Vale
tudo menos tirar olhos?
FRANCISCO TEIXEIRA
DA MOTA 06/05/2016 – PÚBLICO
OS
EUA querem desregular a União Europeia a bem do comércio.
Os autores das fugas
de informação, os chamados whistleblowers, têm desempenhado um
papel incontornável no exercício do direito à informação na
sociedade contemporânea. A importância do que está em jogo em
termos da democraticidade e transparência permite-nos compreender a
situação de privação de liberdade de Julian Assange e Edward
Snowden. Sabendo nós, hoje mais que nunca, que a informação é
poder, torna-se particularmente importante defender essas fontes de
informação, seja na situação de prisioneiros de facto em que se
encontram esses dois guerrilheiros, seja na situação de anonimato.
Até ao momento
permanece anónimo o autor da fuga de informação que permitiu à
Greenpeace publicar numerosa documentação relativa às negociações
do acordo comercial bilateral entre os EUA e a UE, denominado
Transatlantic Free Trade Agreement (TAFTA) nos EUA e entre nós
conhecido por US/EU Trade and Investment Partnership (TTIP).
Estas negociações,
que já têm três anos de existência, são conduzidas do lado
europeu pela Comissão Europeia e têm, de uma forma geral, decorrido
secretamente. A intenção anunciada é a da redução dos entraves à
livre circulação no comércio entre os EUA e a União Europeia,
nomeadamente das barreiras alfandegárias. Mas os papéis agora
revelados pela Greenpeace mostram, como afirma a ONG, que o que está
em discussão é a criação de um Estado nas mãos das grandes
corporações, com as protecções ambientais ameaçadas e ainda
maiores dificuldades na abordagem das questões climáticas.
Estão em causa os
direitos à saúde e ao ambiente tal como eles são entendidos na
União Europeia, uma vez que, do outro lado do Atlântico, tais
direitos não existem ou são uma hipótese remota.
Para a plataforma
STOP TTIP, para além de estarem em causa o direito ao ambiente e
saúde está, também, em causa a própria democracia, o primado da
lei, os serviços públicos e os direitos dos consumidores e do
trabalho.
Esta ONG, que reúne
cerca de 500 associações europeias, já tentou reagir a esta ameaça
dentro da via legal, apresentando um processo junto da própria
Comissão Europeia mas não teve sucesso, uma vez que a Comissão
Europeia rejeitou a sua iniciativa. Mas está ainda a correr um
processo no Luxemburgo, no Tribunal de Justiça da União Europeia
que pode vir a ter sucesso no sentido de parar com o avanço das
negociações.
A grande questão
que se levanta na remoção das barreiras – expressão que dá
sempre a noção de barreiras alfandegárias – é o facto de os EUA
entenderem tal “remoção” como uma total desregulamentação do
mercado, esquecendo a existência, ainda que cheia de contradições,
de um Estado Social que é uma conquista da Europa.
No campo da saúde,
as questões são particularmente graves. Como se diz no site da
plataforma Não ao TIPP, os regulamentos europeus sobre produtos
químicos incluem o princípio da precaução que não existe nos EUA
e os processos regulatórios europeus destinados a remover do mercado
os químicos perigosos, serão, com a aprovação do TIPP,
enfraquecidos e esmagados pela perspectiva americana baseada apenas
na avaliação de risco promovida pela indústria química dos EUA,
com base na opção de gerir as substâncias perigosas, em vez de as
eliminar do mercado.
Uma outra questão
igualmente sinistra neste tratado é a possibilidade de os Estados
serem responsáveis pelos prejuízos causados às empresas com
alterações legislativas. E a responsabilização é feita perante
tribunais arbitrais privados obedecendo a regras do Banco Mundial, o
que já permitiu às grandes corporações, como a Phillip Morris
receberem avultadas quantias de Estados com quem os EUA já têm este
tipo de tratado. Bastará as empresas provarem que tinham legítimas
expectativas de lucros que desapareceram em virtude de alterações
legislativas, para os Estados as terem de indemnizar!
Na verdade, sublinha
a plataforma não ao TIPP, o que se pretende criar é uma justiça
paralela, opaca, obedecendo a critérios privatísticos e não
sujeita ao escrutínio público mas que lidará e decidirá sobre
questões indiscutivelmente públicas como são as responsabilidades
internacionais dos Estados.
Importa dizer que,
nos EUA, é igual ser Obama ou Trump quanto a esta matéria: o que
interessa é remover os obstáculos aos negócios, desregular e
confiar que o mercado, por si só, regulará e equilibrará
virtuosamente a situação. O contrário do que pensa, por exemplo, o
professor universitário e prémio Nobel da Economia Joseph Stiglitz,
para quem o TTIP é uma tragédia e a aprovação do mesmo
justificaria, por si só, o Brexit.
Por último, ainda
se discute se o TTIP terá de ser ratificado pelos parlamentos
nacionais – o que pareceria evidente – ou se está dentro das
competências da Comissão Europeia o que seria mais uma das “jogadas
por cima da nossa cabeça” da chamada construção europeia. Esteja
atento e fale com o seu deputado sobre o assunto!
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