Uma campanha perigosa
Editorial/Público
Uma campanha para identificar e expulsar imigrantes ilegais
no Reino Unido, com recurso a imagens de detenções publicadas na rede social
Twitter e sustentada por um slogan ameaçador ("Volte para casa ou enfrente
a detenção"), é um exemplo perverso de como um governo se permite pisar
direitos elementares em nome da segurança. A campanha está a ser criticada pelo
segundo partido da coligação, os Liberais Democratas, para quem estes métodos
apenas inspiram desconfiança aos cidadãos. As autoridades estão a ser acusadas
de deter cidadãos em plena rua, usando como única regra a cor da pele, para
procurar imigrantes ilegais. O objectivo é tranquilizar os eleitores que estão
a abandonar os conservadores em favor do partido xenófobo UKIP. O preço é
alimentar as tensões raciais, o medo e a desconfiança. Numa sociedade
democrática, estas práticas são pura e simplesmente inadmissíveis.
Governo britânico acusado de racismo em campanha
anti-imigração
Por Alexandre Martins
03/08/2013 in Público
Acções do Ministério do Interior incluem cartazes com a
frase "Vá para casa ou arrisca-se a ser detido", operações de identificação
em Londres e mensagens no Twitter com fotografias de suspeitos
O Governo britânico está a ser acusado de "fomentar
tensões raciais" no país devido a uma campanha para identificar imigrantes
sem documentos, que tem como lema "Está ilegal no Reino Unido? Vá para
casa ou arrisca-se a ser detido". Agentes dos serviços de imigração foram
vistos a mandar parar "indivíduos de pele escura" em estações dos
subúrbios de Londres e o Ministério do Interior começou a divulgar no Twitter
fotografias de detenções de suspeitos.
O jornal The Independent revelou ontem que agentes do
Ministério do Interior britânico realizaram nos últimos dias "operações de
identificação aleatórias" em quatro subúrbios de Londres - Walthamstow,
Kensal Green, Stratford e Cricklewood. De acordo com testemunhos de pessoas que
assistiram às operações, os agentes interrogaram "apenas indivíduos de
pele escura".
Um dos habitantes do subúrbio de Kensal Green, identificado
como Phil O"Shea, disse ao jornal londrino Kilburn Times que os agentes
reagiram com agressividade às questões levantadas por pessoas que não estavam a
ser inspeccionadas: "Eles estavam a mandar parar e a interrogar todas as
pessoas não-brancas, muitas das quais eram obviamente habitantes de Kensal
Green que iam para o trabalho. Quando lhes perguntei o que se passava,
ameaçaram deter-me por obstrução e disseram-me para seguir o meu caminho."
Questionado pelo The Independent, o Ministério do Interior
negou que estas operações de identificação estejam ligadas à campanha realizada
no início da semana em seis bairros londrinos, em que duas carrinhas foram
postas a circular com um cartaz onde se podia ler a frase "Está ilegal no
Reino Unido? Vá para casa ou arrisca-se a ser detido". De acordo com o
mesmo jornal, o ministério não conseguiu, no entanto, dar exemplos de operações
de identificação semelhantes realizadas no passado.
O comportamento dos agentes foi criticado pelo deputado
Barry Gardiner, do Partido Trabalhista, na oposição. O deputado escreveu à
ministra do Interior, Theresa May, acusando o Governo de estar a "pôr em
causa as liberdades fundamentais" do Reino Unido.
"Ainda não vivemos numa sociedade em que a polícia ou
quaisquer outros agentes da autoridade têm o direito de deter pessoas sem uma
justificação plausível, para lhes exigir a apresentação de papéis. Mas as
acções do seu departamento parecem estar a levar-nos nessa direcção",
escreveu Barry Gardiner.
A consultora política e activista Christine Quigley, também
do Partido Trabalhista, usou o Twitter para criticar as operações nos subúrbios
de Londres: "Parece que os inspectores do UKBA [serviço de estrangeiros e
fronteiras] estão a mandar parar apenas pessoas de minorias étnicas em
Walthamstow. Para vossa informação, UKBA - nem todos os britânicos são brancos."
Em declarações ao The Independent, o representante dos
trabalhistas no bairro de Brent, Muhammed Butt, considerou que as operações dos
agentes e a campanha "Vá para casa ou arrisca-se a ser detido" estão
ligadas. "Estas inspecções não são apenas intimidatórias, são também
racistas e geradoras de divisão. Depois de falar com algumas testemunhas,
parece que apenas foram interrogadas pessoas negras e de aparência asiática. E
os brancos australianos e neozelandeses que podem ter ultrapassado os limites
da sua estadia?"
Imagens no Twitter
As acções do Governo britânico contra a imigração de pessoas
sem documentos reflectiram-se também nas redes sociais, com o Ministério do
Interior a publicar fotografias de suspeitos no momento em que são detidos.
As mensagens são acompanhadas pela palavra-chave
#immigrationoffenders (infractores da lei de imigração) e mostram imagens dos
momentos das detenções, com a cara dos envolvidos - suspeitos e agentes -
escondidas.
As reacções no Twitter vão desde o apoio incondicional a
comparações à Alemanha nazi. "Há algum branco?", questionou o
utilizador Dave Sykes. Um outro utilizador, Dev Raval, perguntou se "esta
é mais uma ideia que foram buscar aos nazis".
No extremo oposto, um utilizador que se apresenta como
apoiante do partido UKIP (antieuropeísta e anti-imigração) insta as autoridades
a deportarem os suspeitos detidos, enquanto outro pede que o ministério vá
actualizando os casos - "O que lhes vai acontecer agora? Por favor,
actualizem a informação. Vão deixar que saiam em liberdade?"
Em resposta, foi criada uma conta no Twitter chamada
"UK Go Home Office", que se dedica a ridicularizar as mensagens do
Governo. Um dos tweets salienta a alegada natureza racista das operações nos
subúrbios de Londres: "Olha à tua volta. Os infractores das leis de
imigração vêm em várias formas, tamanhos e tons de castanho."
"Ambiente hostil"
O director executivo da associação de defesa dos refugiados
Refugee Action, Dave Garratt, define a política do Governo britânico como uma
"cruzada" e considera que pode "incitar tensões raciais".
Num texto publicado no jornal The Independent, Dave Garratt
diz que detecta sinais de uma "cruzada com vista à criação de um ambiente
hostil", com "carrinhas nas ruas com frases ameaçadoras e,
alegadamente, pessoas não-brancas a serem paradas e revistadas".
Citado ontem pela edição online do jornal The Guardian, um
porta-voz do Ministério do Interior, que falou sob anonimato, defendeu a estratégia
do Governo: "Não pedimos qualquer desculpa por pôr em prática as nossas
leis de imigração e os nossos agentes realizam centenas de operações como esta
em Londres ao longo de todo o ano."
Em Maio passado - uma semana depois dos surpreendentes
resultados do UKIP nas eleições locais -, o primeiro-ministro britânico, David
Cameron, anunciou que a alteração das leis de imigração iria passar a ser uma
prioridade do seu Governo.
Entre outras coisas, a proposta de lei - que poderá ser
aprovada ainda este ano - prevê o limite do acesso dos imigrantes em situação
legal no país a benefícios sociais e aos serviços de saúde.
DAVE GARRATT
Thursday 1 August 2013
Home Office is now a tool for stirring up racial tension
Over the last few weeks we’ve seen some very visible signs
of the Government’s “hostile environment” crusade. There have been vans out on
the streets with threatening slogans and, reportedly, non-white people being
visibly stopped and searched.
The Home Office is responsible for community cohesion. Yet
we are increasingly seeing what appears to be hostility towards non-white
immigration, which will do nothing but incite racial tensions and divisions
within otherwise rich and diverse communities.
This has to change. We urgently need a more balanced public
debate on immigration, free of political agendas. Without it we risk eroding
the very foundations of communities across the UK.
The Government has now made the Home Office, who are also
responsible for community policing and safety, a highly visible,
taxpayer-funded tool for stirring up racial tension and community unrest. The
method and location of these stunts make it hard to believe that they are not
targeted at non-white communities, but, whatever the truth, they are certainly
perceived that way.
Refugee Action wants to see a more balanced debate about
immigration, and believes the Home Office has a huge responsibility to avoid
adding to its toxicity. At least in the interests of balance, we’d like some
vans which say: “The NHS would collapse without foreign-born staff,” or “the Office
of Budget Responsibility says that migration has a positive impact on the
sustainability of public finances” or “without immigration Britain would be
without tea”.
Sem comentários:
Enviar um comentário