quarta-feira, 11 de agosto de 2021

Governo disse há um ano que ia punir graffiti com mais dureza. Nunca o fez



LISBOA

Governo disse há um ano que ia punir graffiti com mais dureza. Nunca o fez

 

Suspeita da pichagem do Padrão dos Descobrimentos é uma estudante de artes francesa. Lei sujeita-a a multa até 25 mil euros e a encarceramento até oito anos, mas não há notícia de punições exemplares. Limpeza de monumento custou 2300 euros, que se somam a gastos recentes da Câmara de Lisboa superiores a 4,6 milhões.

 

Ana Henriques

11 de Agosto de 2021, 6:45

https://www.publico.pt/2021/08/11/sociedade/noticia/governo-ha-ano-ia-punir-graffiti-dureza-fez-1973717

 

O Governo disse em Setembro do ano passado que se preparava para endurecer as punições aplicáveis a quem usa graffiti para vandalizar o património alheio. Porém, nunca o fez até a este momento, altura em que o problema volta a estar na ordem do dia por o Padrão dos Descobrimentos ter sido alvo de pichagem.

 

A autora das inscrições no monumento nacional, que entretanto já foram removidas, será uma estudante de artes francesa que entretanto regressou ao seu país, mas não sem antes ter colocado um vídeo da sua proeza nas redes sociais com a mensagem “It’s a wrap. Bye Lisboa” ("Terminado. Adeus Lisboa"). Embora não confirme a sua nacionalidade, a Polícia Judiciária fala da suspeita como sendo uma estrangeira “que já terá praticado actos da mesma natureza similar noutros locais e que, entretanto, se ausentou do território nacional”.

 

A remoção da frase “Navegando cegamente por dinheiro, a humanidade afunda-se num mar escarlate” – escrita em inglês e com erros ortográficos – custou à empresa municipal de cultura que gere este equipamento 2300 euros mais IVA. Montante que se soma aos mais de 4,6 milhões para limpeza de inscrições deste género adjudicados a várias empresas privadas pela Câmara de Lisboa até 2023/24. A limpeza da chamada arte urbana também não tem ficado barata à CP, que no ano passado gastou mais de meio milhão de euros para apagar 60.372 metros quadrados de graffiti nos comboios. “No primeiro trimestre deste ano foram removidos 5.727 metros quadrados de graffiti, o que corresponde a uma média 1908 por mês”, detalha a transportadora explicando que as queixas que apresenta acabam muitas vezes arquivadas por falta de dados que permitam identificar os autores do vandalismo.

 

Não são conhecidos casos de punições exemplares deste tipo de delito em Portugal, apesar de uma lei de 2013 estipular que a multa por conspurcar, descaracterizar ou manchar monumentos e afins vai até aos 25 mil euros. Em França chega aos 30 mil. Não existindo nas leis nacionais, apesar das promessas do Governo, uma punição penal específica para este tipo de inscrições, os poucos arguidos que têm chegado a tribunal respondem pelo crime de dano ou pelo de dano qualificado. De acordo com o Código Penal, quem danificar ou desfigurar algo que por possuir importante valor científico, artístico ou histórico se encontre acessível ao público sujeita-se a uma pena até oito anos de cadeia. Em França a moldura penal máxima são dois anos.

 

Punir duplamente o autor

Há juristas a defender que é possível, em casos como o do Padrão dos Descobrimentos, punir duplamente o autor de um atentado ao património deste quilate, aplicando-lhe simultaneamente uma multa administrativa e uma pena em tribunal. É o caso do juiz do Supremo Tribunal de Justiça Santos Cabral, que num acórdão sobre o tema proferido em 2018 escreveu: “Toma-se imperioso criar um regime específico para este tipo de actividade ilícita, que vem proliferando no nosso país e cuja inacção por parte das autoridades, em grande medida causada pelo vazio legal existente, tem originado que o nosso país venha referenciado como um paraíso para aqueles que desenvolvem esta actividade”.

 

Para o magistrado, “só com muito voluntarismo se poderá dizer que a lei, em Portugal, está atenta a esta forma de vandalismo massificado”. Defendendo a atribuição de natureza pública a todos estes crimes – neste momento os menos graves dependem de queixa do lesado para serem julgados –, Santos Cabral explica que o graffito “não viola exclusivamente o bem jurídico do direito de propriedade, mas também o direito público a um ambiente sadio e equilibrado, a protecção do património cultural e artístico, a paisagem, a paz e tranquilidade pública, a segurança”.

 

Porém, nem todos pensam assim: até ser proferido este acórdão existia uma controvérsia jurídica que levou tribunais superiores a recusarem-se a punir graffiters, com o argumento de que a lei de 2016 tinha despenalizado tal prática. Foi assim que em 2015 o Tribunal da Relação de Lisboa mandou em paz um rapaz que resolveu acrescentar um toque seu ao Pavilhão de Portugal, no Parque das Nações, com a ajuda de um marcador preto.

 

O PÚBLICO tentou saber junto do Ministério da Justiça qual o ponto da situação das medidas legislativas previstas no ano passado, mas não recebeu qualquer resposta. Com João Pedro Pincha

Sem comentários: