EMPRESAS
Estado vai tornar-se no único accionista da TAP este ano
Comissão Europeia diz que haverá uma redução do capital
para limpar prejuízos, assumindo depois o Estado 100% do grupo, no qual irá
aplicar 2726 milhões de euros em capital até 2022. Bruxelas diz que medidas do
plano do Governo são “insuficientes”.
Luís Villalobos
4 de Agosto de
2021, 6:08
O Estado
português vai passar a ser o único accionista da TAP, depois de uma operação
para limpar os prejuízos que ocorrerá ainda este ano e que irá envolver os
accionistas privados, onde estão incluídos o empresário Humberto Pedrosa e
pequenos investidores e trabalhadores. O plano implica ainda a aplicação total
de 2726 milhões de euros de dinheiro público no capital da TAP.
A informação
consta de um documento da Comissão Europeia, que avançou para uma investigação
mais aprofundada ao pedido de apoio à companhia feito pelo Governo. De acordo
com o documento, datado de 16 de Julho e agora divulgado no âmbito da consulta
pública, o Governo notificou Bruxelas, no dia 10 de Junho deste ano, de que
pretendia aplicar 3200 milhões de euros na companhia, valor que já inclui os
1200 milhões emprestados à TAP no ano passado.
Segundo a
Comissão Europeia, a concretização do valor foi acompanhada de uma versão
actualizada do plano de reestruturação entregue a 10 de Dezembro do ano
passado, e de outros documentos adicionais. Desses 3200 milhões de euros, 2726
milhões seriam aplicados “através de medidas de capital ou quase capital”,
entre este ano e o ano que vem.
O valor divide-se
em 1200 milhões do empréstimo já concedido ao grupo em 2020 - e que será
convertido em capital este ano —, uma injecção ou garantia estatal a conceder
no segundo semestre deste ano e que será convertível em capital em Junho de
2022 (se não for logo aplicada), e uma outra injecção a realizar no mesmo ano.
Os valores de cada operação não foram revelados.
Além destes 2726
milhões de euros, há uma referência a outros 512 milhões de euros que poderiam
ter a forma de garantia estatal, facilitando a empresa ir ao mercado
financiar-se. No entanto, a Comissão Europeia diz que Portugal realçou que, num
cenário mais adverso, este valor também poderia ser aplicado através de uma
injecção de capital. Por outro lado, o Governo português já fez saber que
poderá prescindir desta verba de modo a reduzir o apoio público e equilibrar o
contributo do grupo e do Estado para o plano de reestruturação.
Isto porque, de
acordo com as regras de Bruxelas, o contributo da entidade apoiada deve estar
próximo ou acima de 50%, e está na casa dos 36%. Entre as medidas de corte de
custos está a redução do número de trabalhadores, incluindo o despedimento
colectivo em curso.
Assim, não parece
haver lugar a empréstimos reembolsáveis, ou mesmo garantias, concentrando-se o
apoio do Estado na injecção de capital na companhia.
Este ano, o
Estado já aplicou 462 milhões de euros na TAP SA, passando a deter 92% da
transportadora área (principal activo do grupo), após Bruxelas ter autorizado
esse apoio no âmbito das ajudas à pandemia e por causa dos impactos das
restrições aéreas entre Março e Junho de 2020. O Estado detém também 72,5% da
TAP SGPS, depois de ter adquirido os 22,5% que estavam com David Neeleman.
Limpeza de prejuízos
De acordo com a
Comissão Europeia, e para assegurar que o fardo é também suportado pelos
accionistas da companhia liderada por Christine Ourmières-Widener, as prestações
acessórias de Humberto Pedrosa (dono de 22,5% da holding via HPGB) e as detidas
pelo Estado vão ser convertidas em capital, e, logo depois, haverá uma redução
do capital social para ajudar a limpar os prejuízos acumulados (a TAP SA tinha
um capital próprio negativo de 1288 milhões no final de 2020, valor que evolui
para -2127 milhões na SGPS).
Do lado do
Estado, estão 55 milhões de euros, cabendo a Pedrosa 169 milhões de euros em
prestações acessórias. A Comissão Europeia remete, no entanto, para o acordo
estabelecido entre o Governo e Pedrosa em Outubro do ano passado, não se
percebendo se o empresário conseguiu garantir algum tipo de protecção do valor
em causa (ou parte dele).
Com esta
operação, que terá uma dimensão expressiva, a Comissão Europeia diz que o
Estado “ficará nesta fase como o único accionista” da TAP SGPS, através da
Direcção Geral do Tesouro e Finanças (DGTF). Nessa altura, haverá então um
aumento de capital subscrito pelo Estado. Quanto à TAP SA, esta também será
alvo de uma redução de capital para efeitos de limpeza de prejuízos. Será na
sequência destas operações que o empréstimo de 1200 milhões de euros será
convertido em capital da empresa.
Os argumentos do
Governo
No dia 16 de
Julho, a Comissão Europeia reiterou a conformidade do empréstimo de 1200
milhões de euros, na sequência da queixa da Ryanair validada pelo Tribunal de
Justiça da União Europeia, mas comunicou também que ia iniciar uma investigação
para “avaliar se o auxílio à reestruturação que Portugal tenciona conceder à
TAP está em conformidade com as regras da UE em matéria de auxílios estatais”.
Em particular,
destacou Bruxelas, a análise pretende assegurar se o plano de reestruturação
“não depende em excesso do financiamento público”, ou seja, se é preciso um maior
esforço da empresa ou um menor envolvimento do Estado. E se este será
“acompanhado de medidas adequadas para limitar as distorções da concorrência
criadas pelos auxílios”.
Por parte do
Governo, defende-se, entre outros aspectos, que o apoio que venha a ser
concedido por ajudas devidas aos impactos da pandemia no segundo semestre de
2020 e primeiro trimestre deste ano deve poder ajudar a equilibrar as contas
(não contando como ajuda estatal para o cálculo em causa).
Em termos de
pessoal, embora inicialmente a empresa identificasse em 3000 o número de
trabalhadores em excesso em 2021, a meta de redução foi fixada em 2000
empregos. E, mesmo após o programa de medidas voluntárias, este objectivo só
deverá ser atingido por via do despedimento colectivo em curso.
Neste capítulo,
há também um plano de redução de frota, e de rotas, face ao cenário pré-covid,
e o Governo defende que não deve haver lugar a cedência de slots (autorizações
de aterragens e descolagens de aviões) no aeroporto de Lisboa porque isso é “desnecessário
para promover a concorrência” e “poderá colocar em risco” a recuperação da
companhia.
De acordo com a
TAP, que teve um prejuízo de 1418 milhões ao nível do grupo em 2020 e ainda
está a sofrer fortemente com a falta de normalização de voos para países como o
Brasil, a transportadora é menos dominadora no aeroporto de Lisboa do que
outros concorrentes nos mercados onde são mais fortes, e a concorrência mais
directa (como a Ryanair) tem uma maior expressão em Lisboa do que em outras
situações semelhantes.
Por outro lado, o
Governo também já avançou que poderá haver um futuro interessado em entrar no
capital da TAP, sinalizando um eventual interesse da Lufthansa (que já esteve
em negociações nesse sentido no passado). A transportadora alemã, mesmo
interessada, não pode neste momento efectuar operações desse género por ter
sido também alvo de apoios estatais. Uma outra hipótese seria um investidor
meramente financeiro, sendo que qualquer um ajudaria a equilibrar as contas dos
apoios.
Há, depois, a
questão de cortar o apoio do Estado ao financiamento dos tais 512 milhões de
euros, esperando-se que o balanço e a performance da empresa já permitam à
companhia ir ao mercado na altura sem esse apoio.
Medidas
“insuficientes"
Por seu lado,
Bruxelas considera que o equilíbrio das medidas entre a TAP e o Estado e as
medidas para limitar distorções da concorrência “apresentam-se como
insuficientes nesta fase”. Para a Comissão, também não está garantido que o
plano assegure o regresso da TAP à viabilidade a longo prazo, sem mais ajudas.
Sobre idas da TAP
ao mercado para se financiar, a Comissão diz que isso é, neste momento,
“hipotético”, logo, não pode ser “considerado real”, numa referência ao corte
de 512 milhões no apoio, e nota ainda a ausência de investidores privados no
processo (ao contrário de situações como a dona da British Airways e da Iberia,
Finnair e Air France).
Acerca da
alienação de activos, que a TAP está a ponderar, Bruxelas diz ter dúvidas sobre
se a venda de negócios que dão prejuízo pode ser considerada como uma medida
para atenuar os efeitos de distorção de concorrência pelas ajudas públicas.
Quanto às slots, refere-se ser um facto que a TAP tem “uma forte posição” num
aeroporto “muito congestionado” e que Portugal não apresentou dados que comprovem
que um desinvestimento nesse campo colocaria em risco a recuperação da empresa.
De acordo com a
Comissão, embora a TAP pretenda vir a manter a sua capacidade operacional
abaixo dos níveis pré-covid, não há nada que permita verificar se esta, mesmo
assim, “não irá ser excessiva”. Para todos os efeitos, Bruxelas considera que
neste momento o apoio estatal “não preenche as condições” necessárias, tendo
dado um mês ao Governo para se pronunciar.
O PÚBLICO enviou
várias questões ao Governo, tendo ao Ministério das Finanças e o Ministério das
Infra-estruturas remetido para a posição já assumida a 16 de Julho. “O Governo
reafirmou e reafirma que continua com total empenho e disponibilidade a
trabalhar com a Comissão Europeia para concluir a aprovação do plano de
reestruturação da TAP”, responderam de forma conjunta os dois ministérios.
Perguntas do PÚBLICO, como a injecção dos 2726 milhões e a questão das
prestações acessórias de Humberto Pedrosa, ficaram sem resposta.

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