sábado, 2 de abril de 2022

Um programa de governo que celebra a rotina

 



EDITORIAL

Um programa de governo que celebra a rotina

 

Os problemas do Governo e do seu programa têm a mesma raiz: falta-lhes o poder do encanto para entusiasmar.

 

Manuel Carvalho

1 de Abril de 2022, 21:27

https://www.publico.pt/2022/04/01/politica/editorial/programa-governo-celebra-rotina-2001059

 

Se há um elogio a fazer ao programa do Governo é que entre a sua longa lista de medidas é difícil encontrar alguma que careça de sentido, que seja errada ou despropositada, que esteja condenada ao fracasso ou implique um retrocesso. Mas essa leitura transversal positiva é também a que legitima dúvidas e crítica. Tudo ali parece demasiado óbvio, certinho, previsível, alcançável ou razoável. Tudo ali acusa falta de rasgo, de ambição ou de propósito transformador. Um programa para um país conformado, não para um país com sentido de urgência.

 

António Costa, já se sabia, não é dado a ousadias. Decidiu enfrentar tempos incertos com um conselho de ministros que mais parece a sua guarda pretoriana. Agora, optou por ajustar o seu caderno de encargos a essa natureza. Não é que os ministros sejam maus ou incapazes – pelo contrário, há razões para depositar boas expectativas sobre a maior parte deles; não é que o alcance político do programa seja mau ou desajustado. Os problemas do Governo e do seu programa têm a mesma raiz: falta-lhes o poder do encanto para entusiasmar.

 

Depois do debate das eleições, em que pela primeira vez em muitos anos a discussão se alargou para lá da esfera do Estado e dos seus funcionários, após a maioria absoluta, seria legítimo esperar--se que este Governo criasse uma nova vaga de fundo para os desafios que aí vêm. O Presidente tratou de enriquecer essa possibilidade com a narrativa das reformas, da ambição ou da reconstrução (e não recuperação) dos estragos da pandemia. O próprio António Costa deu sinais de que o PRR, a recuperação da confiança ou da imagem externa do país criaram uma nova oportunidade.

 

Dificilmente se aproveitam novas oportunidades fazendo o mesmo de sempre. Proteger as crianças pobres, melhorar salários médios, as carreiras dos professores ou o SNS não objectivos políticos de agora, como o são do passado ou serão do futuro. Não são, por isso, essas medidas do programa que estão mal, sequer a mais. É saber como a ciência chega à sociedade, como atrair investimento externo, como promover a mudança estrutural da economia, o ataque às disfunções da Justiça ou do sistema de ensino que estão a menos.

 

Na sua posse, António Costa vangloriou-se das “reformas profundas” que fez. O país melhorou durante os seus seis anos de governo. Hoje, porém, não é isso que se devia discutir. É sobre as “condições únicas para romper definitivamente com um modelo de desenvolvimento assente em baixos salários”. Sobre o que é preciso fazer para o país se livrar das amarras que o condenam a ser a curto prazo o mais pobre da União Europeia.

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