Decisão do Supremo sobre Alojamento Local aumenta
litigância e risco para os investidores
Frederico
Pedreira
22 Abril 2022
Os advogados contactados pela Advocatus consideram que a
decisão do STJ pode provocar várias consequências, como o aumento de litígios e
de riscos para os investidores.
Após decisões
diferentes, em dois acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa e do Porto, o
Supremo Tribunal de Justiça decidiu uniformizar a jurisprudência e bloqueou a
possibilidade de coexistirem, num mesmo prédio, habitação permanente e
temporária (para fins turísticos).
O acórdão do STJ,
noticiado esta semana pelo jornal Público, nota que no “regime da propriedade
horizontal, a indicação no título constitutivo, de que certa fração se destina
a habitação, deve ser interpretada no sentido de nela não ser permitida a realização
de alojamento local”. Os advogados contactados pela Advocatus consideram que
esta decisão do STJ pode provocar várias consequências, como o aumento de
litígios e de riscos para os investidores.
“A decisão do STJ
foi tirada em uniformidade de decisões contrárias, pelo que embora não tendo
valor de lei (isso é proibido), o que significa que nada impede o STJ de mudar
de posição no futuro, o normal é pelo menos durante um período largo manter
esta jurisprudência, o que implica que os tribunais inferiores (embora
teoricamente possam divergir desta decisão) tenderão a seguir esta decisão”,
explicou José Luís Moreira da Silva, sócio da SRS Advogados.
Desta forma, os
alojamentos locais em prédios de habitação não dedicados integralmente a este
fim vão passar a ter muitas dificuldades em obter autorização, apontou o
advogado.
Raquel Ribeiro
Correia, consultora da Antas da Cunha Ecija, explicou à Advocatus que do ponto
de vista dos litígios em curso, em que esteja em causa a mesma questão
fundamental de direito, este acórdão do STJ pode vir a ter vários impactos.
“Independentemente
do valor da causa e da sucumbência, será sempre admissível recurso de uma
decisão que venha a ser proferida contra a jurisprudência ora uniformizada”,
começa por enunciar a advogada. Raquel Ribeiro Correia referiu também que “não
será admissível recurso de um acórdão da Relação que esteja em contradição com
outro, proferido por qualquer Relação ou pelo STJ, do qual não caiba recurso
ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, que seja conforme com a
jurisprudência ora uniformizada”.
Desta forma, a
consultora da Antas da Cunha Ecija acredita que esta decisão irá provocar um
aumento nos litígios judiciais tendentes à “declaração de ilicitude da
exploração, em regime de alojamento local, de frações autónomas integradas em
imóveis cujo título constitutivo da propriedade horizontal indique que as
mesmas se destinam a uso habitacional” e à “condenação dos condóminos em causa
a cessarem tal exploração”.
Com o aumento da
litigiosidade, Raquel Ribeiro Correia antecipa também consequências quer ao
nível da diminuição da rentabilidade deste setor de atividade económica, quer
do incremento da oferta de frações para uso habitacional.
“A implicação nos
investimentos já efetuados é enorme e o aumento do risco para os investidores
nestas situações também. Ou seja, esta decisão, a par da limitação de AL em
vários municípios, como Lisboa, vem pôr o AL e todos os serviços adjacentes
(construção e serviços de limpeza, etc.), em risco, invertendo o potencial
económico e turístico que vinham cada vez mais tendo”, defende José Luís
Moreira da Silva, sócio da SRS.
A decisão do STJ
acolheu a posição dos tribunais do Porto, que logo na primeira instância
considerou “ilegal” a utilização de fração de um prédio, situado na zona da Sé,
no Porto, para estabelecimento de alojamento local. Essa decisão foi confirmada
pela Relação, que condenou os réus “a cessar imediatamente a utilização dada” e
ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, no valor diário de 150
euros, desde a data do trânsito em julgado da sentença até à efetiva cessação
da mesma.
“Esta decisão do
Supremo Tribunal de Justiça poderá traduzir-se na recusa de novos pedidos de
registo de Alojamento Local em todas as frações autónomas destinadas a
habitação, cujo destino habitacional conste do Título Constitutivo da
Propriedade Horizontal”, segundo Bernardo Marques, advogado associado da RSA.
“Por outro lado, e ainda que a decisão não constitua uma revogação imediata de
todos os registos de Alojamento Local concedidos a frações autónomas que se
encontrem nesta situação, será de esperar um aumento significativo do número de
pedidos de cessação do uso das frações para Alojamento Local interposto pelos
demais condóminos com fundamento no uso diverso do fim a que se destina, com os
consequentes impactos económicos que tal limitação pode provocar, atento
elevado número de licenças na modalidade de Apartamentos concedidas”, concluiu.
O presidente da
Associação do Alojamento Local em Portugal, Eduardo Miranda, já se pronunciou e
admitiu temer as consequências da mediatização desta decisão, mas não acredita
que ela venha a provocar uma avalanche de processos, até porque a legislação
atual já dá uma ferramenta simples aos condomínios.
“O que diz o
acórdão é que nos conflitos que vão parar ao tribunal será dada preferência aos
condomínios. Mas na lei de 2018 esse assunto acabou por ser em grande parte
ultrapassado”, argumenta Eduardo Miranda. “A lei, justamente para evitar
conflitos em tribunal, criou um mecanismo, chamado de oposição, que permite ao
condomínio fazer um pedido de cancelamento, que é simples, gratuito e
relativamente fácil”, acrescenta.
Sustenta ainda
que apesar da nova legislação, foram poucos os pedidos de cancelamento. “Em
quatro anos temos cerca de 50 pedidos, sendo que a maior parte ficou resolvido
através da mediação. É perfeitamente irrisório o número de casos que vai para
tribunal”, afirmou. Pelas contas da associação, há alojamento local em cerca de
60 mil apartamentos.
“São poucos os
casos que hoje chegam a tribunal porque têm custos elevados, são morosos e o
condomínio tem uma via mais fácil de fazer oposição”, insiste. “Acho que já há
uma normalização do alojamento local na maior parte dos condomínios”, defendeu.
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