GUERRA NA UCRÂNIA
SEF suspende ligações a associação pró-Putin
Serviço de Estrangeiros e Fronteiras decidiu abrir um
inquérito interno para aferir que perguntas foram feitas aos refugiados
ucranianos recebidos em Setúbal. Presidente da Associação dos Ucranianos em
Portugal não ficou convencido com explicações dadas pelo autarca de Setúbal em
Assembleia Municipal.
José Volta e
Pinto e Francisco Alves Rito
29 de Abril de
2022, 22:27
O Serviço de
Estrangeiros e Fronteiras (SEF) decidiu esta sexta-feira suspender quaisquer
solicitações efectuadas a pessoas ligadas à Associação dos Emigrantes de Leste
(Edintsvo), na sequência das alegações de que refugiados ucranianos foram
recebidos por russos apoiantes de Vladimir Putin.
A suspensão das
solicitações, disse o SEF ao PÚBLICO, não tem por base suspeitas ou
irregularidades detectadas pelo serviço. Devido à situação na Câmara Municipal
de Setúbal denunciada esta sexta-feira, foi decidida a abertura de um inquérito
interno para “aferir que perguntas foram feitas” aos refugiados ucranianos
recebidos em Setúbal e se alguma das questões ou procedimentos está “fora dos
processos do SEF”.
Até que seja
esclarecida a situação, a direcção nacional “determinou hoje que as
solicitações efectuadas a pessoas ligadas a essa associação fossem suspensas” –
até porque “há outras alternativas” a que o SEF pode recorrer para os serviços
prestados pela associação Edintsvo, com quem “não tem qualquer protocolo
assinado”, sublinha num esclarecimento por escrito.
Na mesma nota, a
entidade reconhece que foi solicitada “pontualmente, pela Delegação de Setúbal
do SEF”, a colaboração para serviços de tradução de uma cidadã, ucraniana com
nacionalidade portuguesa, que pertence à associação – Yulia Khashin,
funcionária do município desde Dezembro.
O Serviço de
Estrangeiros e Fronteiras explica que esta colaboração foi através de “trabalho
voluntário” e refere ainda que o presidente da associação Edintsvo e marido de
Yulia, Igor Kashin, “não prestou qualquer colaboração ao SEF”.
Associação dos
Ucranianos critica explicações do autarca de Setúbal
O presidente da
Associação dos Ucranianos em Portugal não ficou satisfeito com as explicações
que o presidente da Câmara de Setúbal deu esta sexta-feira sobre o acolhimento
de refugiados por russos alegadamente pró-Putin.
“É inaceitável
que os ucranianos que fogem da guerra e venham para Portugal – e foram bem
recebidos pelos portugueses – sejam recebidos por organizações que sempre
fizeram parte da propaganda russa”, disse Pavlo Sadokha que esteve ao início da
noite na Assembleia Municipal de Setúbal para falar no período de intervenções
do público.
“Esta guerra não
começou agora. Os preparativos para a matança de ucranianos começaram há muito
tempo. Nós alertámos o Alto Comissariado [para as Migrações] para a existência
de associações que têm ligação à Rússia e que fazem parte da ideologia do
fascismo russo de matar ucranianos”, acrescentou o responsável ucraniano.
Para Pavlo
Sadokha, quando “Putin fala em desnazificar a Ucrânia significa que eles querem
que os ucranianos desapareçam deste mundo, e não só na Ucrânia mas também na
diáspora”.
O responsável
concluiu que casos como o de Setúbal são “perigosos para os ucranianos e suas
famílias”, que se trata de uma situação “inaceitável num país democrático” e
que “tem de ser parada”.
Na resposta, o
presidente da Câmara de Setúbal disse que a autarquia actuou com “boa-fé e
transparência” no acolhimento de refugiados da guerra da Ucrânia e não tem
“razão nenhuma” para identificar a associação Edinstvo como uma organização
pró-Putin.
Esta sexta-feira, o gabinete de António Costa confirmou
ter recebido uma carta do autarca mas negou que lhe tenham sido solicitadas
informações sobre a Edintsvo. Já a autarquia não quis comentar a “troca de
correspondência oficial”
“Pedimos a esta
associação para fazer a tradução, no âmbito de uma relação antiga. Não temos
nenhuma informação, ao longo de todos estes anos, que tenha havido algum
problema. É verdade que recorremos a esta associação para os serviços de
tradução”, disse.
Sobre a
digitalização de documentos dos refugiados ucranianos, o autarca comunista
garantiu que “a recepção é feita cumprindo o protocolo, as regras que nos foram
trazidas pelas entidades competentes”, apontando o Serviço de Estrangeiros e
Fronteiras (SEF) e o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP).
“O presidente da
associação [Igor Khashin] deu apoio nos primeiros dias, e tem dado apoio ao SEF
e a outras entidades, no mesmo sentido, de facilitar a relação entre os
cidadãos e as entidades”, disse André Martins.
O autarca de
Setúbal sublinhou ainda que o município já pediu ao Ministério da Administração
Interna (MAI) que abra um inquérito ao caso. “Pedimos ao MAI para avaliar todo
o registo – porque há um registo completo das mais de 200 pessoas que foram
registadas -, porque o MAI é que tem essas competências e nós [Câmara
Municipal] não temos essa capacidade”, referiu.
Esta sexta-feira,
o gabinete de António Costa confirmou ter recebido uma carta do autarca mas negou
que lhe tenham sido solicitadas informações sobre a Edintsvo. Já a autarquia
não quis comentar a “troca de correspondência oficial” e escusou-se a comentar
o desmentido do Governo.
Funcionária
retirada do serviço
Relativamente a
Yulia Khashin, que é funcionária do município e estava a trabalhar no gabinete
de acolhimento de refugiados, André Martins disse que “é uma cidadã que está em
Setúbal há 20 anos”, que foi contratada através de um concurso público, e que as
suas funções eram fazer traduções.
O autarca
explicou que o município retirou a funcionária desse serviço para que “não
fosse molestada” pelo que, neste momento, o gabinete está a funcionar “com dois
funcionários que não sabem falar a língua”.
Questionado pelo
PÚBLICO, no final da resposta do autarca, o presidente da associação dos
ucranianos disse “não ter ficado satisfeito com as explicações”. Pavlo Sadokha
afirma não compreender como é que as autoridades em Portugal não têm
conhecimento das ligações de Igor Khashin ao regime de Putin.
O PSD, pela voz
do deputado municipal Rui Lamy, pediu a André Martins para renunciar ao cargo
de presidente da Câmara Municipal, considerando que o autarca comunista deixou
de ter condições para continuar a desempenhar as funções para que foi eleito há
seis meses.
O autarca eleito
pela CDU não chegou a responder ao PSD porque abandonou a reunião da assembleia
municipal pouco depois do início devido a “outro compromisso”.
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