ALTERAÇÕES
CLIMÁTICAS
Relatório do IPCC é um novo “banho de realidade”: em
qualquer cenário, o planeta deve aquecer 1,5 graus até 2040
O novo relatório do IPCC, para a 6.ª avaliação das
alterações climáticas, confirma a enorme influência humana no aquecimento
global e nos fenómenos a ele associados. O planeta está a aquecer mais e a um
ritmo sem precedentes. Travar a fundo as emissões de gases com efeito de estufa
não vai impedir fenómenos já em marcha durante décadas, como o derretimento do
gelo e a subida do nível do mar.
Patrícia Carvalho
9 de Agosto de
2021, 9:02
Que não restem
quaisquer dúvidas: “A escala das mudanças recentes no sistema climático como um
todo e o estado presente de muitos aspectos do sistema do clima não têm
precedentes ao longo de muitos séculos a muitos milhares de anos.” O planeta
está a aquecer mais e mais depressa do que se previa há anos e vai continuar a
fazê-lo, mesmo no melhor de todos os cenários. Aliás, há vários aspectos
ligados às alterações climáticas, como a acidificarão dos oceanos ou a subida
do nível médio do mar, que irão correr independentemente do que façamos. Mas é
possível mitigar muito do que aí poderá vir se controlarmos, já e rapidamente,
a emissão de gases com efeito de estufa (GEE). Os dados constam do mais recente
relatório do IPCC (sigla inglesa de Painel Intergovernamental para as
Alterações Climáticas), divulgado esta segunda-feira.
Os cientistas que
trabalharam neste relatório - totalmente dedicado às provas científicas sobre
as alterações climáticas e que precede outros dois, sobre os impactos e a
mitigação, que deverão ser publicados no próximo ano -, o 6.º do IPCC dedicado
à avaliação das mudanças do clima, não descobriram mudanças na linha geral do
que tem vindo a ser repetido até à exaustão sobre ao forma como a humanidade
está a influenciar o clima e a tornar a sua própria vida no planeta cada vez
mais difícil. As projecções que aqui são delineadas continuam a ser de aumento
da temperatura global e de outros fenómenos a ela associados - mais secas,
derretimento das camadas de gelo da Terra, chuvas intensas em algumas regiões e
diminuição noutras, aumento do nível do mar -, mas à medida que existem mais
dados parece tornar-se mais evidente que está tudo a acontecer mais depressa e
com mais intensidade do que era previsto.
Comparem-se
alguns termos com o anterior relatório, de 2013 (os outros foram divulgados em
1991, 1995, 2001 e 2007). Nessa altura, as estimativas para o aumento global da
temperatura até 2100, perante uma diversidade de cenários, variavam entre 0,3 e
4,8 graus Celsius. Agora, é entre 1,4 e 4,4 graus. O aumento do nível do
mar era situado, em 2013, entre 18 a 59 centímetros, em relação a níveis
pré-industriais e até 2100, no relatório agora conhecido essa subida é
projectada para um intervalo entre 28 centímetros e 1,88 metros, no melhor e no
pior dos cenários, com a admissão de que “num cenário de emissões muito
elevadas, pode chegar quase aos dois metros em 2100”, lê-se no resumo destinado
aos decisores políticos. Já em relação ao aumento da concentração na atmosfera
de dióxido de carbono (CO2), metano (CH4) e óxido nitroso (N20), comparando com
valores pré-industriais, também se regista um crescimento - se em 2013 havia um
aumento de 40% (CO2), 150% (CH4) e 20% (N20), essas percentagens saltam agora
para, respectivamente, 47%, 156% e 23%.
“Este relatório é
um balde de realidade”, disse a co-presidente do Grupo I, responsável pelo
documento, Valérie Masson-Delmotte. Citada no comunicado de imprensa que
acompanha a divulgação do relatório, a responsável do IPCC avisa: “Temos agora
uma visão muito mais clara do clima passado, presente e futuro, o que é
essencial para perceber para onde vamos, o que pode ser feito, e como nos
podemos preparar.”
Para o IPCC é
“inequívoco que a influência humana aqueceu a atmosfera, o oceano e a terra” e
todas as provas apontam para o agravamento da situação nas últimas décadas.
“Cada uma das últimas quatro décadas foi sucessivamente mais quente do que
qualquer década que a precedeu desde 1850”, explicita-se no relatório,
precisando-se com “elevada confiança” - o que em termos da linguagem do IPCC
significa acima de 90% de probabilidade - que “a temperatura global à
superfície aumentou mais rapidamente desde 1970 do que em qualquer outro
período de 50 anos de pelo menos os últimos 2000 anos.” As projecções são para
que a temperatura no solo continue a aumentar mais rapidamente do que no
oceano, e no Árctico de forma mais rápida ainda, prevendo-se que possa aquecer
duas vezes mais do que a superfície global terrestre, com as consequências que
isso trará para a sua camada gelada. Os cientistas estimam mesmo que, em
qualquer um dos cinco cenários considerados, o Árctico poderá ficar
praticamente livre de gelo em Setembro, pelo menos uma vez, até 2050.
Se olharmos
apenas para os oceanos, a responsabilidade humana nas mudanças sofridas é ainda
mais notória: é “praticamente certo” (entre 99% a 100% de probabilidade) que o
oceano desde a superfície até aos 700 metros aqueceu desde a década de 1970 e
“extremamente provável” (mais de 95% de hipótese) “que a influência humana seja
a principal responsável”. Os cientistas do IPCC também consideram “praticamente
certo que as emissões de CO2 causadas pelos humanos são o principal factor da
acidificação” do oceano, havendo “elevada confiança de que os níveis de
oxigénio caíram em muitas regiões do oceano desde meados do século XX”.
Todo o globo afectado
Olhando para o
panorama geral do planeta, não há qualquer lugar para dúvidas: “As mudanças
climáticas causadas pelos humanos já estão a afectar muitos extremos
meteorológicos e do clima em todas as regiões do globo. Provas de mudanças
observadas em [fenómenos] extremos como as ondas de calor, precipitação forte,
secas e ciclones tropicais e, em particular, a sua atribuição a influência
humana, aumentaram” desde o relatório de 2013, lê-se no documento.
Perante a
incapacidade que a humanidade tem tido em reverter a situação, apesar dos
avisos da comunidade científica repetidos há décadas, a situação actual está
longe de ser confortável e há limites - como os traçados no Acordo de Paris -
em seríssimo risco de ser ultrapassados. Perante cinco cenários prováveis para
as próximas décadas - em que o melhor aponta para emissões líquidas negativas
de CO2 depois de se atingir a neutralidade carbónica em 2050 e o pior contempla
a possibilidade de se duplicar as emissões actuais nessa data -, a situação
pode tornar-se terrivelmente má ou menos complicada, mas com uma certeza: “A
temperatura global à superfície vai continuar a aumentar até pelo menos meados
do século em qualquer um dos cenários considerados. O aquecimento global de 1,5
e 2 graus Celsius será excedido durante o século XXI, a menos que ocorram
profundas reduções de emissões de CO2 e de outros GEE nas próximas décadas.”
Assim, as
projecções do IPCC, estimam que a temperatura poderá aumentar entre 1,5 e 1,6
graus Celsius até 2040; entre 1,6 e 2,4 graus entre 2041-2060; e entre 1,4 e
4,4 graus entre 2081-2100. No cenário considerado “intermédio”, e em que o
volume de emissões continuaria idêntico ao que hoje temos, as projecções são
para que atinjamos um aumento de temperatura de 1,5 graus Celsius até 2040, 2
graus até 2060 e 2,7 graus até 2100.
Impossível de travar
Além do aumento
irreversível de temperatura nas próximas décadas, há alterações já em curso que
se farão sentir por muito mais tempo, independentemente do que acontecer.
“Muitas mudanças causadas por emissões de GEE passadas e futuras são
irreversíveis durante séculos a milénios, especialmente mudanças no oceano,
lençóis de gelo e nível do mar”, avisa-se no relatório. Assim, os cientistas
estimam que o oceano vai continuar “a aquecer, a acidificar e a desoxigenar”,
os glaciares polares e das montanhas “vão continuar a derreter durante décadas
ou séculos” e “a subida do nível do mar vai continuar durante o século XXI”. Significa
isto que não vale a pena agir? Não, muito pelo contrário.
Porque a
velocidade e o nível de alterações será ditado pelo cenário que decidirmos
criar para o futuro - com mais ou menos emissões de GEE -, associado a alguns
factores de variabilidade interna da Terra (como actividade vulcânica) que
podem condicionar algumas projecções. E porque cada salto no aumento global de
temperatura contribuirá para o aumento de fenómenos associados, sejam ondas de
calor ou ciclones tropicais mais intensos e frequentes. Além disso, o relatório
também indica que nos cenários com mais emissões de CO2, os sumidouros de
carbono terrestres e marítimos tornar-se-ão menos eficazes a diminuir a
acumulação deste gás na atmosfera.
“Estabilizar o
clima vai requerer reduções sustentadas, rápidas e fortes da emissão de GEE, e
atingirmos a neutralidade das emissões de CO2. Limitar os GEE e os poluidores
do ar, especialmente o metano, terá benefícios tanto na saúde como no clima”,
alerta, no comunicado de imprensa, outro dos co-presidentes do Grupo I, Panmao
Zhai.
tp.ocilbup@ohlavrac.aicirtap
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