terça-feira, 10 de agosto de 2021

Portugal, país que se vai extinguindo aos poucos / Pousar a mala, e levantar a cabeça, por António Sérgio Rosa de Carvalho

 



OPINIÃO

Portugal, país que se vai extinguindo aos poucos

 

Num país que ainda tivesse um pingo de lucidez, este seria o tema de abertura de todos os telejornais. Em Portugal é o que se vê.

 

João Miguel Tavares

10 de Agosto de 2021, 0:00

https://www.publico.pt/2021/08/10/opiniao/opiniao/portugal-pais-vai-extinguindo-1973582

 

Há dois anos, o jornal El País escreveu um artigo provocatoriamente intitulado “Os portugueses extinguir-se-ão neste século?”, com base em dados do INE que mostravam que o país tinha tido um saldo populacional negativo pelo décimo ano consecutivo. Seria uma triste ironia do destino que uma pequena nação perdida no canto ocidental do continente euroasiático, que resistiu durante séculos à anexação de Castela, acabasse a definhar porque os seus cidadãos não têm vontade de se reproduzir e os seus políticos não têm vontade de agir.

 

Os resultados preliminares dos Censos 2021 confirmam a lenta autofagia: o país tem menos 200 mil cidadãos do que em 2011, e é necessário recuar até à gigantesca vaga de emigração dos anos 60 para encontrar outra década de diminuição efectiva da população. Não é só em Portugal que isto acontece, claro. É um mal do primeiro mundo, e da eficácia com que impedimos os velhos de morrer e os bebés de nascer, devido à evolução dos sistemas de saúde e dos métodos contraceptivos.

 

Alemanha, Itália ou a própria Espanha têm o mesmo problema em termos de saldo natural – também aí os nascimentos não compensam os óbitos. Só que esses países mantêm algo que nós temos vindo a perder: capacidade para atrair e fixar imigrantes. Infelizmente, numa União Europeia de fronteiras abertas, nós somos daqueles países que se voluntariam para receber refugiados mas nem sequer os conseguimos convencer a ficarem por cá. Para quê, de facto, permanecer em Portugal, se é possível ir até Berlim ou até Madrid ganhar o triplo ou o quádruplo?

 

Pobre André Ventura. Aposto que o homem, em vez de andar sempre com os ciganos na boca, que são tão portugueses quanto ele, certamente preferia ir variando de conversa xenófoba e mandar um ou outro imigrante para a sua terra, como fazem os seus amigos do centro da Europa – só que, em Portugal, não há imigrantes para mandar para quase lado nenhum, tirando alguns pobres nepaleses que trabalham na agricultura, porque não há braços lusitanos para apanhar abacate.

 

Pior: aquilo que se aplica aos imigrantes, aplica-se aos portugueses. Os meus sogros (gente de outro tempo) produziram seis filhos e filhas, e os seus filhos e filhas produziram patrioticamente 19 netos. Aos poucos, os que estão na casa dos 20 anos começam a espalhar-se pela Europa fora. Há gente na Irlanda, em Londres, em Madrid. As reuniões de família são contos de emigração. Um dos que ficou por cá e abriu uma empresa no interior já está semi-arrependido, e ainda este fim-de-semana me garantia que se soubesse o que sabe hoje também teria emigrado.

 

À minha volta só vejo jovens a partir para o estrangeiro, a desejar partir para o estrangeiro ou a lamentar não terem partido para o estrangeiro. É o resultado do mais explosivo dos cocktails: 20 anos de estagnação, a geração mais qualificada de sempre, saldos naturais negativos, uma sociedade cada vez mais envelhecida, a população activa a cair a pique, e absolutamente nenhuma esperança de que as coisas venham a ser diferentes.

 

Num país que ainda tivesse um pingo de lucidez, este seria o tema de abertura de todos os telejornais, a discussão mais badalada no espaço público, o primeiro ponto de todos os programas eleitorais. Em Portugal é o que se vê. Não nascem portugueses em número suficiente, os imigrantes não querem cá ficar e os jovens portugueses sonham em ir-se embora? Eh pá, que chato. Felizmente, JJ é o maior e o Benfica voltou a jogar bem à bola.





OPINIÃO

Pousar a mala, e levantar a cabeça

 

Quando irá Portugal, finalmente, pousar a mala e levantar a cabeça?

 

António Sérgio Rosa de Carvalho

12 de Janeiro de 2014, 1:50

https://www.publico.pt/2014/01/12/opiniao/opiniao/pousar-a-mala-e-levantar-a-cabeca-1619300

 

Enquanto o mundo Protestante transforma o seu cepticismo perante a imperfeição do Mundo, precisamente numa capacidade de intervir nessa mesma realidade e transformá-la, tal como Max Weber demonstra na sua associação entre Protestantismo e a formação do Capitalismo pré Neo-Liberal...  os misteriosos Lusitanos, saltitam de escapismo em escapismo.

 

Agora o “Império”. Depois, o deslumbramento das promessas de abundância do clube prestigiante do desenvolvimento Europeu, como se tratasse de fenómeno mágico e instantâneo, sem inclusão de preço e responsabilidade.

 

Progresso? Sim houve-o. E uma das mais importantes manifestações desse mesmo Progresso constituiu o acesso ao ensino e a formação de milhares de jovens. Os tais que iriam determinar o Portugal pós Abril. Que iriam garantir e confirmar o fim desta dialéctica de Êxodo, finalmente, o interromper deste ciclo de Diásporas.

 

Que iriam constituir a primeira geração que iria ficar e finalmente investir neste misterioso rectângulo plantado à beira-mar atlântica.

 

Portugal iria finalmente ser cumprido, de forma Adulta, com a capacidade de aceitar as suas fronteiras físicas, geográficas e reais, assumindo finalmente, sem escapismos, as suas verdadeiras capacidades e transformando assim a realidade, quebrando o feitiço, destruindo esta maldição.

 

As centenas de milhares que partem de novo, com o sabor amargo da decepção e mágoa, para o exílio, restabelecendo o ciclo da Diáspora, ilustram um grave fenómeno com consequências não apenas demográficas e económicas para o futuro do País.

 

Precisamente na área da vivência/ocupação/ futuro das cidades e respectivo Património, as consequências serão terríveis.

 

Pois não seria esta geração que iria, através da sua criatividade cultural/empreendedorismo e actividade profissional, exigir o seu espaço, ocupar finalmente os centro históricos e habitá-los?

 

Em vez disso, assistimos à transformação das duas principais cidades do País, numa plataforma de eventos, num palco de investimento exclusivo na sua ocupação temporária através de hotéis, hostels e oferta de casas na hotelaria paralela.

 

Tudo dirigido ao novo “Bezerro de Ouro” que se chama Turismo, fenómeno importante com indiscutível potencial de reconhecimento e prestígio, com vasta dimensão económica, mas que sem gestão equilibrada, transforma as cidades em produto efémero e temporário.

 

Tudo isto é interpretado de forma relativizadora como fenómeno temporário, associado a uma crise, que se assume descaradamente e oficialmente de forma derrotista com declarações oficiais com apelos explícitos à emigração dos jovens, capazes e formados, como se isso não constituísse uma sangria irreversível e uma ilustração traumatizante de um falhanço da promessa que Abril, iria finalmente interromper este ciclo de eternas Diásporas.

 

Investe-se na tentativa de aliciar capital Internacional, nomeadamente na área do Imobiliário e Reabilitação Urbana, com promessas “douradas”, mas quem irá garantir o rigor das intervenções no Património Arquitectónico e respectivos interiores, quando estes projectos se destinam à ocupação temporária, à curta estadia e à vivência efémera da cidade vista exclusivamente como produto?

 

Onde estão as famílias locais a apropriar-se da cidade? A ocupá-la e a habitá-la permanentemente?

 

Quando irá Portugal, finalmente, pousar a mala e levantar a cabeça?

 

Historiador de Arquitectura


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