Alojamento Local vai acabar em Portugal?
"Não"... explicamos tudo
Acórdão do STJ proíbe AL em prédios de habitação,
uniformizando a jurisprudência. Mas juristas argumentam que não é o fim do AL.
Redação27 abril
2022, 7:25
O Alojamento
Local (AL) vinha a ser nos últimos anos, até à pandemia, um forte motor da
economia nacional e do rejuvenescimento do parque imobiliário, sobretudo nos
grandes centros urbanos de Lisboa e Porto, a par das regiões mais turísticas
como o Algarve e a Madeira.
Ao mesmo tempo,
foi sendo alvo de críticas e contestações por parte de vizinhos e políticos.
Recentemente, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) veio dizer que deixa de ser
possível Alojamento Local em prédios de habitação. E agora? É o fim do AL em
Portugal? Explicamos tudo neste artigo, com fundamento legal.
"O STJ
uniformizou jurisprudência para o Alojamento Local instalado em frações
autónomas no sentido em que estes não poderão ali funcionar caso a fração desse
destine a habitação", começa por analisar a sociedade de advogados
Lamares, Capela & Associados neste artigo preparado para o idealista/news,
frisando que, segundo o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, "no regime
da propriedade horizontal, a indicação no título constitutivo de que a fração
se destina a habitação deve ser interpretada no sentido de nela não se poder
realizar aquele alojamento local".
alojamento local
em Lisboa
Em que consiste a
uniformização de jurisprudência?
Perante a mesma
questão jurídica pode haver decisões de tribunais superiores contraditórias
entre si – chamados conflitos de jurisprudência – acórdãos que decidem em
sentidos contrários sobre idêntica questão. Assim, discutindo-se a legalidade
da instalação e funcionamento de um AL em fração autónoma destinada a habitação
poderá haver decisões opostas se for interposto recurso perante os diversos
Tribunais da Relação ou mesmo em decisão proferida após recurso perante o STJ.
O recurso de
uniformização de jurisprudência, que pode ser pedido pelo Presidente do STJ,
pelas partes ou Ministério Público, pretende pôr fim à divergência de decisões
contrárias, garantindo o princípio da igualdade e assegurando assim a
estabilidade e harmonia nas decisões judiciais (que perante decisões judiciais
que envolvam a mesma lei e a mesma questão de direito as partes não sejam
confrontadas com diferentes soluções consoante a região do País).
O que está em
causa?
A questão de direito
que originou o acórdão uniformizador não é nova nem pacífica entre os
tribunais.
Há muito se
questiona a legalidade do AL numa fração autónoma afeta a habitação de um
prédio sujeito a propriedade horizontal, sabendo que a esses AL podem estar
associadas:
entradas e saídas
frequentes de hóspedes a várias horas do dia e da noite,
conversas ou
convívios,
a utilização de
elevadores,
o arrastar de
malas nas partes comuns do edifício durante a noite.
alojamento local
no Porto
Alojamento Local
no Porto atrai turistas e tem gerado discórdia. / Photo by Eduardo Muniz on
Unsplash
Pesa-se o direito
ao descanso e à tranquilidade dos condóminos, por um lado, e o direito do
proprietário do AL rentabilizar a sua fração autónoma afetando-a ao exercício
daquela atividade, ao dispor de uma licença de Alojamento Local.
Em 2016 a Relação
do Porto julgou compatível a atividade de AL com o destino de uma fração à
habitação. Entendeu que o alojamento, mesmo de curta duração, não deixa de ser
qualificado como habitação.
Já em 2018 o
mesmo Tribunal já decidiu diferente, alegando que o exercício da atividade de
AL numa fração destinada a habitação pelo título constitutivo violava o fim que
lhe tinha sido dado.
Em 2016 a Relação
de Lisboa já tinha decidido que os AL instalados em frações autónomas
destinadas a habitação não cumpriam a lei por implicar um uso diferente do fim
a que aquela fração foi inicialmente destinada. Mas esta decisão viria a ser
revogada pelo STJ em 2017, ao defender que a utilização da fração por turistas
não afasta a afetação a habitação, não qualificando essa atividade como
comercial.
Que efeitos tem o
acórdão uniformizador para a atividade do Alojamento Local?
Aplica-se apenas
ao processo em que foi proferido. Sim, porque embora se trate de uniformização
de jurisprudência, não tem a força obrigatória geral que a lei atribui, por
exemplo, a alguns dos acórdãos proferidos pelo Tribunal Constitucional, pelo
que não tem aplicabilidade fora do processo concreto e não vincula senão as
partes do mesmo.
No entanto, é de
sublinhar que no futuro a jurisprudência uniformizada acabará por ter um efeito
de persuasão e de orientação de todos os tribunais sempre que a mesma questão
se venha a colocar, para garantia de alguma harmonia dentro do sistema judicial
e evitar novamente as decisões contraditórias dos tribunais sobre a mesma
questão.
Alojamento local
no Algarve
Algarve é uma das
regiões que mais receia os efeitos do acórdão do STJ. / Photo by Dahee Son on
Unsplash
A jurisprudência
uniformizada pelo acórdão do STJ sobre os AL não será aplicável, por exemplo:
às moradias
unifamiliares (cuja noção está no art. 3º, nº 2 do DL 128/2014, de 29 de
agosto)
a prédios que têm
várias frações autónomas pertencentes a um só proprietário,
a fracções afetas
ao comércio ou a serviços.
O que podemos
esperar do futuro ?
A jurisprudência
uniformizada não significa a ilegalização imediata dos AL que hoje existem em
frações habitacionais.
Sem querer fazer
futurologia, o acórdão do STJ não acarreta o fim da atividade dos AL conforme
alguns media veiculam.
Isto porque não
compete aos tribunais reduzir à ilegalidade todos os AL do país, sendo antes
papel do legislador fixar as condições para o registo do alojamento local (o
alojamento local não carece de licença, sendo bastante para o seu registo a
comunicação prévia com prazo), os requisitos de exploração e funcionamento e a
fiscalização dos alojamentos locais para poder funcionar regularmente.
Em segundo lugar,
uma vez que as decisões judiciais valem apenas no caso concreto, o acórdão
uniformizador só poderá ser aplicado aos AL nas frações destinadas a habitação
se em relação a todos eles viesse a ser requerida a ilegalidade e a consequente
anulação do registo do estabelecimento por algum condómino insatisfeito, junto
dos tribunais judiciais.
Soluções?
O mais óbvio é
evitar o recurso aos tribunais e consequentemente a sujeição à posição do
acórdão uniformizador através da manutenção das boas relações de vizinhança e a
obtenção de compromissos entre o proprietário do AL e os restantes
proprietários evitará recursos a tribunais nos quais se poderá suscitar a
legalidade do estabelecimento. Note-se que a legislação dos AL já prevê desde
2018 a possibilidade de se fixar uma quota condominial agravada para o AL para
compensar o desgaste das partes comuns gerado pelos hóspedes e que tem servido
para evitar conflitos (art. 20º-A do DL128/2014, de 29 de agosto).
Em caso de
litígio, soluções alternativas como a mediação poderão também colocar fim à
questão de forma mais rápida e sem os mesmos custos dos tribunais judiciais.
A alteração da
afetação dada pelo título constitutivo à fração onde funciona o AL é uma
possibilidade, ainda que sujeita a procedimentos e custos administrativos bem
como a necessária aprovação da unanimidade dos condóminos. Isto significa,
passar a afetação da fração de habitação para, por exemplo, serviços.
Considera-se que
em aberto fica também o recurso de constitucionalidade da decisão judicial que
aplique a jurisprudência uniformizada, nomeadamente por ofender o conteúdo
material do direito de propriedade.
O acórdão não
levou à extinção dos AL e cabe ao legislador alterar a lei no mesmo sentido do
acórdão ou em sentido diverso ao acórdão, prevendo a possibilidade do
funcionamento do AL em frações afetas a habitação, já existindo pelo menos um projeto
de lei nesse sentido e apresentado na Assembleia da República pelo partido
político Iniciativa Liberal após conhecer-se a decisão do STJ.
*Artigo escrito
por André Gomes Dias, advogado de imobiliário da Lamares, Capela &
Associados
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