Câmaras comunistas a receber ucranianos? É melhor não
Pelos pergaminhos da Rússia na guerra híbrida e pela
proximidade do PCP com os ocupantes do Kremlin, convinha levar o tema realmente
a sério.
João Miguel
Tavares
30 de Abril de
2022, 0:13
A embaixadora
ucraniana em Portugal já tinha denunciado o problema no início deste mês, em
entrevista à CNN: “Há organizações pró-russas” infiltradas no apoio aos
refugiados ucranianos que chegam a Portugal e que, através desse alegado
exercício de solidariedade, podem aproveitar para partilhar com o regime de
Putin “informação sobre os seus dados pessoais” e “dos seus familiares que
lutam no Exército ucraniano”.
A embaixadora
Inna Ohnivets disse também que na própria lista de representantes da comunidade
ucraniana em Portugal junto do Alto Comissariado para as Migrações há
infiltrações de associações pró-russas. A embaixadora refere uma associação em
particular, a Edinstvo – Associação de Imigrantes dos Países de Leste, dirigida
pelo cidadão russo Igor Khashin, que “está ligada à embaixada russa” e “não tem
nenhuma ligação com a Ucrânia”.
O jornalista
Henrique Magalhães Claudino, autor da entrevista, afirma que Khashin foi
director do Conselho de Compatriotas Russos em Portugal e que a sua associação
é reconhecida pelo Alto Comissariado como representante da Ucrânia. Há duas
semanas, o mesmo jornalista assinou uma boa investigação sobre o tema na CNN
Portugal, intitulada A teia de ligações a Putin de associações que estão a
acolher refugiados ucranianos em Portugal. Nela demonstra a ligação dessas
associações à Fundação Russkiy Mir, “criada por Vladimir Putin em 2007 para
apoiar e divulgar a cultura e a língua russa no mundo”.
Igor Khashin foi
apoiante do comunista André Martins, actual presidente da Câmara de Setúbal,
nas últimas autárquicas. Havia uma foto no Facebook que o demonstrava, mas que
foi, entretanto, apagada. Ainda pode ser encontrada através de uma pesquisa nas
imagens do Google. A associação Edinstvo, de que Khashin foi um dos
presidentes, tem um protocolo com a Câmara de Setúbal desde 2005. Embora a
câmara garanta que “Igor Khashin não é nem foi funcionário da Câmara Municipal
de Setúbal”, a embaixadora da Ucrânia afirma que “a associação está instalada
na Câmara de Setúbal”, onde “o senhor Igor Khashin” tem “um gabinete”. O mais
recente protocolo da Câmara de Setúbal com a Edinstvo tem a duração de um ano
(entre 1 de Junho de 2021 e 31 de Maio de 2022) e o valor de 29.400€. Está
assinado por Yulia Khashina, mulher de Igor Khashin.
Ora, é
precisamente Igor Khashin e Yulia Khashina que agora aparecem na notícia que
fez a manchete do último Expresso: Ucranianos recebidos em Câmara da CDU por
russos pró-Putin. Assinado pelo jornalista Vítor Matos, o artigo informa que:
1) Yulia é funcionária da autarquia setubalense, onde foi “admitida como
jurista” em Dezembro; 2) a câmara atendeu 160 refugiados no último mês; 3)
Yulia e Igor ajudaram a traduzir conversas e documentos; 4) um vereador do PS
considera haver “falta de sensibilidade”, perguntas inconvenientes e muitos
refugiados que “não estão a dirigir-se ao gabinete porque têm medo” (a Câmara
de Setúbal desmente).
Infelizmente,
vivemos num país que envia nomes, moradas e contactos de manifestantes
anti-Putin para a embaixada russa. Mas até por esse lamentável historial, pelos
pergaminhos da Rússia na guerra híbrida e pela proximidade do PCP com os
ocupantes do Kremlin, convinha levar o tema realmente a sério – e colocar uma
pergunta que tem tanto de desagradável como de inevitável: podemos confiar em
câmaras comunistas para receber refugiados da Ucrânia? Pelo que se está a ver
em Setúbal, a resposta é não.
O autor é
colunista do PÚBLICO
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