JORNADA MUNDIAL
DA JUVENTUDE
JMJ: projecto de palco-altar no Parque Eduardo VII
recusado quatro vezes pela autarquia
Acolhimento ao Papa, a 3 de Agosto, terá lugar neste
segundo palco, que poderá custar até dois milhões de euros e obrigará a retirar
escultura de João Cutileiro. Arranque da JMJ é daqui a seis meses.
Luís Miguel
Queirós
28 de Janeiro de
2023, 21:22
A Câmara de
Lisboa já recusou quatro versões do projecto apresentado pela Igreja Católica
para o segundo palco da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), previsto para o
Parque Eduardo VII, segundo afirmou ao semanário Expresso uma fonte da
autarquia. Imagens digitais de uma das propostas apresentadas chegaram esta
sexta-feira aos jornais e mostram uma ampla escadaria a terminar numa linha de
volumes brancos, onde se destacam duas torres laterais de 27 metros de altura.
Este segundo
palco, que deverá custar entre 1,5 e dois milhões de euros, irá receber, a 1 de
Agosto, a missa de abertura da JMJ, celebrada pelo cardeal-patriarca de Lisboa,
D. Manuel Clemente, e depois a cerimónia de acolhimento ao Papa Francisco e a
Via Sacra, respectivamente nos dias 3 e 4.
E embora o
projecto definitivo ainda aguarde a concordância da autarquia, o jornal
Observador adiantou que está já decidida, com a autorização da família de João
Cutileiro, a retirada provisória do monumento ao 25 de Abril que o escultor
criou para o local, e cuja forma fálica gerou controvérsia quando a escultura
foi inaugurada, em 1997.
O PÚBLICO tentou
ouvir o coordenador do Comité Organizador Local (COL), Américo Aguiar, bispo
auxiliar de Lisboa e presidente da Fundação JMJ Lisboa 2023, mas a Igreja, que
se reunirá na próxima semana com a Câmara de Lisboa, a Sociedade de
Reabilitação Urbana (SRU) e a construtora Mota-Engil para tentar baixar os
custos do palco-altar principal, no Parque Tejo-Trancão (este estimado em mais
de cinco milhões de euros), não quis neste momento fazer quaisquer comentários
relativos ao segundo palco a construir no Parque Eduardo VII.
O PÚBLICO também
contactou sem sucesso a Câmara de Lisboa, mas Carlos Moedas já tinha assumido
que a autarquia iria respeitar as “especificações definidas em reuniões com a
JMJ, a Igreja [portuguesa] e a Santa Sé”, declarações que, aliás, já levaram o
porta-voz do Vaticano, Matteo Bruni, a lembrar que “a organização do evento é
local”.
A empreitada do
palco principal, orçada em 4,24 milhões de euros (mais IVA) – valor a que se
soma mais um milhão de euros a gastar em “fundações indirectas para a cobertura”
– foi adjudicada à Mota-Engil por ajuste directo. O custo gerou polémica, e o
próprio bispo auxiliar de Lisboa reconheceu que o valor do palco-altar era
excessivo e “magoa todos”, posição que o Presidente da República elogiou,
recomendando que a JMJ “seja uma projecção de Portugal no mundo” mas “tenha em
linha de conta as circunstâncias económicas e sociais vividas neste
momento".
A revelação
posterior do projecto para o segundo palco terá surpreendido negativamente
Marcelo Rebelo de Sousa, que, segundo o Expresso, terá sugerido à Câmara de
Lisboa e à Igreja que o trocassem por um “altarzinho”.
400 mil
peregrinos inscritos
Se o custo do
palco principal tem sido justificado com a requalificação do Parque Tejo e a
criação de um recinto que passará a competir com o Passeio Marítimo de Algés no
acolhimento de festivais de música e outros grandes eventos, já o projecto para
o Parque Eduardo VII é assumidamente efémero e “não terá utilização além do
evento”, afirmou o vice-presidente da Câmara de Lisboa, Filipe Anacoreta
Correia, em conferência de imprensa.
Embora já só
faltem seis meses para o arranque da JMJ, há ainda vários outros projectos a
concretizar, além destes dois gigantescos palcos-altares, já que a Jornada
deverá ter eventos, que exigirão a construção de estruturas, previsivelmente de
menor dimensão, no Terreiro do Paço e na Alameda D. Afonso Henriques, e a
adaptação da que já existe no Parque da Bela Vista, onde vem sendo organizado o
Rock in Rio Lisboa.
Espera-se que a
Jornada Mundial da Juventude, na qual já se inscreveram mais de 400 mil
peregrinos, traga a Portugal 1,5 milhões de jovens.
Números que, para
lá de “benefícios simbólicos e espirituais”, asseguram ao país, no plano
“material e económico”, vantagens que justificam que o Estado assuma parte dos
custos, defendeu esta sexta-feira o presidente da Assembleia da República,
falando com os jornalistas após uma visita à sede da organização da JMJ. “Não
queria reduzir as coisas a uma análise de custo-benefício, mas todas as
análises que conheço mostram evidentemente um enorme benefício que Portugal vai
ter em todas as dimensões”, afirmou Augusto Santos Silva.
Custo global
acima de 160 milhões
E já é possível
estimar, com base no que foram afirmando os responsáveis pelas diversas
instituições envolvidas, quanto poderá vir a custar a organização desta
Jornada, considerada o maior evento promovido pela Igreja Católica. A agência
Lusa fez as contas e chegou a um valor global mínimo de 161 milhões de euros.
Com as principais
cerimónias a ter lugar no Parque Tejo e em terrenos ribeirinhos dos concelhos
de Lisboa e de Loures, as duas autarquias já anunciaram ir gastar,
respectivamente, até 35 milhões de euros, valor confirmado esta semana por
Carlos Moedas, e entre 9 e 10 milhões, que o autarca socialista Ricardo Leão,
prevê gastar, designadamente, na preparação do terreno a ser usado, na
construção de uma ponte ciclo-pedonal entre Loures e Lisboa, na execução de
passagens hidráulicas e em acessos e mobilidade.
Já o Governo de
António Costa aprovou um reforço do investimento previsto, elevando-o para 36,5
milhões de euros, segundo adiantou à Lusa uma fonte do gabinete da ministra
Adjunta e dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes. Um total que não
inclui custos com segurança, mobilidade ou saúde, entre outros, que dependerão
do total de participantes que vierem a inscrever-se.
E o valor, ainda
provisório, do orçamento disponibilizado pela Igreja é de 80 milhões de euros,
adiantou, já na sequência da polémica em torno dos custos do palco-altar do
Parque Tejo, o bispo Américo Aguiar. A Igreja terá a responsabilidade e custos
de tudo o que diga respeito ao acolhimento dos peregrinos, explicou o
coordenador do evento, acrescentando que, a haver prejuízos, estes serão
assumidos pela Igreja, ao passo que eventuais lucros serão entregues às
autarquias de Lisboa e Loures para projectos relacionados com a juventude.
Se os custos
previstos têm gerado forte polémica, também há quem argumente, como o fez
Augusto Santos Silva, que se deve ter em conta o previsível retorno económico
que a Jornada Mundial da Juventude irá trazer ao país. E segundo Américo
Aguiar, foi já formalizado, na quarta-feira, um protocolo com o Instituto
Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa justamente para
contabilizar esse retorno.
O caso de
Espanha, que acolheu a iniciativa no Verão de 2011, no final do pontificado do
recém-falecido Bento XVI, pode servir de referência. Com um número de
peregrinos semelhante ao que se espera para Portugal, a JMJ teve um impacto na
economia espanhola que foi calculado em 354 milhões de euros.
Mas o exemplo de
Madrid também fornece argumentos aos que se queixam do investimento público que
se está a fazer no evento, e não tanto por só se ter gasto 50 milhões de euros
(há uma dúzia de anos) na Jornada espanhola. Lá como agora cá, o Governo foi
criticado pelo dinheiro que alegadamente gastara numa iniciativa da Igreja
Católica, mas uma auditoria externa veio a demonstrar que, na verdade, o bolso
dos contribuintes ficara a salvo, já que 70% dos 50 milhões foi pago pelos
próprios peregrinos, e os restantes 30% foram assegurados por empresas e outros
patrocinadores privados.
Depois de Madrid,
e já após a eleição do Papa Francisco, a Jornada Mundial da Juventude
realizou-se no Rio de Janeiro, em 2013, reunindo quase quatro milhões de fiéis,
na cidade polaca de Cracóvia, em 2016, e na Cidade do Panamá, em 2019.
Com Lusa
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