terça-feira, 6 de agosto de 2013

MOBILIÁRIO URBANO A SAQUE.



MOBILIÁRIO URBANO

Margarida Davim in Sol

Puxadores de portas, placas de consultorios, corrimãos de escadas, grelhas de ventilação, caixas de correio, candeeiros da entrada dos prédios nenhum objecto de metal está a salvo nas zonas nobres de Lisboa. Avenidas Novas. Alvalade, Bairro Azul e Bairro das Colónias têm sido, nos últimos meses, alvo de um verdadeiro saque que está a fazer desaparecer mobiliário público e peças de design com valor histórico dos anos 30 e 40.     Os dados oficiais mostram que este crime disparou nos primeiros seis meses do ano, na capital: até ao início de Julho, o Comando Metropolitano de Lisboa da PSP registou 698 queixas de furtos de metais não preciosos. Mais 362 do que em todo o ano de 2012.     O número de detenções também disparou. No ano passado, foram detidos 16 suspeitos em flagrante delito. Este ano, já houve 48 detenções. No Porto, o cenário é idêntico: só no primeiro semestre do ano, a polícia já registou 288 furtos, mais de metade do que em todo o ano passado (440 inquéritos). E deteve sete pessoas, quase tantos como nos 12 meses de 2012, em que apanhou oito ladrões em flagrante delito.     PSP reforça policiamento     O aumento dos furtos de metais não preciosos foi tão grande que os moradores estão a organizar-se para alertar para o problema e pedir ajuda às autoridades.     Em Junho, a Associação de Moradores das Avenidas Novas organizou mesmo um debate com a PSP, onde estiveram cerca de 80 pessoas, e este foi um dos remas mais abordados. Em Julho, foi a vez da Associação de Moradores do Bairro Azul organizar uma lista de objectos roubados para enviar à PSP.    «Há uma sensação de insegurança», explica Ana Sousa Alves, da Associação de Moradores do Bairro Azul, onde até o mobiliário urbano começou a desaparecer. «Já levaram as grelhas das caldeiras das árvores ao pé da mesquita e as sarjetas». Mas não só. Na lista que enviou à Polícia, há respiradores de cobre, puxadores de portas e corrimãos das escadas de vários prédios daquela zona da cidade.     Nas Avenidas Novas, José Soares também tem assistido a um aumento dos furtos, sobretudo «nas áreas junto à Maternidade Alfredo da Costa e nas avenidas ao pé do Instituto Superior Técnico», onde os alvos têm sido «puxadores, tipicamente de latão, mas também candeeiros, corrimões, entre outros».    José Soares diz, contudo, que não é por falta de acção da Polícia que a situação tem piorado. «A PSP tem dado a resposta adequada», garante, explicando que na sua zona até «já houve detenções», não só dos ladrões, mas também de receptadores de materiais roubados.     Fonte oficial da PSP sublinha, aliás, que está cada vez mais atenta ao fenómeno em Lisboa e tem reforçado «a vertente preventiva do policiamento para os locais sinalizados» como alvos preferenciais deste tipo de crime.     A PSP explica que, em regra, estes furtos são cometidos por «toxicodependentes» que procuram sustentar o vício e que, «apesar de, por vezes, actuarem com outros indivíduos», agem «sem grande sofisticação no que toca à organização criminal». Certo é que os materiais são normalmente vendidos depois de cortados «em pequenos pedaços» e de o metal ser «derretido» o que faz com que seja impossível recuperar as peças.     O DIAP (Departamento de Investigação e Acção Penal) de Lisboa que desde o ano passado tem um gabinete especial para investigar o furto de metais não preciosos – também está atento a este fenómeno nas zonas nobres da capital. «Temos conhecimento dos furtos ocorridos nas Avenidas Novas», assume fonte oficial da Procuradoria-geral da República (PGR), frisando que só pode actuar depois de os lesados apresentarem queixa, já que se trata de um crime semi-público.     A PSP faz, aliás, o mesmo alerta, reforçando a importância de os cidadãos «estarem atentos à presença de pessoas estranhas aos moradores e com movimentações suspeitas» e de, nessas situações, chamarem a polícia. Segundo a informação recolhida pelo DIAP, na maior parte dos casos em que houve acusação «os crimes foram praticados por arguidos em grupos de dois ou três». Na sua maioria, os suspeitos são «desempregados, com antecedentes criminais» e têm idades compreendidas «entre os 20 e os 34 anos».    Património perdido    «Latão, cobre e em raros casos o bronze, desaparecem para sempre sem deixar rasto», queixa-se Nuno Castelo-Branco, morador das Avenidas Novas, que tem usado o blogue Estado Sentido para denunciar os furtos.    «É património que se perde para sempre», lamenta, explicando que muitas vezes as pecas acabam por ficar irremediavelmente danificadas por causa dos métodos utilizados pelos ladrões: «Antes, desaparafusavam os puxadores das portas dos prédios. Mas como as pessoas começaram a pôr cola nas ferraduras, já os serram». A forma usada para ter acesso aos objectos é que não varia muito: «Tocam a todas as campainhas e há sempre alguém que abre a porta ao ‘carteiro’ ou à ‘publicidade». Na maior parte dos casos, actuam em plena luz do dia.     O prédio onde Nuno Castelo-Branco mora «já foi atacado várias vezes». Numa das últimas investidas, desapareceram dois candeeiros de parede dos anos 40 em folha de cobre e as molduras cromadas dos espelhos de entrada dos elevadores.     Substituir as peças é que, às vezes, é uma missão quase impossível: «Um amigo meu mandou fazer uma réplica de um puxador que custou 300 euros. Mas muitas pessoas vão ao Aki ou ao Leroy Merlin e compram uma coisa qualquer».    José Soares admite que, nas Avenidas Novas, há casos em que, por falta de dinheiro, os proprietários acabam por deixar «as portas sem puxadores do lado exterior» dos edifícios. Foi o que aconteceu no prédio da mãe de Paulo Ferrero, do blogue Fórum Cidadania Lx, onde a porta ficou sem os puxadores e as molduras de latão «e acabou por ser toda pintada de verde».    Activista do património em Lisboa, Paulo Ferrero está preocupado com as consequências desta vaga de furtos. «No Bairro das Colónias perderam-se para sempre peças Art Deco de imenso valor histórico e artístico». Mas o apetite por vender a peso os metais faz com desapareçam não só peças de design, mas até as placas dos antigos consultórios de médicos e advogados.    «Em alguns casos, depois de terem sido repostas e roubadas duas ou três vezes, acabaram por ser substituídas por placas de acrílico».    Paulo Ferrero diz que este crime está a espalhar-se «por toda a Lisboa, desde a Avenida dos Estados Unidos, onde houve há pouco tempo uma razia, ao eixo da Almirante Reis». E nem as correntes de ferro que delimitavam o estacionamento no Pátio Bagatela, na zona das Amoreiras, ou a porta do prédio onde o presidente da Câmara António Costa morava, na Avenida João XXI, ficaram a salvo.     245 casos arquivados     Mais de metade dos inquéritos deste ano foram arquivados. PGR diz que combate a este crime é prioridade.     Dos 327 inquéritos abertos, em 2013, pelo Ministério Público por furtos de metais 245 acabaram arquivados. No ano passado, o arquivamento foi o destino de 400 dos 579 casos investigados pelo gabinete especialmente criado em 2012 no Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa para investigar este crime. «Reconhecemos que a estatística dos arquivamentos é elevada, infelizmente, porque não é possível detectar os autores de todos os factos praticados, dada a epidemia destes furtos e a especificidade dos crimes», admite fonte oficial da Procuradoria-geral da República (PGR).     Este é, porém, um dos crimes que está no topo das prioridades de investigação, até porque, quando envolve o furto de cabos de cobre, afecta as comunicações, deixando zonas inteiras sem telefone ou internet. «O furto de metais não preciosos é referido no Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) de 2012 como uma das mais graves manifestações de criminalidade transnacional organizada», aponta fonte do gabinete de Joana Marques Vidal.    «Nos centros urbanos estes furtos têm vindo a aumentar desde 2011, o que levou à concentração dos casos graves nos DIAP distritais», comenta a mesma fonte, explicando que a investigação tem contado com ajuda da EDR da REFER e da PT, já que, na maioria dos casos, está em causa o roubo de grandes quantidades de cabos de cobre.     Portuguesas detidos em rede espanhola de furto de cobre     Até Abril deste ano, o Ministério Público concluiu já 28 acusações. Em 2012, tinham sido 37 os inquéritos em que foi deduzida acusação.     O aumento do preço de mercado destes metais, nomeadamente do cobre, «que é conhecido como ‘ouro vermelho’» é o tor apontado pela PGR para o disparar deste tipo de actividade criminosa, que se tornou «altamente rentável».    Os seus autores actuam «de Norte a Sul do país e têm ligaçào estreita com sucateiros que fazem a amálgama ou fundição, consoante os casos, do metal, inviabilizando qualquer identificação», sublinha a mesma fonte, salientando que, muitas vezes, estes criminosos são estrangeiros ou têm ligações ao exterior.     Ainda no início de Julho foi, aliás, notícia em Espanha a detenção de um grupo, do qual faziam parte portugueses e brasileiros, que roubou 25 toneladas de cabos de cobre nas zonas de Toledo e Madrid. Segundo o El Mundo, esta rede «perfeitamente estruturada e hierarquizada» preparava-se para levar um camião carregado de cabos de cobre para Roterdão, na Holanda, quando foi desmantelada graças a uma operação montada pela Guardiã Civil espanhola.     Operação da PSP Investiga furtos no Norte     Já no passado dia 17 Julho, a PSP apreendeu 12 toneladas de cobre furtado de instalações da EDP e da PT, e deteve 18 homens, durante uma operação que ainda decorre na zona Norte do país.     O grupo, composto por cerca de duas dezenas de indivíduos, é suspeito de centenas de furtos qualificados no Norte e Centro, nomeadamente nos distritos do Porto, Viana do Castelo, Braga, Bragança, Vila Real, Viseu, Aveiro, Guarda, Coimbra e Leiria.     Infra-estruturas de telecomunicações e distribuição de energia eléctrica eram os principais alvos da rede, desmantelada pela Equipa Especial de Investigação ao Crime de Furto de Materiais Não Preciosos da Divisão de Investigação Criminal (DIC) da PSP do Porto.




Sol 2013-08-02

Sem comentários: