EDITORIAL
Obviamente, exonerado
“O senhor almirante nunca foi para a noite? Nunca bebeu
uns copos?”, perguntou o capelão da Marinha. Gouveia e Melo não tinha outra
escolha: exonerou-o.
Amílcar Correia
29 de Março de
2022, 21:00
https://www.publico.pt/2022/03/29/sociedade/editorial/obviamente-exonerado-2000646
O almirante
Gouveia e Melo foi rápido a reagir às notícias sobre o envolvimento de dois
fuzileiros na morte brutal de um agente da PSP em Lisboa. Fê-lo para manter a
dignidade do corpo de fuzileiros, para inibir que outros casos se sucedam. Não
consta que o Exército tenha por hábito fazer o mesmo sempre que morre um
recruta.
O capelão da
Marinha, Licínio Luís, missionário passionista, defendeu os fuzileiros detidos
e criticou Gouveia e Melo por estas declarações. Para o capelão, no fundo, os
dois fuzileiros estavam “a divertir-se” e “foram provocados”. “O senhor
almirante nunca foi para a noite? Nunca bebeu uns copos?”, perguntou. Gouveia e
Melo não tinha outra escolha: exonerou o capelão.
O Estado não pode
aceitar que nas forças de segurança ou nas Forças Armadas existam “arruaceiros”
e elementos “sem valores”, para utilizar duas expressões do almirante. A
prática mais recente tem sido essa. O Ministério da Administração Interna (MAI)
acaba de suspender por três meses um agente da PSP acusado pelo Ministério
Público de torturar um cidadão ucraniano de forma totalmente gratuita em Beja.
No mês anterior,
o MAI tinha suspendido sete militares da GNR suspeitos de agressões, maus
tratos e sequestro de imigrantes em Vila Nova de Milfontes, Odemira, numa óbvia
demonstração de poder sem qualquer fundamento. As decisões de Francisca van
Dunem, que acumulou as funções de ministra da Justiça e da Administração
Interna, contrastam com os procedimentos que eram seguidos, antes da sua tomada
de posse, em situações análogas.
Há casos de sobra
para o atestar: os oito agentes da esquadra da PSP de Alfragide condenados por
agressão, e um deles sentenciado a prisão efectiva de um ano e seis meses, com
antecedentes criminais por ter cometido o mesmo crime, mantiveram-se em funções.
Para a Direcção Nacional da PSP, isso não bastava. Isso e o facto de o tribunal
considerar ter existido um “grave abuso de autoridade”, a violação do código
deontológico da polícia e um contributo para a perda de “confiança da
população.
O homicídio de Ihor
Homenyuk, no Centro de Instalação Temporária do Aeroporto de Lisboa, é mais um
desses casos em que as forças de segurança preferem ter como código de conduta
o encobrimento e a complacência e não a decência, a ética ou a deontologia.
Quando as chefias preferem a primeira opção à segunda, estão a proteger os
“arruaceiros” e a destruir a credibilidade e notoriedade de todos os outros
profissionais da instituição que dirigem.
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