EDITORIAL
Um programa de governo que celebra a rotina
Os problemas do Governo e do seu programa têm a mesma
raiz: falta-lhes o poder do encanto para entusiasmar.
Manuel Carvalho
1 de Abril de
2022, 21:27
https://www.publico.pt/2022/04/01/politica/editorial/programa-governo-celebra-rotina-2001059
Se há um elogio a
fazer ao programa do Governo é que entre a sua longa lista de medidas é difícil
encontrar alguma que careça de sentido, que seja errada ou despropositada, que
esteja condenada ao fracasso ou implique um retrocesso. Mas essa leitura
transversal positiva é também a que legitima dúvidas e crítica. Tudo ali parece
demasiado óbvio, certinho, previsível, alcançável ou razoável. Tudo ali acusa
falta de rasgo, de ambição ou de propósito transformador. Um programa para um
país conformado, não para um país com sentido de urgência.
António Costa, já
se sabia, não é dado a ousadias. Decidiu enfrentar tempos incertos com um
conselho de ministros que mais parece a sua guarda pretoriana. Agora, optou por
ajustar o seu caderno de encargos a essa natureza. Não é que os ministros sejam
maus ou incapazes – pelo contrário, há razões para depositar boas expectativas
sobre a maior parte deles; não é que o alcance político do programa seja mau ou
desajustado. Os problemas do Governo e do seu programa têm a mesma raiz:
falta-lhes o poder do encanto para entusiasmar.
Depois do debate
das eleições, em que pela primeira vez em muitos anos a discussão se alargou
para lá da esfera do Estado e dos seus funcionários, após a maioria absoluta,
seria legítimo esperar--se que este Governo criasse uma nova vaga de fundo para
os desafios que aí vêm. O Presidente tratou de enriquecer essa possibilidade
com a narrativa das reformas, da ambição ou da reconstrução (e não recuperação)
dos estragos da pandemia. O próprio António Costa deu sinais de que o PRR, a
recuperação da confiança ou da imagem externa do país criaram uma nova
oportunidade.
Dificilmente se
aproveitam novas oportunidades fazendo o mesmo de sempre. Proteger as crianças
pobres, melhorar salários médios, as carreiras dos professores ou o SNS não
objectivos políticos de agora, como o são do passado ou serão do futuro. Não
são, por isso, essas medidas do programa que estão mal, sequer a mais. É saber
como a ciência chega à sociedade, como atrair investimento externo, como
promover a mudança estrutural da economia, o ataque às disfunções da Justiça ou
do sistema de ensino que estão a menos.
Na sua posse,
António Costa vangloriou-se das “reformas profundas” que fez. O país melhorou
durante os seus seis anos de governo. Hoje, porém, não é isso que se devia
discutir. É sobre as “condições únicas para romper definitivamente com um
modelo de desenvolvimento assente em baixos salários”. Sobre o que é preciso
fazer para o país se livrar das amarras que o condenam a ser a curto prazo o
mais pobre da União Europeia.
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