OPINIÃO
A crise e os remédios
Esta atitude de “esperar que passe” e julgar que se pode
recuperar com as mesmas pessoas, as mesmas ideias e o mesmo estilo, tem que se
lhe diga. Pode ser fatal ao primeiro-ministro e ao Governo.
António Barreto
28 de Janeiro de
2023, 6:29
https://www.publico.pt/2023/01/28/opiniao/opiniao/crise-remedios-2036751
Ninguém duvida de
que vivemos uma das mais preocupantes crises das últimas décadas. Já não
bastavam os problemas internacionais que nos ultrapassam. Os nossos próprios
parecem pelo menos tão difíceis de resolver. A invasão da Ucrânia pelos russos,
seguida de um dos mais nefandos massacres que se pode imaginar, é suficiente
para deixar o mundo perplexo. A nova tensão internacional, perigosa como
poucas, vai durar muito, de mais. Mas é perante isso, as dificuldades e os
imprevistos, que a competência, a força e a inteligência são necessárias. O
Governo invoca aqueles factores para desculpar as suas fraquezas, mas é
exactamente o contrário de que se trata: é por causa dos perigos e das ameaças
que exigimos acção do Governo.
Os recentes
episódios das demissões de governantes, em situação de crise moral, de
incompetência, de sordidez ou ambição pessoal, ilustram as carências do Governo
e da autoridade democrática. A situação caótica que se vive na educação e na
saúde mostram a enormidade das insuficiências. O muito actual episódio da
Jornada Mundial da Juventude, verdadeiramente indecoroso pela falta de
seriedade e de competência, revela a incapacidade das instâncias de poder
democrático para tomar conta do que devem e assumir as suas responsabilidades.
O problema não é evidentemente o dos casos, como gosta de dizer o
primeiro-ministro. O problema já é de desnorte.
É verdade que
parece haver algum crescimento económico. Pouco. Menos do que outros. Não tanto
quanto precisaríamos. Mas é alguma coisa. Não sabemos se a política do Governo
teve influência ou se é simplesmente a economia e a empresa. Mas aceitemos que
o Governo não é culpado de ser um obstáculo às forças económicas.
Também parece
certo que houve melhoramento nas condições da pobreza e algum progresso nas
acções de redistribuição, factos a que não será estranha a acção do Governo.
Mas, também aqui, sabemos nós e o Governo sabe que tal não é suficiente e que
há muito mais a fazer, designadamente investimento e emprego.
Se há progressos,
poucos, há retrocessos, bastantes, e deficiências, muitas. O SNS desorganizado
e sem médicos é revoltante! Maternidades fechadas de vez em quando é absurdo.
Falta persistente de enfermeiros é incompreensível. Dezenas de milhares de alunos
sem um ou mais professores é escandaloso. Uma ou duas dezenas de anos de espera
para julgar um arguido poderoso é imoral. O desastre reinou nas
infra-estruturas, com relevo para o aeroporto e a TAP. A desorientação
relativamente à imigração ilegal e aos trabalhadores clandestinos deixa prever
conflitos a breve prazo. A persistência da emigração de portugueses para o
estrangeiro, com valores próximos dos da década de 1960, situação que não
mereceu atenção deste Governo, é talvez o mais chocante sinal de incapacidade
política e económica.
Não é por causa
da crise internacional que o momento é de alerta. É por causa das crises
nacionais que começa a fazer-se tarde. Do primeiro-ministro, do seu Governo e
do seu partido exige-se uma reflexão a que parece recusarem-se. Podem ou não
continuar? São capazes de mudar o suficiente para recuperar força e energia?
Estão aptos a recorrer a novas forças e novas ideias capazes de mudar o rumo
desgraçado que levamos? Conseguirão abandonar o estilo palavroso e propagandístico,
tão estéril e prejudicial? Deixarão de acreditar nas estratégias teóricas e
sistémicas tão do seu gosto para se ocupar de questões reais, sociais,
políticas e económicas, como quem trata de problemas e não como quem faz teses
de mestrado? Perceberão que grande parte da crise na Justiça se deve à sua
inoperância e à sua covardia? Poderão compreender que a crise da educação, tão
prejudicial, se deve em grande parte à sua demagogia? Terão entendido que a
enorme crise no SNS é o resultado da sua incapacidade de gestão e da sua
obsessão ideológica? Terão uma vez sentido que a sua vontade de esbater algumas
desigualdades, assim como de aliviar tanta gente da pobreza, são insuficientes
e que, sem emprego e sem salários decentes, os seus esforços ficam-se pela
compaixão?
Não é por causa da crise internacional que o momento é de
alerta. É por causa das crises nacionais que começa a fazer-se tarde
É uma velha regra
da política marialva: aguentar! Resistir! Em certas ocasiões, resulta. Passadas
as tempestades, o mundo recupera as suas cores, as sondagens voltam a subir. A
maior parte das vezes, não resulta. Aguenta-se até perder definitivamente.
Quantos derrotados persistiram no erro, acreditaram que a sorte voltaria um
dia, confiaram na inteligência dos seus colaboradores e julgaram que poderiam
tudo recomeçar, sem danos nem prejuízos, sem mortos nem feridos?
Esta atitude de
“esperar que passe” e julgar que se pode recuperar com as mesmas pessoas, as
mesmas ideias e o mesmo estilo, tem que se lhe diga. Prejudica o país. Causa
danos irreversíveis ao partido. Pode ser fatal ao primeiro-ministro e ao
Governo.
Se assim for,
mudar de pessoas, de ideias e de estilo parece imperioso. Não deve ser muito
difícil. O Partido Socialista já nos habituou a mostrar que tem lá de tudo, bom
e mau, inteligente e estúpido, de esquerda e de direita, incompetente e capaz,
liberal e autoritário, honesto e corrupto. Há por onde escolher. Ao
primeiro-ministro que, por enquanto, tem os votos, de decidir o que guarda e o
que deita fora. É a ele que compete, em primeira linha, ver se tem capacidades,
estimar o que deve mudar, medir a consistência da sua maioria…. É a ele e só
ele que compete manter-se, remodelar, demitir-se, formar novo Governo ou pedir
eleições. Não é aos chefes da oposição que cabe fazer tal. Não é ao Presidente
da República que compete fazer essa avaliação e tomar essa decisão. Pode
acontecer. Como já foi o caso com Soares, Sampaio e Cavaco. Não sendo ilegal,
esse gesto é nefasto e fere a democracia. É um engano e, como tal, mal
compreendido pelo eleitorado.
Pode o Presidente
da República estar cansado de tanta inoperância. Podem os chefes das oposições
estar com pressa e querer aproveitar o falhanço do Governo para ampliar a
crise. Podem os parceiros sociais, os intelectuais e os artistas considerar que
um novo Governo lhes dará uma vantagem. Pode tudo isso ser verdade. Mas nada
disso recomenda uma intervenção abrupta, um despedimento forçado e umas
eleições fora do calendário.
A verdade é que,
na melhor normalidade política e democrática, no bom sentido da civilização
parlamentar e no quadro dos bons hábitos institucionais, é ao Governo que
compete escolher a remodelação, a demissão e a eleição. E, em conformidade,
solicitar ao Presidente os procedimentos constitucionais adequados. Outra
qualquer via só acrescentará à crise.
O autor é
colunista do PÚBLICO
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