EDITORIAL GUERRA
NA UCRÂNIA
O funeral da “geringonça” faz-se na Ucrânia
O voto contra uma resolução do Parlamento Europeu que
condenava a invasão da Ucrânia põe o PCP onde, na prática, ele sempre esteve:
do lado de lá da democracia liberal; no caso, do lado dos autocratas.
Manuel Carvalho
2 de Março de
2022, 21:33
https://www.publico.pt/2022/03/02/politica/editorial/funeral-geringonca-fazse-ucrania-1997395
A invasão da
Ucrânia expôs com crueza a dificuldade de o PCP fazer parte de qualquer solução
governativa numa democracia europeia. Essa dificuldade tornara-se clara no
Outono do ano passado, quando a “geringonça” faleceu. A condescendência para
com Vladimir Putin acaba com o pouco que restava da sua memória. O voto contra
uma resolução do Parlamento Europeu que condenava a invasão da Ucrânia põe o
PCP onde, na prática, ele sempre esteve: do lado de lá da democracia liberal;
no caso, do lado dos autocratas.
Todos os que,
como António Costa, defenderam a “geringonça” em nome de “um novo arco de governação”
tiveram de ignorar esta diferença de valores políticos. Um partido que chumba
uma resolução contra a agressão da Rússia à Ucrânia não tem legitimidade para
falar de democracia, direitos humanos ou soberania popular. É um partido
alinhado com a visão imperial de Moscovo, não com o princípio da
autodeterminação ou com a lei internacional.
Não se pode dizer
que essa fenda moral seja novidade. Os comunistas nunca esconderam a sua
aversão à democracia liberal, à União Europeia e, claro está, à NATO. Como
nunca esconderam a sua simpatia, velada ou expressa, por ditadores como Nicolas
Maduro ou por regimes autoritários como a China.
Num quadro
internacional normal como o que vivemos até há pouco, quando o PCP não tinha de
se expor, era possível varrer a sua natureza profunda para debaixo do tapete e
embalar a democracia com a lengalenga das “políticas patrióticas e de
esquerda”. Uma guerra como a da Ucrânia é um teste de algodão.
Quando, como
agora, é preciso escolher entre autocratas e democracias liberais, o verniz do
PCP estala e a sua essência emerge. Enquanto o Bloco range os dentes por ter de
se colar à posição da Europa, mas, no essencial, distingue agressores de
vítimas, o PCP tem demasiado passado para mudar. O que diz e o que vota está no
seu ADN, incrustado de dogmatismo marxista, da vanguarda leninista e de um
pouco de totalitarismo estalinista.
Para sorte de
António Costa e do PS esquerdista, a Ucrânia foi invadida depois do divórcio
com o PCP. O idílio que se manteve entre 2015 e 2019 seria hoje impossível. O
eleitorado moderado do PS jamais aceitaria negociações sobre orçamentos com um
partido tolerante para com Vladimir Putin. Deve haver socialistas com pesadelos
só de o lembrar.
A “geringonça”
não foi uma mudança de fundo na arquitectura do sistema partidário. Foi um
epifenómeno utilitário e conjuntural. O PCP estava e continua na outra margem
dos valores ou da história. A “geringonça” já tinha morrido de morte natural e
a guerra na Ucrânia serviu para a enterrar mais fundo.
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