sábado, 30 de abril de 2022

Câmaras comunistas a receber ucranianos? É melhor não

 



 OPINIÃO

Câmaras comunistas a receber ucranianos? É melhor não

 

Pelos pergaminhos da Rússia na guerra híbrida e pela proximidade do PCP com os ocupantes do Kremlin, convinha levar o tema realmente a sério.

 

João Miguel Tavares

30 de Abril de 2022, 0:13

https://www.publico.pt/2022/04/30/opiniao/opiniao/camaras-comunistas-receber-ucranianos-melhor-nao-2004292

 

A embaixadora ucraniana em Portugal já tinha denunciado o problema no início deste mês, em entrevista à CNN: “Há organizações pró-russas” infiltradas no apoio aos refugiados ucranianos que chegam a Portugal e que, através desse alegado exercício de solidariedade, podem aproveitar para partilhar com o regime de Putin “informação sobre os seus dados pessoais” e “dos seus familiares que lutam no Exército ucraniano”.

 

A embaixadora Inna Ohnivets disse também que na própria lista de representantes da comunidade ucraniana em Portugal junto do Alto Comissariado para as Migrações há infiltrações de associações pró-russas. A embaixadora refere uma associação em particular, a Edinstvo – Associação de Imigrantes dos Países de Leste, dirigida pelo cidadão russo Igor Khashin, que “está ligada à embaixada russa” e “não tem nenhuma ligação com a Ucrânia”.

 

O jornalista Henrique Magalhães Claudino, autor da entrevista, afirma que Khashin foi director do Conselho de Compatriotas Russos em Portugal e que a sua associação é reconhecida pelo Alto Comissariado como representante da Ucrânia. Há duas semanas, o mesmo jornalista assinou uma boa investigação sobre o tema na CNN Portugal, intitulada A teia de ligações a Putin de associações que estão a acolher refugiados ucranianos em Portugal. Nela demonstra a ligação dessas associações à Fundação Russkiy Mir, “criada por Vladimir Putin em 2007 para apoiar e divulgar a cultura e a língua russa no mundo”.

 

Igor Khashin foi apoiante do comunista André Martins, actual presidente da Câmara de Setúbal, nas últimas autárquicas. Havia uma foto no Facebook que o demonstrava, mas que foi, entretanto, apagada. Ainda pode ser encontrada através de uma pesquisa nas imagens do Google. A associação Edinstvo, de que Khashin foi um dos presidentes, tem um protocolo com a Câmara de Setúbal desde 2005. Embora a câmara garanta que “Igor Khashin não é nem foi funcionário da Câmara Municipal de Setúbal”, a embaixadora da Ucrânia afirma que “a associação está instalada na Câmara de Setúbal”, onde “o senhor Igor Khashin” tem “um gabinete”. O mais recente protocolo da Câmara de Setúbal com a Edinstvo tem a duração de um ano (entre 1 de Junho de 2021 e 31 de Maio de 2022) e o valor de 29.400€. Está assinado por Yulia Khashina, mulher de Igor Khashin.

 

Ora, é precisamente Igor Khashin e Yulia Khashina que agora aparecem na notícia que fez a manchete do último Expresso: Ucranianos recebidos em Câmara da CDU por russos pró-Putin. Assinado pelo jornalista Vítor Matos, o artigo informa que: 1) Yulia é funcionária da autarquia setubalense, onde foi “admitida como jurista” em Dezembro; 2) a câmara atendeu 160 refugiados no último mês; 3) Yulia e Igor ajudaram a traduzir conversas e documentos; 4) um vereador do PS considera haver “falta de sensibilidade”, perguntas inconvenientes e muitos refugiados que “não estão a dirigir-se ao gabinete porque têm medo” (a Câmara de Setúbal desmente).

 

Infelizmente, vivemos num país que envia nomes, moradas e contactos de manifestantes anti-Putin para a embaixada russa. Mas até por esse lamentável historial, pelos pergaminhos da Rússia na guerra híbrida e pela proximidade do PCP com os ocupantes do Kremlin, convinha levar o tema realmente a sério – e colocar uma pergunta que tem tanto de desagradável como de inevitável: podemos confiar em câmaras comunistas para receber refugiados da Ucrânia? Pelo que se está a ver em Setúbal, a resposta é não.

 

O autor é colunista do PÚBLICO

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