quinta-feira, 5 de maio de 2016

Vale tudo menos tirar olhos?


Vale tudo menos tirar olhos?
FRANCISCO TEIXEIRA DA MOTA 06/05/2016 – PÚBLICO

OS EUA querem desregular a União Europeia a bem do comércio.

Os autores das fugas de informação, os chamados whistleblowers, têm desempenhado um papel incontornável no exercício do direito à informação na sociedade contemporânea. A importância do que está em jogo em termos da democraticidade e transparência permite-nos compreender a situação de privação de liberdade de Julian Assange e Edward Snowden. Sabendo nós, hoje mais que nunca, que a informação é poder, torna-se particularmente importante defender essas fontes de informação, seja na situação de prisioneiros de facto em que se encontram esses dois guerrilheiros, seja na situação de anonimato.

Até ao momento permanece anónimo o autor da fuga de informação que permitiu à Greenpeace publicar numerosa documentação relativa às negociações do acordo comercial bilateral entre os EUA e a UE, denominado Transatlantic Free Trade Agreement (TAFTA) nos EUA e entre nós conhecido por US/EU Trade and Investment Partnership (TTIP).

Estas negociações, que já têm três anos de existência, são conduzidas do lado europeu pela Comissão Europeia e têm, de uma forma geral, decorrido secretamente. A intenção anunciada é a da redução dos entraves à livre circulação no comércio entre os EUA e a União Europeia, nomeadamente das barreiras alfandegárias. Mas os papéis agora revelados pela Greenpeace mostram, como afirma a ONG, que o que está em discussão é a criação de um Estado nas mãos das grandes corporações, com as protecções ambientais ameaçadas e ainda maiores dificuldades na abordagem das questões climáticas.

Estão em causa os direitos à saúde e ao ambiente tal como eles são entendidos na União Europeia, uma vez que, do outro lado do Atlântico, tais direitos não existem ou são uma hipótese remota.

Para a plataforma STOP TTIP, para além de estarem em causa o direito ao ambiente e saúde está, também, em causa a própria democracia, o primado da lei, os serviços públicos e os direitos dos consumidores e do trabalho.

Esta ONG, que reúne cerca de 500 associações europeias, já tentou reagir a esta ameaça dentro da via legal, apresentando um processo junto da própria Comissão Europeia mas não teve sucesso, uma vez que a Comissão Europeia rejeitou a sua iniciativa. Mas está ainda a correr um processo no Luxemburgo, no Tribunal de Justiça da União Europeia que pode vir a ter sucesso no sentido de parar com o avanço das negociações.

A grande questão que se levanta na remoção das barreiras – expressão que dá sempre a noção de barreiras alfandegárias – é o facto de os EUA entenderem tal “remoção” como uma total desregulamentação do mercado, esquecendo a existência, ainda que cheia de contradições, de um Estado Social que é uma conquista da Europa.

No campo da saúde, as questões são particularmente graves. Como se diz no site da plataforma Não ao TIPP, os regulamentos europeus sobre produtos químicos incluem o princípio da precaução que não existe nos EUA e os processos regulatórios europeus destinados a remover do mercado os químicos perigosos, serão, com a aprovação do TIPP, enfraquecidos e esmagados pela perspectiva americana baseada apenas na avaliação de risco promovida pela indústria química dos EUA, com base na opção de gerir as substâncias perigosas, em vez de as eliminar do mercado.

Uma outra questão igualmente sinistra neste tratado é a possibilidade de os Estados serem responsáveis pelos prejuízos causados às empresas com alterações legislativas. E a responsabilização é feita perante tribunais arbitrais privados obedecendo a regras do Banco Mundial, o que já permitiu às grandes corporações, como a Phillip Morris receberem avultadas quantias de Estados com quem os EUA já têm este tipo de tratado. Bastará as empresas provarem que tinham legítimas expectativas de lucros que desapareceram em virtude de alterações legislativas, para os Estados as terem de indemnizar!

Na verdade, sublinha a plataforma não ao TIPP, o que se pretende criar é uma justiça paralela, opaca, obedecendo a critérios privatísticos e não sujeita ao escrutínio público mas que lidará e decidirá sobre questões indiscutivelmente públicas como são as responsabilidades internacionais dos Estados.

Importa dizer que, nos EUA, é igual ser Obama ou Trump quanto a esta matéria: o que interessa é remover os obstáculos aos negócios, desregular e confiar que o mercado, por si só, regulará e equilibrará virtuosamente a situação. O contrário do que pensa, por exemplo, o professor universitário e prémio Nobel da Economia Joseph Stiglitz, para quem o TTIP é uma tragédia e a aprovação do mesmo justificaria, por si só, o Brexit.


Por último, ainda se discute se o TTIP terá de ser ratificado pelos parlamentos nacionais – o que pareceria evidente – ou se está dentro das competências da Comissão Europeia o que seria mais uma das “jogadas por cima da nossa cabeça” da chamada construção europeia. Esteja atento e fale com o seu deputado sobre o assunto!

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