In Público (30/12/2010)
Por António Sérgio Rosa de Carvalho
«Enquanto a destruição sistemática e organizada do que resta das Avenidas continua em perfeita sintonia com uma classe de arquitectos, indiferente ao seu Património insubstituível, e determinada a assumir o estatuto de arquitectos do regime, Manuel Salgado, mais transformado em "porteiro" dos interesses estabelecidos, em lugar de defensor e garantia de salvaguarda dos interesses da cidade, assina um acordo inaceitável a priori com um promotor, tornando-se assim cúmplice de chantagem vergonhosa sobre os eleitos.
O resultado ultrapassou todas as marcas do eticamente escandaloso e do ilegal, tornando este caso de licenciamento definitivo do Projecto do Largo do Rato num símbolo manipulativo de abuso de poder.
Resta agora à sociedade civil transformá-lo num símbolo definitivo de resistência "musculada" e tenaz, que fique para a História como um sinal de maturidade da democracia participativa contra a tirania das manobras maquiavélicas e manipulativas de uma certa forma de exercer a democracia representativa.
Que se aproveite também para meditar sobre o papel afirmativo (em ruptura irreversível) e destruidor de muitos arquitectos com relação ao património, atitude bem ilustrada nas Avenidas e simbolizada no projecto da sua Ordem, nos antigos Banhos de S. Paulo.
Desta história, no Largo do Rato, ninguém sai incólume. Como é possível ouvir alguns representantes da vontade popular afirmar que esta decisão "foi a forma mais simples de fazer com que a cidade possa funcionar", e que o papel dos eleitos "não é achar [o projecto] bom ou mau, é verificar se está em conformidade com a lei" (vereadora Livia Tirone ), mas afirmando também que o projecto "é completamente dissonante" e lamentando que ele tenha sido aprovado "sem debate público"?
Este paradoxo ilustrativo do absurdo, ou de algo bem pior, não pode ser comparado ao protesto indignado de Ruben de Carvalho ou Helena Roseta sobre as pressões inaceitáveis de um processo jurídico desenvolvido com a cumplicidade do vereador do Urbanismo, no momento em que este assina um compromisso de acordo que antecede e influencia a decisão.
De resto, todos os vereadores do Urbanismo anteriores são responsáveis e tomaram decisões que permitiram ou determinaram este processo de destruição sistemática da Lisboa Romântica. Um dos argumentos continuamente esgrimidos, e agora reutilizado, numa manobra surpreendente de aproveitamento da "terra de ninguém" criada por várias "ausências" forçadas ou voluntárias, foi o da sua anterior aprovação em 2005.
Toda esta situação leva-nos à pergunta fundamental: Qual é a formação técnica e académica deste eleitos? Qual é a garantia oferecida pelas suas pessoas para decidir sobre o futuro da cidade de Lisboa?
Resta agora aos cidadãos uma luta definitiva e decisiva, capaz de contribuir para o seu processo de autoconsciência e afirmação da sua maturidade democrática e de fazer sentir aos políticos o que sentimos perante este caso vergonhoso. Basta!
Historiador de arquitectura»
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