sexta-feira, 29 de abril de 2022

Alojamento Local vai acabar em Portugal? "Não"... explicamos tudo

 


Alojamento Local vai acabar em Portugal? "Não"... explicamos tudo

Acórdão do STJ proíbe AL em prédios de habitação, uniformizando a jurisprudência. Mas juristas argumentam que não é o fim do AL.

 

Redação27 abril 2022, 7:25

https://www.idealista.pt/news/financas/economia/2022/04/27/52012-alojamento-local-em-predios-de-habitacao

 

O Alojamento Local (AL) vinha a ser nos últimos anos, até à pandemia, um forte motor da economia nacional e do rejuvenescimento do parque imobiliário, sobretudo nos grandes centros urbanos de Lisboa e Porto, a par das regiões mais turísticas como o Algarve e a Madeira.

 

Ao mesmo tempo, foi sendo alvo de críticas e contestações por parte de vizinhos e políticos. Recentemente, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) veio dizer que deixa de ser possível Alojamento Local em prédios de habitação. E agora? É o fim do AL em Portugal? Explicamos tudo neste artigo, com fundamento legal.

 

"O STJ uniformizou jurisprudência para o Alojamento Local instalado em frações autónomas no sentido em que estes não poderão ali funcionar caso a fração desse destine a habitação", começa por analisar a sociedade de advogados Lamares, Capela & Associados neste artigo preparado para o idealista/news, frisando que, segundo o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, "no regime da propriedade horizontal, a indicação no título constitutivo de que a fração se destina a habitação deve ser interpretada no sentido de nela não se poder realizar aquele alojamento local".

 

alojamento local em Lisboa

Em que consiste a uniformização de jurisprudência?

Perante a mesma questão jurídica pode haver decisões de tribunais superiores contraditórias entre si – chamados conflitos de jurisprudência – acórdãos que decidem em sentidos contrários sobre idêntica questão. Assim, discutindo-se a legalidade da instalação e funcionamento de um AL em fração autónoma destinada a habitação poderá haver decisões opostas se for interposto recurso perante os diversos Tribunais da Relação ou mesmo em decisão proferida após recurso perante o STJ.

 

O recurso de uniformização de jurisprudência, que pode ser pedido pelo Presidente do STJ, pelas partes ou Ministério Público, pretende pôr fim à divergência de decisões contrárias, garantindo o princípio da igualdade e assegurando assim a estabilidade e harmonia nas decisões judiciais (que perante decisões judiciais que envolvam a mesma lei e a mesma questão de direito as partes não sejam confrontadas com diferentes soluções consoante a região do País).

 

O que está em causa?

A questão de direito que originou o acórdão uniformizador não é nova nem pacífica entre os tribunais.

 

Há muito se questiona a legalidade do AL numa fração autónoma afeta a habitação de um prédio sujeito a propriedade horizontal, sabendo que a esses AL podem estar associadas:

 

entradas e saídas frequentes de hóspedes a várias horas do dia e da noite,

conversas ou convívios,

a utilização de elevadores,

o arrastar de malas nas partes comuns do edifício durante a noite.

alojamento local no Porto

Alojamento Local no Porto atrai turistas e tem gerado discórdia. / Photo by Eduardo Muniz on Unsplash

Pesa-se o direito ao descanso e à tranquilidade dos condóminos, por um lado, e o direito do proprietário do AL rentabilizar a sua fração autónoma afetando-a ao exercício daquela atividade, ao dispor de uma licença de Alojamento Local.

 

Em 2016 a Relação do Porto julgou compatível a atividade de AL com o destino de uma fração à habitação. Entendeu que o alojamento, mesmo de curta duração, não deixa de ser qualificado como habitação.

Já em 2018 o mesmo Tribunal já decidiu diferente, alegando que o exercício da atividade de AL numa fração destinada a habitação pelo título constitutivo violava o fim que lhe tinha sido dado.

Em 2016 a Relação de Lisboa já tinha decidido que os AL instalados em frações autónomas destinadas a habitação não cumpriam a lei por implicar um uso diferente do fim a que aquela fração foi inicialmente destinada. Mas esta decisão viria a ser revogada pelo STJ em 2017, ao defender que a utilização da fração por turistas não afasta a afetação a habitação, não qualificando essa atividade como comercial.

Que efeitos tem o acórdão uniformizador para a atividade do Alojamento Local?

Aplica-se apenas ao processo em que foi proferido. Sim, porque embora se trate de uniformização de jurisprudência, não tem a força obrigatória geral que a lei atribui, por exemplo, a alguns dos acórdãos proferidos pelo Tribunal Constitucional, pelo que não tem aplicabilidade fora do processo concreto e não vincula senão as partes do mesmo.

 

No entanto, é de sublinhar que no futuro a jurisprudência uniformizada acabará por ter um efeito de persuasão e de orientação de todos os tribunais sempre que a mesma questão se venha a colocar, para garantia de alguma harmonia dentro do sistema judicial e evitar novamente as decisões contraditórias dos tribunais sobre a mesma questão.

 

Alojamento local no Algarve

Algarve é uma das regiões que mais receia os efeitos do acórdão do STJ. / Photo by Dahee Son on Unsplash

A jurisprudência uniformizada pelo acórdão do STJ sobre os AL não será aplicável, por exemplo:

 

às moradias unifamiliares (cuja noção está no art. 3º, nº 2 do DL 128/2014, de 29 de agosto)

a prédios que têm várias frações autónomas pertencentes a um só proprietário,

a fracções afetas ao comércio ou a serviços.

O que podemos esperar do futuro ?

A jurisprudência uniformizada não significa a ilegalização imediata dos AL que hoje existem em frações habitacionais.

 

Sem querer fazer futurologia, o acórdão do STJ não acarreta o fim da atividade dos AL conforme alguns media veiculam.

 

Isto porque não compete aos tribunais reduzir à ilegalidade todos os AL do país, sendo antes papel do legislador fixar as condições para o registo do alojamento local (o alojamento local não carece de licença, sendo bastante para o seu registo a comunicação prévia com prazo), os requisitos de exploração e funcionamento e a fiscalização dos alojamentos locais para poder funcionar regularmente.

 

Em segundo lugar, uma vez que as decisões judiciais valem apenas no caso concreto, o acórdão uniformizador só poderá ser aplicado aos AL nas frações destinadas a habitação se em relação a todos eles viesse a ser requerida a ilegalidade e a consequente anulação do registo do estabelecimento por algum condómino insatisfeito, junto dos tribunais judiciais.

 

Soluções?

O mais óbvio é evitar o recurso aos tribunais e consequentemente a sujeição à posição do acórdão uniformizador através da manutenção das boas relações de vizinhança e a obtenção de compromissos entre o proprietário do AL e os restantes proprietários evitará recursos a tribunais nos quais se poderá suscitar a legalidade do estabelecimento. Note-se que a legislação dos AL já prevê desde 2018 a possibilidade de se fixar uma quota condominial agravada para o AL para compensar o desgaste das partes comuns gerado pelos hóspedes e que tem servido para evitar conflitos (art. 20º-A do DL128/2014, de 29 de agosto).

Em caso de litígio, soluções alternativas como a mediação poderão também colocar fim à questão de forma mais rápida e sem os mesmos custos dos tribunais judiciais.

A alteração da afetação dada pelo título constitutivo à fração onde funciona o AL é uma possibilidade, ainda que sujeita a procedimentos e custos administrativos bem como a necessária aprovação da unanimidade dos condóminos. Isto significa, passar a afetação da fração de habitação para, por exemplo, serviços.

Considera-se que em aberto fica também o recurso de constitucionalidade da decisão judicial que aplique a jurisprudência uniformizada, nomeadamente por ofender o conteúdo material do direito de propriedade.

O acórdão não levou à extinção dos AL e cabe ao legislador alterar a lei no mesmo sentido do acórdão ou em sentido diverso ao acórdão, prevendo a possibilidade do funcionamento do AL em frações afetas a habitação, já existindo pelo menos um projeto de lei nesse sentido e apresentado na Assembleia da República pelo partido político Iniciativa Liberal após conhecer-se a decisão do STJ.

 

*Artigo escrito por André Gomes Dias, advogado de imobiliário da Lamares, Capela & Associados

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