sábado, 30 de abril de 2022

Saber estar à altura de acolher refugiados

 


EDITORIAL

Saber estar à altura de acolher refugiados

 

No início do mês, a embaixadora da Ucrânia disse que organizações pró-russas estavam a trabalhar no acolhimento de refugiados, recolhendo dados pessoais dos que chegam e dos que ficaram a combater. A denúncia tinha de ter tido outro tratamento.

 

Andreia Sanches

29 de Abril de 2022, 22:30

https://www.publico.pt/2022/04/29/opiniao/editorial/saber-estar-altura-acolher-refugiados-2004294

 

A ONU estima que, desde o início da guerra, mais de cinco milhões de pessoas tenham fugido da Ucrânia. Muitas viveram o inferno e deixaram no inferno pais, maridos, irmãos. Daí a indignação suscitada pela notícia de que há refugiados ucranianos em Portugal a serem recebidos por cidadãos russos, a quem, para receberem apoio, têm de fornecer dados pessoais, cópias de documentos e, alegadamente, informação sobre os familiares que deixaram para trás.

 

O Expresso desta sexta-feira relatou que a Câmara de Setúbal, liderada por André Martins, do partido Os Verdes, tem um gabinete de apoio aos refugiados onde trabalha uma técnica russa com nacionalidade portuguesa casada com um líder da comunidade russa em Portugal. Para além de também colaborar com a câmara e com o Alto Comissariado para as Migrações no acolhimento de ucranianos, este cidadão com dupla nacionalidade pertence, segundo a embaixadora da Ucrânia em Lisboa, a uma associação que tem ligações à embaixada russa e nenhumas à Ucrânia.

 

No início do mês, à CNN, a embaixadora disse que organizações pró-russas estão a trabalhar no acolhimento de ucranianos, podendo estar a recolher dados pessoais dos que chegam, e dos familiares que ficam no país, chamando à atenção para os riscos para a segurança destas pessoas. Mencionou o caso de Setúbal. A suspeita tinha de ter tido outro tratamento.

 

A câmara diz agora que procurou saber junto do primeiro-ministro se o Alto Comissariado mantinha a confiança na dita associação, mas que não teve resposta. O gabinete de António Costa já desmentiu, diz que o que recebeu foi um protesto contra as declarações da embaixadora que encaminhou para o Ministério dos Negócios Estrangeiros.

 

Ninguém passa a ser suspeito por ter esta ou aquela nacionalidade. Mas é fácil perceber que, para quem foge de um país invadido, com todo o sofrimento de uma fuga em tempos de guerra, entregar informações pessoais a alguém com ligações ao país invasor não é aceitável. No mínimo, falta aqui bom senso. Mas pode ser mais do que isso. Qualquer suspeita de instrumentalização do apoio tem de ser investigada de imediato.

 

Nesta sexta-feira, por fim, houve partidos a exigir explicações; o Governo pediu informação ao Alto Comissariado; a câmara, que nada fez, retirou a funcionária do acolhimento e pediu uma averiguação à Administração Interna.

 

O acolhimento de refugiados é uma nobre missão que, felizmente, tem mobilizado o país e cidadãos de diferentes nacionalidades. Mas exige uma enorme responsabilidade. A mínima suspeita de violação dos direitos de quem está tão fragilizado tem de fazer soar todos os alarmes.

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