CIDADE
Clima: cidades devem assumir que estão em guerra e agir
de imediato. E Lisboa?
Um novo relatório internacional da rede C40 alerta as
cidades para assumirem que o risco das mudanças do clima é iminente. Lisboa não
está bem colocada em emissões de Carbono e está em risco de subida das águas e
temperaturas extremas. Plano está em discussão pública.
Rita Velez
Madeira
por Rita Velez
Madeira
23.07.2021
Em menos de um
mês, uma onda de calor com temperaturas nunca antes registadas assolou o Canadá
e enormes cheias invadiram o centro da Europa em pleno verão. Ambos os fenómenos
deixaram centenas de mortos, relevaram a falta de preparação para os fenómenos
que decorrem da crise climática. Na verdade estes acontecimentos fizeram soar
mais alto o «tic-tac» de um relógio cujo compasso temos de acompanhar se não
queremos piorar drasticamente a nossa qualidade de vida.
Não por
coincidência, a C40 Cities – a rede de cidades de que Lisboa faz parte, e à
qual apresentou o seu plano para mudanças até 2030 – acabam de lançar um
relatório com 15 ações de alto potencial para a adaptação das cidades às
alterações climáticas elaborado pela consultora McKinsey. O relatório chama-se
“Adaptação Focada: uma abordagem estratégica à adaptação climática nas
cidades”. O objetivo: que sirva de orientação aos líderes das cidades por todo
o mundo.
“Em 2050, 685
milhões de pessoas em mais de 570 cidades podem sentir mais de 10% de
dificuldade em encontrar água potável”
Relatório
C40/McKinsey
O que podemos
fazer? E que caminho devia tomar, já, Lisboa?
O relatório
defende que as cidades devem assumir que estamos em guerra. Como em estado de
guerra, sendo que o inimigo é o rápido crescimento da crise climática e que se
devem preparar para o pior. Que aliás, como vimos, já chegou.
“As cidades estão
no momento de fazer escolhas sobre investimentos para adaptar-se. E deparam-se
com uma gama estonteante de opções sobre onde investir dinheiro, tempo e
intenção”, disse Brodie Boland, um dos co-autores do relatório e um
especialista da McKinsey em risco climático ao jornal online sobre cidades City
Lab, da Bloomberg. “Queríamos fornecer um guia para que os líderes das cidade
pudessem ter uma noção do problema e começar. Em vez do modo de planeamento,
estamos no modo de ação imediata.”
Lisboa integra o
Grupo C40 de Grandes Cidades para a Liderança Climática – é umas das 97 cidades
articuladas numa rede por esta ONG que pretende desenhar estratégias de
adaptação e mitigação das alterações climáticas.
Cidades: a
vulnerabilidade explicada em três números
Criar uma rede de
cidades para enfrentar a crise climática não é despiciendo. Se os centros
urbanos têm uma maior pegada ecológica, também são eles os mais vulneráveis às
consequências das alterações do clima.
Desde logo devido
à elevada densidade populacional. É que mais de metade da população mundial
habita em zonas urbanas e essa estimativa ainda vai subir até aos 68% nos
próximos 30 anos, aponta o mesmo Relatório.
“Em áreas de
rápida urbanização, e pobreza, famílias e bairros degradados estarão em zonas
de alto risco e áreas mais expostas”
Relatório
C40/McKinsey
Além disto, os
imensos edifícios e estradas nas cidades absorvem e reemitem o calor do sol,
criando «ilhas de calor» nas áreas mais urbanizadas. A excessiva urbanização
tem ainda o problema de motivar a construção desmesurada em zonas informais,
sem qualquer planeamento, e de casas de baixa renda, com piores materiais. Por
isso, uma parte da população, economicamente mais frágil, estará ainda mais
exposta aos fenómenos climáticos extremos, indica um relatório da ONU de 2018.
Uma última
estatística: 90% das zonas urbanas situam-se junto à costa. O que é o mesmo que
dizer que a maioria das cidades estão perigosamente expostas a inundações
costeiras.
2.9 triliões de
dólares é o dinheiro perdido mundialmente entre 1998 e 2017 por causa de
desastres climáticos. “Sabemos que os custos de remediar mais tarde são muitos
mais elevados do que os custos de prevenir deste já os riscos climáticos”,
assinala Francisco Ferreira, Presidente da ZERO- Associação Sistema Terrestre
Sustentável.
O sol não aquece
para todos da mesma maneira
Quando falamos de
alterações climáticas, falamos de algo mais abrangente do que aquecimento
global, porque inclui indicadores como a temperatura, a intensidade das chuvas
e os fenómenos climáticos extremos, como ondas de calor e furacões.
Os cinco riscos
decorrentes das alterações climáticas destacados pelo Relatório são
precisamente:
- calor extremo,
- seca,
- incêndios florestais,
- inundações interiores e
- inundações costeiras.
Portugal não está
imune a nenhum deles. Lisboa sofrerá mais com calor extremo e inundações
costeiras.
Mas, tal como
frisado pelo estudo, estes riscos não afetarão toda a população da mesma forma.
Pessoas em condição de pobreza e com salários mais baixos, pessoas com
dificuldades de mobilidade, crianças, mulheres, idosos e outros grupos
minoritários são os mais vulneráveis.
Isto é dizer que
todos estamos desprotegidos. Seja porque fazemos parte de algum destes grupos,
seja porque provavelmente todos temos pessoas num círculo próximo que pertencem
a estes grupos, seja porque os fenómenos extremos afetam a sociedade como um
todo.
Adaptação e
mitigação são, portanto, as palavras-chave não só para o futuro das nossas
cidades e das novas gerações, como também para o nosso presente.
Para grandes
problemas, soluções corajosas
O principal
objetivo do Relatório divulgado esta semana é apresentar estratégias de
adaptação e mitigação, ou seja, diminuição dos perigos que as alterações
climáticas já estão a ter para as nossas vidas. São por isso apresentadas 15
ações de impacto elevado a serem adotadas, em função de cada contexto, pelos
líderes das cidades.
O plano de
adaptação das cidades deve ter em conta dois tipos de ações:
Globais: que
pensam o problema como um todo.
Incorporar o
risco climático no Planeamento Urbano
Criação de
sistemas de alerta precoce (algo que falhou, por exemplo, na preparação para as
cheias na Alemanha),
Ter uma reserva
de seguros climáticos e avaliação dos riscos (através da análise e mapeamento
do território).
Específicas: para
cada um dos cinco tipos de perigos, que devem ser combinadas com as globais.
- Plantação de mais árvores nas ruas
- Mais superfícies frias como telhados e paredes brancas,
- Criar barreiras na costa (artificiais e baseadas na natureza),
- Boa gestão das bacias hidrográficas,
- Gestão da floresta de forma a prevenir incêndios, entre outras.
Tudo isto
significa, segundo este relatório, que nada, mas mesmo nada pode ser feito sem
ter o clima e as suas mudanças em mente.
Como é que Lisboa
se pode adaptar?
Cada cidade tem
de ter a sua adaptação específica em função de fatores como as condições do
solo, a topografia ou a idade dos edifícios. Lisboa não está muito bem colocada
em termos de emissões de carbono per capita: acima de Londres, Madrid, Roma ou
Paris, por exemplo.
Fonte: Proposta
CML PAC2030
Lisboa tem em
discussão neste momento o Plano de Ação Climática Lisboa 2030 – que foi
elaborado no âmbito da rede C40 e apresentado este mês. O plano prevê 70%
redução de emissões em 2030, e a neutralidade climática em 2050. E, claro,
“adaptar a cidade a eventos climáticos extremos, aumentar a sua resiliência aos
riscos climáticos e a capacidade de resposta a crises e choques. Combater as
desigualdades, garantindo uma transição justa e inclusiva: um combate centrado
na erradicação da pobreza energética.”
Até 2030 prevê-se
investimento de 4 mil milhões de euros, e algumas metas específicas:
▪ 66% em modos
alternativos
▪ 30% de redução
consumo de água (universo CML), face a 2018
▪ 25% da cidade
com espaços verdes
▪ 30 parques
hortícolas urbanos
O plano está em
discussão e pode ser consultado e comentado aqui. Haverá também uma reunião
pública de apresentação no dia 29, às 14:30.
No caso de
Lisboa, um trabalho do projeto ClimAdaPT.Local (que viria a dar origem à Rede
de Municípios para a Adaptação Local às Alterações Climáticas em 2016 e da qual
Lisboa faz parte), identificou em cada um dos 26 concelhos que o integravam
quais eram os riscos climáticos mais prementes.
Surgiram alguns
em comum para várias cidades portuguesas, nomeadamente para Lisboa:
- Cheias repentinas,
- Ondas de calor (devido à sua elevada mortalidade)
- Subida do nível do mar
O último é o mais
preocupante a longo prazo, isto porque é um risco permanente e para o qual não
existem soluções simples. “É um risco que nos deixa adormecidos durante algum
tempo, porque a subida do nível do mar é muito lenta, mas toda a zona litoral
de Lisboa está fortemente ameaçada”, afirma Francisco Ferreira. Dos edifícios
às estações de metro ou aos túneis.
“Campanhas de
consciencialização pública podem promover uma cultura de apoio à adaptação ao
clima e construir a confiança do público. Sem confiança, comunidades podem não
apoiar a ação climática.”
Relatório
C40/McKinsey
Para mitigar
estes riscos, algumas medidas têm sido implementadas, nomeadamente soluções
baseadas na natureza: a criação de corredores verdes e a plantação de mais
jardins e árvores em zonas periféricas.
A mobilidade
suave e elétrica tem também merecido atenção. E a drenagem é também uma das
linhas de ação que mais tem sido discutida para a cidade – está a ser
construído um túnel de drenagem entre Monsanto e Santa Apolónia e entre Chelas
e o Beato que é a obra mais cara neste setor e custará ao município 133 milhões
de euros.
Mais que medidas
pontuais, uma nova cultura
“Temos de
incorporar mais o risco associado às alterações climáticas. Continuamos a não
ter uma cultura de adaptação no dia a dia”, afirma o ativista da ZERO.
Foi precisamente
isso que marcou a diferença entre as respostas às cheias da Holanda, que não
registou nenhum morto, por exemplo, e da Alemanha. Assim o explica Francisco
Ferreira: a Holanda já se tinha vindo a preparar para a subida do nível do mar,
com grandes investimentos que resultaram na construção de diques (antes e
durante o fenómeno) e com planos de emergência.
Em Lisboa,
“talvez tenhamos mesmo de construir barreiras físicas para impedir o efeito da
subida do nível do mar se perspetivarmos as piores situações a nível de
aquecimento global”, assinala Francisco Ferreira.
Relatórios como
este mostram boas práticas e bons caminhos, mas podem não ser suficientes. É
preciso transformarmos a nossa cultura no que diz respeito à mitigação e à
adaptação aos riscos climáticos.
E, em última
instância, “precisamos de uma mudança muito mais estrutural do funcionamento da
sociedade e da economia”, defende Francisco Ferreira. Se os factos por si só
são inquietantes não é por alarmismo, é porque a situação é de facto grave.
Veja aqui o
relatório.
*Rita Velez Madeira
nasceu em Évora, aprendeu a fazer casa nas viagens de comboio entre as duas
cidades, com vontade de escutar e contar histórias, de viver nesse lugar de
fronteira que há entre nós e o Outro. Este texto foi editado por
Catarina Carvalho.


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