defender, enquanto presidente da ACP, interesses
estratégicos da cidade que via ameaçados pelo centralismo, que Moreira adquire
notoriedade local e nacional, potenciada pela sua actividade de colunista na
imprensa e pela sua participação, como adepto do FC Porto, em programas
televisivos.
Rangel diz que Moreira "modernizou por completo a ACP" e que a sua
intervenção em "dossiers importantes, como o aeroporto, porto de Leixões ou o
TGV", lhe deu notoriedade", numa linha que o social-democrata associa "à
tradição liberal e burguesa da cidade". Se o estatuto senatorial de que goza um
grupo de figuras da burguesia tradicional da cidade constitui há muito uma
especificidade portuense, Rui Moreira é, com a possível excepção de Paulo
Vallada, o primeiro que, vindo dessa elite, se submeteu ao voto popular e se
propôs gerir, de facto, a cidade.
A sua vitória dever-se-á a vários factores, entre eles o apoio implícito de
Rui Rio. Mas se Moreira, diz Nuno Botelho, "não vai alienar o capital de
honestidade e credibilidade" deixado pelo seu antecessor, também "nunca poderia
ser, o "lado B" de Rio". E uma área onde se esperam diferenças óbvias é a da
cultura. Botelho avisa que "não se trata de voltar à cultura de betão do tempo
de Fernando Gomes", mas acredita que Moreira "vai olhar a cultura como factor de
desenvolvimento".
Miguel Veiga, um histórico do PSD que apoiou Rio e agora defendeu Moreira
contra Menezes, também acha que os dois Ruis se aproximam "no rigor e nas contas
certas", mas vê em Moreira "um homem com grandes preocupações culturais".
De resto, Moreira deu um sinal claro de que não seria um continuador da
política cultural de Rio ao escolher Paulo Cunha e Silva, um dos rostos da Porto
2001, como seu mandatário para o sector. "Rui Moreira teve sempre a preocupação
de dar uma visão cosmopolita da cidade e da cultura, apostando também numa
perspectiva internacional", disse ao PÚBLICO Cunha e Silva.
Se na candidatura de Moreira havia figuras próximas de Rui Rio, como a sua
vereadora Guilhermina Rego e o ex-vereador Manuel Sampaio Pimentel, ou ainda
Valente de Oliveira, e se teve o apoio do CDS e de figuras do PSD, também houve
quem o apoiasse à esquerda. O antigo dirigente maoísta e ex-deputado socialista
Pedro Baptista elenca as "convergências" que o levaram a apoiar publicamente Rui
Moreira: "a afirmação do Porto em relação ao centralismo; o desinteresse perante
delimitações ideológicas; a sua recusa em se deixar subjugar pela oligarquia
partidária; e a sua sensibilidade para a cultura, que o distingue radicalmente
de Rui Rio, para quem cultura e lazer eram a mesma coisa".
Perante a acrescida notoriedade nacional que esta vitória trouxe a Rui
Moreira, haverá já quem se pergunte se não estará destinado a outros desafios,
que ultrapassem o âmbito do Porto. Mas nenhum dos amigos e apoiantes com quem o
PÚBLICO falou compra essa tese, e os vários cargos que Moreira foi discretamente
recusando, incluindo uma Secretaria de Estado oferecida por Durão Barroso,
parecem corroborá-lo. "O que o move é acreditar que pode mesmo fazer alguma
coisa pelo Porto, a cidade onde gostaria que os seus filhos pudessem viver e
trabalhar", assegura Nuno Botelho.
Rui Moreira foi o centro de todas as atenções na noite eleitoral, ao ter conquistado a Câmara do Porto com uma votação muito superior à dos candidatos do PS e PSD
"A vitória de Rui Moreira no Porto", diz o
social-democrata Paulo Rangel, "foi de longe o facto mais importante destas
eleições". Sem nenhum currículo político-partidário, este independente de 57
anos candidatou-se à segunda cidade do país e ganhou-a com quase tantos votos
como os candidatos do PS (Manuel Pizarro) e do PSD (Luís Filipe Meneses)
juntos.
Desafiado a candidatar-se por um grupo de figuras públicas da cidade e
contando apenas, em termos partidários, com o apoio não solicitado do CDS,
Moreira conquistou seis mandatos em 13 e ultrapassou as expectativas mais
optimistas dos seus apoiantes, para não falar das sondagens, que só nos últimos
dias lhe reconheceram possibilidades de vitória. O seu triunfo, disse ainda ao PÚBLICO o eurodeputado Paulo Rangel, que trabalhou com Moreira na Bolsa do Porto, "obriga os partidos a pensar na forma como se têm relacionado com a sociedade civil".
Mas quem é, afinal, este homem que, na noite das eleições, concentrou as atenções do país e quase ofuscou a histórica maioria absoluta do socialista António Costa em Lisboa? Nascido no Porto, Rui Moreira, o mais velho de oito irmãos, é um filho da alta burguesia industrial e comercial da cidade. O seu pai e homónimo, Rui Moreira, fundou diversas empresas, entre as quais a fábrica de colchões Molaflex. Após o 11 de Março de 1975, foi preso e esteve oito meses detido, com os próprios operários da Molaflex a promover uma manifestação de apoio ao patrão. Rui Moreira, o filho, estava então a partir para Londres, onde estudaria Gestão na London School of Economics, depois de ter frequentado o Colégio Alemão do Porto (como o seu antecessor Rui Rio) e de ter terminado o liceu na escola Garcia de Orta, onde dirigiu a União dos Estudantes Democratas Independentes, a primeira manifestação do seu gosto pela intervenção política. Não era o primeiro na família. O industrial Mário Moreira, seu tio e padrinho, que morreu precocemente em 1978, chegou a ser deputado da Ala Liberal no final do marcelismo.
Durante anos, Moreira não teve particular visibilidade pública, dedicando-se às empresas da família e aos seus próprios negócios. Nuno Botelho, seu braço direito na Associação Comercial do Porto (ACP), salienta o facto de Rui Moreira ter considerável fortuna própria e de o mover apenas "o seu grande amor pela cidade".
É nos últimos anos, ao defender, enquanto presidente da ACP, interesses estratégicos da cidade que via ameaçados pelo centralismo, que Moreira adquire notoriedade local e nacional, potenciada pela sua actividade de colunista na imprensa e pela sua participação, como adepto do FC Porto, em programas televisivos.
Rangel diz que Moreira "modernizou por completo a ACP" e que a sua intervenção em "dossiers importantes, como o aeroporto, porto de Leixões ou o TGV", lhe deu notoriedade", numa linha que o social-democrata associa "à tradição liberal e burguesa da cidade". Se o estatuto senatorial de que goza um grupo de figuras da burguesia tradicional da cidade constitui há muito uma especificidade portuense, Rui Moreira é, com a possível excepção de Paulo Vallada, o primeiro que, vindo dessa elite, se submeteu ao voto popular e se propôs gerir, de facto, a cidade.
A sua vitória dever-se-á a vários factores, entre eles o apoio implícito de Rui Rio. Mas se Moreira, diz Nuno Botelho, "não vai alienar o capital de honestidade e credibilidade" deixado pelo seu antecessor, também "nunca poderia ser, o "lado B" de Rio". E uma área onde se esperam diferenças óbvias é a da cultura. Botelho avisa que "não se trata de voltar à cultura de betão do tempo de Fernando Gomes", mas acredita que Moreira "vai olhar a cultura como factor de desenvolvimento".
Miguel Veiga, um histórico do PSD que apoiou Rio e agora defendeu Moreira contra Menezes, também acha que os dois Ruis se aproximam "no rigor e nas contas certas", mas vê em Moreira "um homem com grandes preocupações culturais".
De resto, Moreira deu um sinal claro de que não seria um continuador da política cultural de Rio ao escolher Paulo Cunha e Silva, um dos rostos da Porto 2001, como seu mandatário para o sector. "Rui Moreira teve sempre a preocupação de dar uma visão cosmopolita da cidade e da cultura, apostando também numa perspectiva internacional", disse ao PÚBLICO Cunha e Silva.
Se na candidatura de Moreira havia figuras próximas de Rui Rio, como a sua vereadora Guilhermina Rego e o ex-vereador Manuel Sampaio Pimentel, ou ainda Valente de Oliveira, e se teve o apoio do CDS e de figuras do PSD, também houve quem o apoiasse à esquerda. O antigo dirigente maoísta e ex-deputado socialista Pedro Baptista elenca as "convergências" que o levaram a apoiar publicamente Rui Moreira: "a afirmação do Porto em relação ao centralismo; o desinteresse perante delimitações ideológicas; a sua recusa em se deixar subjugar pela oligarquia partidária; e a sua sensibilidade para a cultura, que o distingue radicalmente de Rui Rio, para quem cultura e lazer eram a mesma coisa".
Perante a acrescida notoriedade nacional que esta vitória trouxe a Rui Moreira, haverá já quem se pergunte se não estará destinado a outros desafios, que ultrapassem o âmbito do Porto. Mas nenhum dos amigos e apoiantes com quem o PÚBLICO falou compra essa tese, e os vários cargos que Moreira foi discretamente recusando, incluindo uma Secretaria de Estado oferecida por Durão Barroso, parecem corroborá-lo. "O que o move é acreditar que pode mesmo fazer alguma coisa pelo Porto, a cidade onde gostaria que os seus filhos pudessem viver e trabalhar", assegura Nuno Botelho.
Investir na Cultura, reabilitar e criar emprego em Campanhã
Rui Moreira pode ser apontado como o herdeiro de Rui
Rio, o presidente cessante da Câmara do Porto, mas a cidade que o novo eleito
preconiza está, em vários aspectos, muito longe daquela que Rio construiu
durante quase 12 anos. Dar outra dignidade à Cultura, apostar na abandonada
freguesia de Campanhã e "evitar" que os velhos moradores do centro da cidade
sejam retirados da zona onde sempre moraram são alguns dos pontos que os
separam.
No que ambos se aproximarão mais é, eventualmente, nas contas. Boas contas
foi o capital que Rui Rio angariou, depois dos seus mandatos, e essas mesmas
boas contas, "à moda do Porto", são o lema que Moreira não se cansou de repetir
ao longo da campanha.Rui Moreira teve o apoio do CDS, mas nunca exerceu qualquer cargo político e faz questão de realçar que a sua candidatura foi "livre, independente e abrangente", pelo que é possível que não demore tanto tempo como Rui Rio a opor-se frontalmente a decisões do Governo. O empresário, defensor da regionalização, foi um dos rostos na defesa da gestão autónoma do Aeroporto Francisco Sá Carneiro e feroz opositor da privatização da ANA em bloco. Enquanto presidente da Sociedade de Reabilitação Urbana (SRU), nunca calou as críticas ao accionista Estado.
E a reabilitação vai estar no centro do seu mandato. Moreira quer parceiros privados e públicos, não abdica do apoio do Estado (não o choca que este saia da estrutura da SRU, desde que a financie), mas também aqui define como prioridade algo que Rio não fez - reabilitar o património municipal dentro e fora do centro histórico e "obrigar" o Estado a fazer o mesmo, no património que lhe pertence.
Se Moreira cumprir o que prometeu, o Mercado do Bolhão será finalmente reabilitado, mas o futuro autarca, que não terá maioria na vereação, enfrentará dificuldades em implementar na estrutura as prometidas "residências universitárias", que não colheram o apoio de nenhum dos outros partidos com vereadores eleitos - PS, PSD e CDU.
Mais fácil deverá ser o investimento em ilhas e bairros no centro do Porto, para que os seus moradores lá permaneçam e novos sejam captados, já que este é um projecto também defendido por Manuel Pizarro, do PS. O mesmo vale para a criação de um fundo de solidariedade, ideia também partilhada pelo socialista, que Rui Moreira quer dotar com o valor mínimo de dois milhões de euros anuais. Com a CDU, Moreira partilha a intenção de criar a figura de um provedor da Habitação Social (os comunistas chamam-lhe provedor do Inquilino Municipal) e, de novo com o PS, a proposta para que os bairros do Estado sejam transferidos para a esfera municipal, com uma dotação financeira para a sua reabilitação.
Moreira e Pizarro também coincidem na vontade de que o Rivoli seja, de novo, um verdadeiro teatro municipal, escolhendo um director/programador por concurso público. O próximo presidente da Câmara do Porto promete criar espaços para a "arte efémera", ou os graffiti (não confundir com tags), que Rui Rio sempre combateu.
Uma cidade voltada para a Cultura, considerada por Moreira como "grande factor de coesão social", e com a economia e emprego sob "controlo directo" do presidente da câmara são promessas do futuro autarca, que se compromete ainda a tornar a freguesia de Campanhã no novo centro da criação de emprego da cidade. Rui Moreira quer criar ali um centro de artes e ofícios, um outro de reindustrialização e, no antigo Matadouro Municipal, que Rio quis alienar, um pólo logístico de apoio a pequenas e médias empresas. Proposta que não está longe da de Pizarro.
"Os partidos estão demasiado centrados em si próprios, nos seus dramas internos e nas carreiras dos seus dirigentes"
1. Tenho dito e escrito muitas vezes que o regime
está gasto, está exausto, dá sinais ostensivos de esclerose. As eleições
autárquicas, se analisadas na sua complexidade, confirmam por inteiro esse
diagnóstico. Por muitas voltas que se dêem, o problema principal reside no
enorme desgaste dos partidos, que perderam capacidade de representação e de
identificação. Os partidos estão demasiado centrados em si próprios, nos seus
dramas internos e nas carreiras dos seus dirigentes. Estão fechados à sociedade
civil, impermeáveis à sua influência, procurando apenas aproveitar as últimas
gotas que exalam do exangue aparelho de Estado. Os partidos - em especial, os
partidos do arco da governação - resumem a sua vida à inércia dos respectivos
aparelhos, reproduzindo na vida pública todos os tiques do seu ácido borbulhar
interno. Essa imersão nas disputas e nos ajustes internos tolda-lhes a visão das
angústias e dos anseios das populações e condena-os, primeiramente, à
indiferença e, muito em breve, à hostilidade. Está, por isso, rotundamente
enganado quem julga que o perigo - o perigo para a democracia - vem dos
independentes e das suas listas. O perigo vem da displicência dos partidos,
quando perdem a noção do serviço público e do interesse geral, e se deixam
arrastar para a trivialidade e a vulgaridade da sua lida interna.
Paulo Rangel / Os partidos e o Porto - primeiras
divagações/ Hoje no Público