domingo, 29 de janeiro de 2023

JMJ: projecto de palco-altar no Parque Eduardo VII recusado quatro vezes pela autarquia

 





JORNADA MUNDIAL DA JUVENTUDE

JMJ: projecto de palco-altar no Parque Eduardo VII recusado quatro vezes pela autarquia

 

Acolhimento ao Papa, a 3 de Agosto, terá lugar neste segundo palco, que poderá custar até dois milhões de euros e obrigará a retirar escultura de João Cutileiro. Arranque da JMJ é daqui a seis meses.

 

Luís Miguel Queirós

28 de Janeiro de 2023, 21:22

https://www.publico.pt/2023/01/28/local/noticia/jmj-projecto-palcoaltar-parque-eduardo-vii-recusado-quatro-vezes-autarquia-2036807

 

A Câmara de Lisboa já recusou quatro versões do projecto apresentado pela Igreja Católica para o segundo palco da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), previsto para o Parque Eduardo VII, segundo afirmou ao semanário Expresso uma fonte da autarquia. Imagens digitais de uma das propostas apresentadas chegaram esta sexta-feira aos jornais e mostram uma ampla escadaria a terminar numa linha de volumes brancos, onde se destacam duas torres laterais de 27 metros de altura.

 

Este segundo palco, que deverá custar entre 1,5 e dois milhões de euros, irá receber, a 1 de Agosto, a missa de abertura da JMJ, celebrada pelo cardeal-patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, e depois a cerimónia de acolhimento ao Papa Francisco e a Via Sacra, respectivamente nos dias 3 e 4.

 

E embora o projecto definitivo ainda aguarde a concordância da autarquia, o jornal Observador adiantou que está já decidida, com a autorização da família de João Cutileiro, a retirada provisória do monumento ao 25 de Abril que o escultor criou para o local, e cuja forma fálica gerou controvérsia quando a escultura foi inaugurada, em 1997.

 

O PÚBLICO tentou ouvir o coordenador do Comité Organizador Local (COL), Américo Aguiar, bispo auxiliar de Lisboa e presidente da Fundação JMJ Lisboa 2023, mas a Igreja, que se reunirá na próxima semana com a Câmara de Lisboa, a Sociedade de Reabilitação Urbana (SRU) e a construtora Mota-Engil para tentar baixar os custos do palco-altar principal, no Parque Tejo-Trancão (este estimado em mais de cinco milhões de euros), não quis neste momento fazer quaisquer comentários relativos ao segundo palco a construir no Parque Eduardo VII.

 

O PÚBLICO também contactou sem sucesso a Câmara de Lisboa, mas Carlos Moedas já tinha assumido que a autarquia iria respeitar as “especificações definidas em reuniões com a JMJ, a Igreja [portuguesa] e a Santa Sé”, declarações que, aliás, já levaram o porta-voz do Vaticano, Matteo Bruni, a lembrar que “a organização do evento é local”.

 

A empreitada do palco principal, orçada em 4,24 milhões de euros (mais IVA) – valor a que se soma mais um milhão de euros a gastar em “fundações indirectas para a cobertura” – foi adjudicada à Mota-Engil por ajuste directo. O custo gerou polémica, e o próprio bispo auxiliar de Lisboa reconheceu que o valor do palco-altar era excessivo e “magoa todos”, posição que o Presidente da República elogiou, recomendando que a JMJ “seja uma projecção de Portugal no mundo” mas “tenha em linha de conta as circunstâncias económicas e sociais vividas neste momento".

 

A revelação posterior do projecto para o segundo palco terá surpreendido negativamente Marcelo Rebelo de Sousa, que, segundo o Expresso, terá sugerido à Câmara de Lisboa e à Igreja que o trocassem por um “altarzinho”.

 

400 mil peregrinos inscritos

Se o custo do palco principal tem sido justificado com a requalificação do Parque Tejo e a criação de um recinto que passará a competir com o Passeio Marítimo de Algés no acolhimento de festivais de música e outros grandes eventos, já o projecto para o Parque Eduardo VII é assumidamente efémero e “não terá utilização além do evento”, afirmou o vice-presidente da Câmara de Lisboa, Filipe Anacoreta Correia, em conferência de imprensa.

 

Embora já só faltem seis meses para o arranque da JMJ, há ainda vários outros projectos a concretizar, além destes dois gigantescos palcos-altares, já que a Jornada deverá ter eventos, que exigirão a construção de estruturas, previsivelmente de menor dimensão, no Terreiro do Paço e na Alameda D. Afonso Henriques, e a adaptação da que já existe no Parque da Bela Vista, onde vem sendo organizado o Rock in Rio Lisboa.

 

Espera-se que a Jornada Mundial da Juventude, na qual já se inscreveram mais de 400 mil peregrinos, traga a Portugal 1,5 milhões de jovens.

 

Números que, para lá de “benefícios simbólicos e espirituais”, asseguram ao país, no plano “material e económico”, vantagens que justificam que o Estado assuma parte dos custos, defendeu esta sexta-feira o presidente da Assembleia da República, falando com os jornalistas após uma visita à sede da organização da JMJ. “Não queria reduzir as coisas a uma análise de custo-benefício, mas todas as análises que conheço mostram evidentemente um enorme benefício que Portugal vai ter em todas as dimensões”, afirmou Augusto Santos Silva.

 

Custo global acima de 160 milhões

E já é possível estimar, com base no que foram afirmando os responsáveis pelas diversas instituições envolvidas, quanto poderá vir a custar a organização desta Jornada, considerada o maior evento promovido pela Igreja Católica. A agência Lusa fez as contas e chegou a um valor global mínimo de 161 milhões de euros.

 

Com as principais cerimónias a ter lugar no Parque Tejo e em terrenos ribeirinhos dos concelhos de Lisboa e de Loures, as duas autarquias já anunciaram ir gastar, respectivamente, até 35 milhões de euros, valor confirmado esta semana por Carlos Moedas, e entre 9 e 10 milhões, que o autarca socialista Ricardo Leão, prevê gastar, designadamente, na preparação do terreno a ser usado, na construção de uma ponte ciclo-pedonal entre Loures e Lisboa, na execução de passagens hidráulicas e em acessos e mobilidade.

 

Já o Governo de António Costa aprovou um reforço do investimento previsto, elevando-o para 36,5 milhões de euros, segundo adiantou à Lusa uma fonte do gabinete da ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes. Um total que não inclui custos com segurança, mobilidade ou saúde, entre outros, que dependerão do total de participantes que vierem a inscrever-se.

 

E o valor, ainda provisório, do orçamento disponibilizado pela Igreja é de 80 milhões de euros, adiantou, já na sequência da polémica em torno dos custos do palco-altar do Parque Tejo, o bispo Américo Aguiar. A Igreja terá a responsabilidade e custos de tudo o que diga respeito ao acolhimento dos peregrinos, explicou o coordenador do evento, acrescentando que, a haver prejuízos, estes serão assumidos pela Igreja, ao passo que eventuais lucros serão entregues às autarquias de Lisboa e Loures para projectos relacionados com a juventude.

 

Se os custos previstos têm gerado forte polémica, também há quem argumente, como o fez Augusto Santos Silva, que se deve ter em conta o previsível retorno económico que a Jornada Mundial da Juventude irá trazer ao país. E segundo Américo Aguiar, foi já formalizado, na quarta-feira, um protocolo com o Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa justamente para contabilizar esse retorno.

 

O caso de Espanha, que acolheu a iniciativa no Verão de 2011, no final do pontificado do recém-falecido Bento XVI, pode servir de referência. Com um número de peregrinos semelhante ao que se espera para Portugal, a JMJ teve um impacto na economia espanhola que foi calculado em 354 milhões de euros.

 

Mas o exemplo de Madrid também fornece argumentos aos que se queixam do investimento público que se está a fazer no evento, e não tanto por só se ter gasto 50 milhões de euros (há uma dúzia de anos) na Jornada espanhola. Lá como agora cá, o Governo foi criticado pelo dinheiro que alegadamente gastara numa iniciativa da Igreja Católica, mas uma auditoria externa veio a demonstrar que, na verdade, o bolso dos contribuintes ficara a salvo, já que 70% dos 50 milhões foi pago pelos próprios peregrinos, e os restantes 30% foram assegurados por empresas e outros patrocinadores privados.

 

Depois de Madrid, e já após a eleição do Papa Francisco, a Jornada Mundial da Juventude realizou-se no Rio de Janeiro, em 2013, reunindo quase quatro milhões de fiéis, na cidade polaca de Cracóvia, em 2016, e na Cidade do Panamá, em 2019.

 

Com Lusa

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