sábado, 2 de abril de 2022

João Cotrim de Figueiredo também é fascista?

 



OPINIÃO

João Cotrim de Figueiredo também é fascista?

 

O fascismo lusitano não é uma doutrina ideológica, mas um calhau que se atira à cabeça de todos aqueles que desagradam aos porteiros da democracia.

 

João Miguel Tavares

2 de Abril de 2022, 0:17

https://www.publico.pt/2022/04/02/opiniao/opiniao/joao-cotrim-figueiredo-tambem-fascista-2001069

 

Toda a gente estava à espera que o nome de Diogo Pacheco Amorim fosse chumbado para a vice-presidência da Assembleia da República – pertence ao Chega, em 1975 fez parte do MDLP, portanto é fascista. Também toda a gente estava à espera que Gabriel Mihtá Ribeiro fosse chumbado para a vice-presidência – é negro, mas pertence igualmente ao Chega, portanto é racista. Segundo nos foi explicado em devida hora, os deputados de esquerda não podem votar em fascistas nem em racistas para a vice-presidência do Parlamento. É a tese do “cordão sanitário”.

 

Aquilo que ninguém estava à espera é que o líder da Iniciativa Liberal, João Cotrim de Figueiredo, também fosse chumbado. Esse chumbo deita por terra a tese do ódio exclusivo ao Chega. E faz mais do que isso: o lapso político-freudiano dos 116 deputados que se opuseram ao seu nome (obteve 108 votos a favor) é exemplar do nível de cultura democrática de boa parte dos nossos parlamentares e do seu respeito pelo espírito da Constituição. Será que João Cotrim de Figueiredo também é fascista? A resposta só pode ser um redondo sim: em Portugal, toda a gente à direita é potencialmente fascista (em tempos, até o PS o foi), porque o fascismo lusitano não é uma doutrina ideológica, mas um calhau que se atira à cabeça de todos aqueles que desagradam aos porteiros da democracia. É este o verdadeiro “cordão sanitário”. Não é “a extrema-direita”. É tudo aquilo que aborrece ou ameaça os donos do regime.

 

Dir-me-ão: os chumbos são a democracia a funcionar, porque a Constituição apenas diz que os quatro partidos mais votados têm direito a indicar nomes para a vice-presidência da Assembleia da República, não diz que têm de ser eleitos. Sim, será a democracia a funcionar, se por democracia entendermos a mera deposição de votos em urna em função do tribalismo mais rasteiro, e à custa do desprezo por tudo o resto: o respeito pelos votos dos portugueses, o respeito pelos adversários políticos, o respeito pelas ideias com que não concordamos, o respeito pelo espírito do artigo 175 da Constituição.

 

Os jornais apressaram-se a expor a teoria de que foi o PSD a tramar Cotrim de Figueiredo, por causa das cadeiras de São Bento. Disse um deputado social-democrata ao Observador: “Percebemos que a IL andava a jiboiar com o PS para nos roubar um lugar na fila da frente. A malta ficou doida na reunião da bancada e passou a ser óbvio que muitos não iam votar no Cotrim”. Outro acrescentou: “É bem-feito, para não se armarem em Bloco da direita.” A indigência destas justificações é tão grande que talvez sejam verdadeiras. Mas o PSD tem 77 deputados. Muitas dezenas de deputados de esquerda chumbaram igualmente Cotrim.

 

A indigência destas justificações é tão grande que talvez sejam verdadeiras

 

Resultado: Augusto Santos Silva, o mais infatigável apoiante de José Sócrates entre 2005 e 2011 (a par de Pedro Silva Pereira), foi eleito presidente da Assembleia da República. Edite Estrela, madrinha pessoal e política de Sócrates e uma das pessoas que mais trabalharam para a sua ascensão dentro do PS, foi eleita vice-presidente. Vale a pena meditar sobre isto, para que se perceba o estado a que chegou o nosso Parlamento: duas das pessoas que mais activamente colaboraram com o homem que liderou ao regime mais corrupto desde o 25 de Abril são hoje presidente e vice-presidente da Assembleia da República. Já Mihtá Ribeiro e Cotrim de Figueiredo foram considerados indignos de tal cargo. “Maioria absoluta não é poder absoluto”, disse António Costa na noite das eleições. Não é?

 

O autor é colunista do PÚBLICO

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