terça-feira, 29 de março de 2022

Da reparação histórica à conspurcação da História

  ATENÇÃO! Ver também :   Constança Urbano de Sousa: “Sofri pressões ao mais alto nível para não alterar Lei da Nacionalidade”   http://ovoodocorvo.blogspot.com/2022/03/constanca-urbano-de-sousa-sofri.html

 

                                                                         

                                                                                                                                                                      OPINIÃO

Da reparação histórica à conspurcação da História

 

A lei portuguesa é agora uma “via verde” para a venda de passaportes europeus a quem os puder pagar, como o portuguesíssimo Roman Abramovich.

 

João Miguel Tavares

29 de Março de 2022, 0:35

https://www.publico.pt/2022/03/29/opiniao/opiniao/reparacao-historica-conspurcacao-historia-2000503

 

A entrevista que Constança Urbano de Sousa concedeu ontem ao PÚBLICO a propósito da lei que atribui a nacionalidade portuguesa aos descendentes dos judeus sefarditas é simultaneamente admirável e inacreditável. Admirável, porque tudo o que ela diz está certo, e é dito com uma coragem política digna de elogio. Inacreditável, porque a entrevista é uma declaração de incapacidade de resistência aos lobbies socialistas por parte de uma deputada do próprio PS. Constança Urbano de Sousa declara três coisas: 1) A lei de 2015, como está escrita, é má; 2) Ela própria tentou alterá-la em 2020; 3) Só que foi, infelizmente – e passo a citar –, “obrigada a desistir da proposta”. Vamos por partes.

 

1) A lei de 2015 não é apenas má – é totalmente absurda, e a demonstração de que de leis bem-intencionadas está o Inferno cheio. A ideia de “reparação histórica”, traduzida em benefícios concretos para descendentes de grupos de pessoas maltratadas há vários séculos, é uma fonte de infinitos equívocos, não porque o mundo seja insensível, mas porque a Matemática é impiedosa. Os judeus sefarditas foram expulsos de Portugal nos séculos XV e XVI – há meio milénio, cerca de 20 gerações atrás. Todos nós temos dois pais, quatro avós, oito bisavós, 16 trisavós, e por aí adiante, numa progressão geométrica que permite a qualquer português declarar-se orgulhosamente descendente de D. Afonso Henriques, e estar certíssimo. Um judeu sefardita que tenha nascido em Portugal há 20 gerações, e cujos descendentes tenham tido uma média de dois filhos por geração, nos dias de hoje tem 220 descendentes, ou seja, 1.048.576 pessoas. Portanto, se um judeu sefardita do século XV tem hoje mais de um milhão de descendentes directos, imaginem quantos descendentes têm todos os judeus sefarditas que no tempo de D. Manuel viviam em Portugal.

 

2) Este pequeno detalhe matemático não atrapalhou o legislador português, que decidiu ser o mais magnânimo possível: não colocou limites temporais aos pedidos de nacionalidade, nem o domínio da língua, como em Espanha, e quando Constança Urbano de Sousa propôs uma alteração legislativa exigindo um período mínimo de residência em Portugal de dois anos, ou alguma conexão ao país, não conseguiu reunir apoios para a proposta. A lei portuguesa é agora uma “via verde” para a venda de passaportes europeus a quem os puder pagar, como o portuguesíssimo Roman Abramovich: exige apenas certidão de nascimento, registo criminal impoluto e o certificado de uma comunidade judaica aferindo a “pertença a uma comunidade sefardita de origem portuguesa”, que pode ser “materializada” em coisas tão vagas como a “genealogia” ou a “memória familiar”.   

 
3) Não espanta, por isso, que no início do ano o país já contasse com mais de 30 mil cidadãos que nem precisaram de meter os pés em Portugal, e outros 54 mil a caminho. Por que raio não foi a lei modificada, então? Segundo Constança Urbano de Sousa, por causa dos “senadores do PS” – Maria de Belém, Vera Jardim, Manuel Alegre e Alberto Martins –, que “moveram mundos e fundos para evitar qualquer alteração a esta lei”. Desde essa altura, o rabino da comunidade judaica do Porto (responsável por 90% dos processos) foi detido quando se preparava para viajar para Israel, e uma investigação do PÚBLICO descobriu o envolvimento de um sobrinho de Maria de Belém (que propôs a lei original) no negócio de milhões.
                                                                                                                                                                      

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