COMENTÁRIO
A guerra de Putin que mudou o mundo
Jorge Almeida
Fernandes
1 de Março de
2022, 19:59
A invasão da
Ucrânia é um abalo telúrico que já transformou a Europa. Muda não só a grande
política, mas também a vida quotidiana dos cidadãos europeus que sofrem, e vão
sofrer, um choque de que ainda não tomámos consciência e que pode ter efeitos
mais duradouros do que a pandemia da covid. Com a invasão da Ucrânia, “o mundo
entrou numa nova era”, anunciou no domingo, no Bundestag, o chanceler alemão,
Olaf Scholz.
Não foi só a NATO
que mudou, revitalizando os laços entre Europa e América. A iniciativa de Vladimir
Putin provocou outros efeitos europeus. As neutrais Finlândia e Suécia admitem
pedir a adesão à NATO. A Suíça quebra a sua “neutralidade perpétua” e aplica
sanções à Rússia. E a Alemanha “muda da noite para o dia”, decidindo modernizar
as suas Forças Armadas, fornecer armas à Ucrânia e, sobretudo, rever
radicalmente a sua política russa. Era inimaginável dias antes.
A Suécia foi
neutral durante a II Guerra Mundial. Depois, com a ascensão da União Soviética,
manteve a neutralidade no sentido de “não-aliança”. Hoje, encara o activismo
militar da Rússia no Báltico como uma ameaça. A Finlândia tem uma História
acidentada. Antiga possessão da Suécia, foi integrada no império russo em 1809.
Conquistou a independência em 1918. Depois do Pacto Germano-Soviético (1939),
foi atacada pela Rússia e perdeu vários territórios. No fim da II Guerra
Mundial, conservou a independência mas a URSS manteve a tutela sobre a sua
política externa – foi o que se chamou a “finlandização”, de que apenas se
libertou em 1991. Ambos os países temem a proximidade de Moscovo.
A “neutralidade
perpétua” da Suíça remonta ao Congresso de Viena de 1815 que encerrou a era
napoleónica. A Suíça não era apenas um Estado neutral em tempo de guerra mas
também neutral em tempo de paz. Em 2014, depois da anexação da Crimeia,
recusou, em nome da neutralidade, participar nas sanções a Moscovo. A decisão
do passado sábado deve ser considerada “histórica”. O Presidente suíço, Ignazio
Cassis, justificou a decisão: “Neutralidade não é indiferença.” Berna congelou
os capitais dos oligarcas russos. A decisão tem um significado particular: a
sensível Suíça reconhece que os tempos mudaram e muda com eles.
A “revolução alemã”
Em 2011, falando
da política europeia perante a Rússia, disse Radoslaw Sikorski, então ministro
dos Negócios Estrangeiros da Polónia: “Não é tanto o poderio da Alemanha que eu
temo; é a inactividade alemã que começo a temer.”
No dia 22 de
Fevereiro, depois de Putin reconhecer a independência das regiões
secessionistas ucranianas, o chanceler anunciava a suspensão do gasoduto Nord
Stream 2, símbolo de uma velha cultura alemã em que os interesses económicos
prevaleciam sobre os políticos. No sábado 25, dia da invasão, Scholz aprovava o
fornecimento de armas à Ucrânia, pondo fim a outro tabu alemão. No domingo, 27,
descrevia a invasão como um “ponto de viragem” e fazia o anúncio da “revolução
na defesa”. A aprovação imediata duma verba de 100 mil milhões de euros
permitirá ultrapassar a fasquia dos 2% do orçamento desejado pela NATO. Ao
mesmo tempo, lança como “prioridade absoluta” a nova geração de aviões e carros
de combate.
Moral da
história? “Putin iniciou acidentalmente uma revolução na Alemanha”, titulou na
Foreign Policy Jeff Rathka, presidente do Instituto de Estudos Alemães, na
Universidade Johns Hopkins. Note-se que a “revolução da defesa” é lançada por
um chanceler social-democrata. Scholz tem o apoio de toda a coligação e foi
aplaudido pelo líder da oposição, o democrata-cristão Friedrich Merz. Annalena
Baerbock, ministra dos Negócios Estrangeiros e dirigente dos Verdes, sintetizou:
“Quando o mundo muda, a política deve mudar.”
Putin viu-se como
líder de uma nova ordem na Eurásia, algo que Pequim não estará disposta a
permitir. A mudança no campo ocidental pode vir também a preocupar Xi Jinping.
Em lugar de dividir o Ocidente, Putin está a reforçá-lo: arrisca-se a
prejudicar anos de estratégia de enfraquecimento dos EUA e a adiar o seu
inevitável declínio, teoria muito querida a Pequim. É interessante que, na
votação no Conselho de Segurança sobre a Ucrânia, Pequim se tenha abstido na
condenação da Rússia, deixando Moscovo solitária no seu veto.
A chantagem
nuclear
O regresso da
guerra à Europa e a “chantagem” de Putin sobre a possibilidade de recurso a
armas nucleares obriga os Estados-membros da União Europeia “a tomar decisões
impensáveis há meses”, disse nesta terça-feira Mario Draghi, primeiro-ministro
italiano. Não é um exagero retórico.
Escreve o
politólogo francês Cyrille Bret, de Sciences Po e especialista nas relações
euro-russas, que a paranóia de Putin deve ser levada a sério. “O poder russo
está forçado à vitória militar. Colocou-se na alternativa de vencer ou perder.
Como a Rússia se encontra isolada na comunidade internacional, a combinação da
hipertrofia do seu poderio militar com a frustração que suscita a sua
impotência política leva-a uma corrida nuclear particularmente perigosa.”
De qualquer
forma, a ameaça de recurso à arma nuclear não é um acto de força, mas uma
inaudita declaração de fraqueza.
COMMENT
Putin's war that
changed the world
Jorge Almeida
Fernandes
March 1, 2022,
19:59
The invasion of
Ukraine is a telluric shock that has already transformed Europe. It changes not
only the great policy, but also the daily lives of European citizens who suffer
and will suffer, a shock that we have not yet become aware of and which can
have more lasting effects than the pandemic of covid. With the invasion of
Ukraine, "the world has entered a new era," German Chancellor Olaf
Scholz announced on Sunday in the Bundestag.
It is not only
NATO that has changed, revitalising the ties between Europe and America.
Vladimir Putin's initiative has had other European effects. Neutral Finland and
Sweden admit to seking for NATO to be joined. Switzerland breaks its
"perpetual neutrality" and imposes sanctions on Russia. And Germany
"changes overnight", deciding to modernize its Armed Forces, supply
arms to Ukraine and, above all, radically review its Russian policy. It was
unimaginable days before.
Sweden was
neutral during World War II. Then, with the rise of the Soviet Union, he
maintained neutrality in the sense of "non-alliance". Today, he sees
Russia's military activism in the Baltic as a threat. Finland has a bumpy
history. A former possession of Sweden, it was integrated into the Russian
Empire in 1809. He gained independence in 1918. After the German-Soviet Pact
(1939), it was attacked by Russia and lost several territories. At the end of
World War II, it retained independence but the USSR maintained its tutelage
over its foreign policy – it was what was called "Finlandization",
which only broke free in 1991. Both countries fear moscow's proximity.
Switzerland's
"perpetual neutrality" dates back to the Vienna Congress of 1815 that
ended the Napoleonic era. Switzerland was not only a wartime neutral state but
also a peacetime neutral state. In 2014, after the annexation of Crimea, he
refused, in the name of neutrality, to participate in sanctions against Moscow.
Last Saturday's decision should be considered "historic." Swiss
President Ignazio Cassis justified the decision: "Neutrality is not
indifference." Bern froze the capitals of the Russian oligarchs. The
decision has a particular meaning: the sensitive Switzerland recognizes that
times have changed and changes with them.
The "German revolution"
In 2011, speaking
of European policy towards Russia, said Radoslaw Sikorski, then Poland's
foreign minister: "It is not so much the might of Germany that I fear; it
is German inactivity that I begin to fear."
On 22 February,
after Putin recognized the independence of the Ukrainian secessionist regions,
the Chancellor announced the suspension of the Nord Stream 2 gas pipeline, a
symbol of an old German culture in which economic interests prevailed over
politicians. On Saturday the 25th, the day of the invasion, Scholz approved the
supply of weapons to Ukraine, putting an end to another German taboo. On
Sunday, 27, he described the invasion as a "turning point" and made
the announcement of the "revolution in defense." The immediate
adoption of eur 100 billion will exceed the 2% of the budget desired by NATO.
At the same time, it launches as an "absolute priority" the new
generation of aircraft and combat cars.
Moral of the
story? "Putin accidentally started a revolution in Germany," Jeff
Rathka, president of the Institute of German Studies at Johns Hopkins
University, told Foreign Policy. It should be noted that the "defence
revolution" is launched by a Social Democratic chancellor. Scholz has the
support of the entire coalition and was applauded by the leader of the
opposition, the Christian Democrat Friedrich Merz. Annalena Baerbock, foreign
minister and leader of the Greens, summed up: "When the world changes,
politics must change."
Putin saw himself
as the leader of a new order in Eurasia, something Beijing will not be willing
to allow. Change in the western countryside may also come to worry Xi Jinping.
Instead of dividing the West, Putin is pushing it back: he risks undermining
years of America's weakening strategy and postponing its inevitable decline, a
theory much dear to Beijing. It is interesting that, in the security council
vote on Ukraine, Beijing abstained in condemning Russia, leaving Moscow alone
in its veto.
Nuclear blackmail
The return of war
to Europe and Putin's "blackmail" over the possibility of using
nuclear weapons forces European Union member states "to make unthinkable
decisions months ago," Mario Draghi, Italian Prime Minister, said on
Tuesday. It's not a rhetorical exaggeration.
Writes French
politico Cyrille Bret of Sciences Po and expert on Euro-Russian relations, that
Putin's paranoia should be taken seriously. "Russian power is forced to
military victory. He put himself in the alternative of winning or losing. As
Russia is isolated in the international community, the combination of the
hypertrophy of its military might with the frustration that arouses its
political impotence leads to a particularly dangerous nuclear race."
In any case, the
threat of recourse to the nuclear weapon is not an act of strength, but an
unprecedented statement of weakness.
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