LISBOA
Governo disse há um ano que ia punir graffiti com mais
dureza. Nunca o fez
Suspeita da pichagem do Padrão dos Descobrimentos é uma
estudante de artes francesa. Lei sujeita-a a multa até 25 mil euros e a
encarceramento até oito anos, mas não há notícia de punições exemplares.
Limpeza de monumento custou 2300 euros, que se somam a gastos recentes da
Câmara de Lisboa superiores a 4,6 milhões.
Ana Henriques
11 de Agosto de
2021, 6:45
O
Governo disse em Setembro do ano passado que se preparava para
endurecer as punições aplicáveis a quem usa graffiti para vandalizar o
património alheio. Porém, nunca o fez até a este momento, altura em que o
problema volta a estar na ordem do dia por o Padrão dos Descobrimentos ter sido
alvo de pichagem.
A autora das
inscrições no monumento nacional, que entretanto já foram removidas, será
uma estudante de artes francesa que entretanto regressou ao seu país, mas não
sem antes ter colocado um vídeo da sua proeza nas redes sociais com a mensagem
“It’s a wrap. Bye Lisboa” ("Terminado. Adeus
Lisboa"). Embora não confirme a sua nacionalidade, a Polícia Judiciária fala
da suspeita como sendo uma estrangeira “que já terá praticado actos da mesma
natureza similar noutros locais e que, entretanto, se ausentou do território
nacional”.
A remoção
da frase “Navegando cegamente por dinheiro, a humanidade afunda-se
num mar escarlate” – escrita em inglês e com erros ortográficos
– custou à empresa municipal de cultura que gere este equipamento 2300
euros mais IVA. Montante que se soma aos mais de 4,6 milhões para limpeza de
inscrições deste género adjudicados a várias empresas privadas pela Câmara de Lisboa
até 2023/24. A limpeza da chamada arte urbana também não tem ficado barata à
CP, que no ano passado gastou mais de meio milhão de euros para
apagar 60.372 metros quadrados de graffiti nos comboios. “No primeiro
trimestre deste ano foram removidos 5.727 metros quadrados
de graffiti, o que corresponde a uma média 1908 por mês”, detalha a
transportadora explicando que as queixas que apresenta acabam muitas vezes
arquivadas por falta de dados que permitam identificar os autores do
vandalismo.
Não são
conhecidos casos de punições exemplares deste tipo de delito em Portugal,
apesar de uma lei de 2013 estipular que a multa por conspurcar, descaracterizar
ou manchar monumentos e afins vai até aos 25 mil euros. Em França chega
aos 30 mil. Não existindo nas leis nacionais, apesar das promessas do Governo,
uma punição penal específica para este tipo de inscrições, os poucos arguidos
que têm chegado a tribunal respondem pelo crime de dano ou pelo de dano
qualificado. De acordo com o Código Penal, quem danificar ou desfigurar algo
que por possuir importante valor científico, artístico ou histórico se encontre
acessível ao público sujeita-se a uma pena até oito anos de cadeia. Em França a
moldura penal máxima são dois anos.
Punir duplamente o autor
Há juristas a
defender que é possível, em casos como o do Padrão dos Descobrimentos, punir
duplamente o autor de um atentado ao património deste quilate, aplicando-lhe
simultaneamente uma multa administrativa e uma pena em tribunal. É o caso do
juiz do Supremo Tribunal de Justiça Santos Cabral, que num acórdão sobre o tema
proferido em 2018 escreveu: “Toma-se imperioso criar um regime específico para
este tipo de actividade ilícita, que vem proliferando no nosso país e cuja
inacção por parte das autoridades, em grande medida causada pelo vazio legal
existente, tem originado que o nosso país venha referenciado como um paraíso
para aqueles que desenvolvem esta actividade”.
Para o
magistrado, “só com muito voluntarismo se poderá dizer que a lei, em Portugal,
está atenta a esta forma de vandalismo massificado”. Defendendo a atribuição de
natureza pública a todos estes crimes – neste momento os menos graves dependem
de queixa do lesado para serem julgados –, Santos Cabral explica que o graffito “não
viola exclusivamente o bem jurídico do direito de propriedade, mas também o
direito público a um ambiente sadio e equilibrado, a protecção do património
cultural e artístico, a paisagem, a paz e tranquilidade pública, a segurança”.
Porém, nem todos
pensam assim: até ser proferido este acórdão existia uma controvérsia jurídica
que levou tribunais superiores a recusarem-se a punir graffiters, com o
argumento de que a lei de 2016 tinha despenalizado tal prática. Foi assim que
em 2015 o Tribunal da Relação de Lisboa mandou em paz um rapaz que resolveu
acrescentar um toque seu ao Pavilhão de Portugal, no Parque das Nações, com a
ajuda de um marcador preto.
O PÚBLICO tentou
saber junto do Ministério da Justiça qual o ponto da situação das medidas legislativas
previstas no ano passado, mas não recebeu qualquer resposta. Com
João Pedro Pincha
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