EDITORIAL
Saber estar à altura de acolher refugiados
No início do mês, a embaixadora da Ucrânia disse que
organizações pró-russas estavam a trabalhar no acolhimento de refugiados,
recolhendo dados pessoais dos que chegam e dos que ficaram a combater. A
denúncia tinha de ter tido outro tratamento.
Andreia Sanches
29 de Abril de
2022, 22:30
https://www.publico.pt/2022/04/29/opiniao/editorial/saber-estar-altura-acolher-refugiados-2004294
A ONU estima que,
desde o início da guerra, mais de cinco milhões de pessoas tenham fugido da
Ucrânia. Muitas viveram o inferno e deixaram no inferno pais, maridos, irmãos.
Daí a indignação suscitada pela notícia de que há refugiados ucranianos em
Portugal a serem recebidos por cidadãos russos, a quem, para receberem apoio,
têm de fornecer dados pessoais, cópias de documentos e, alegadamente,
informação sobre os familiares que deixaram para trás.
O Expresso desta
sexta-feira relatou que a Câmara de Setúbal, liderada por André Martins, do
partido Os Verdes, tem um gabinete de apoio aos refugiados onde trabalha uma
técnica russa com nacionalidade portuguesa casada com um líder da comunidade
russa em Portugal. Para além de também colaborar com a câmara e com o Alto
Comissariado para as Migrações no acolhimento de ucranianos, este cidadão com
dupla nacionalidade pertence, segundo a embaixadora da Ucrânia em Lisboa, a uma
associação que tem ligações à embaixada russa e nenhumas à Ucrânia.
No início do mês,
à CNN, a embaixadora disse que organizações pró-russas estão a trabalhar no
acolhimento de ucranianos, podendo estar a recolher dados pessoais dos que
chegam, e dos familiares que ficam no país, chamando à atenção para os riscos
para a segurança destas pessoas. Mencionou o caso de Setúbal. A suspeita tinha
de ter tido outro tratamento.
A câmara diz
agora que procurou saber junto do primeiro-ministro se o Alto Comissariado
mantinha a confiança na dita associação, mas que não teve resposta. O gabinete
de António Costa já desmentiu, diz que o que recebeu foi um protesto contra as
declarações da embaixadora que encaminhou para o Ministério dos Negócios
Estrangeiros.
Ninguém passa a
ser suspeito por ter esta ou aquela nacionalidade. Mas é fácil perceber que,
para quem foge de um país invadido, com todo o sofrimento de uma fuga em tempos
de guerra, entregar informações pessoais a alguém com ligações ao país invasor
não é aceitável. No mínimo, falta aqui bom senso. Mas pode ser mais do que
isso. Qualquer suspeita de instrumentalização do apoio tem de ser investigada
de imediato.
Nesta
sexta-feira, por fim, houve partidos a exigir explicações; o Governo pediu
informação ao Alto Comissariado; a câmara, que nada fez, retirou a funcionária
do acolhimento e pediu uma averiguação à Administração Interna.
O acolhimento de
refugiados é uma nobre missão que, felizmente, tem mobilizado o país e cidadãos
de diferentes nacionalidades. Mas exige uma enorme responsabilidade. A mínima
suspeita de violação dos direitos de quem está tão fragilizado tem de fazer
soar todos os alarmes.
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