segunda-feira, 27 de setembro de 2021

“Ganhámos contra tudo e contra todos”, clamou Moedas enquanto Medina admitia uma “derrota pessoal e intransmissível” / Costa frustrado com derrota em Lisboa: “Isso é indiscutível”

 


 AUTÁRQUICAS 2021

“Ganhámos contra tudo e contra todos”, clamou Moedas enquanto Medina admitia uma “derrota pessoal e intransmissível”

 

Foi uma noite de surpresas e suspense. Até que chegou o resultado que poucos esperavam. Moedas vencia Lisboa e derrotava Medina e as sondagens. Já o socialista não conseguiu a reeleição e encerra um ciclo de 14 anos de liderança PS na Câmara de Lisboa. Ainda não sabe o que vai fazer daqui em diante e não atribui culpas ao partido pelo inesperado resultado.

 

Cristiana Faria Moreira e João Pedro Pincha

27 de Setembro de 2021, 4:11

https://www.publico.pt/2021/09/27/politica/noticia/ganhamos-clamou-moedas-medina-admitia-derrota-pessoal-intransmissivel-1978884

 

Pouco depois das 21h, logo depois de terem sido reveladas as primeiras projecções que davam um empate técnico entre Fernando Medina e Carlos Moedas, o director de campanha do social-democrata, Ricardo Mexia, desceu até ao piso menos dois do hotel Epic Sana em Lisboa para uma primeira reacção. “As projecções não [nos] surpreendem”, disse o médico de saúde pública. “Para quem esteve nas ruas em Lisboa é a constatação do que nos diziam”, disse ainda Mexia, para quem estes resultados representam também um “grande sinal da vontade de mudança” nos destinos da capital. 

 

Ricardo Mexia antecipara então uma “noite longa”. E a verdade é que o foi. Só de madrugada chegou a confirmação: 14 anos depois, a Câmara de Lisboa sai das mãos socialistas. Apesar da confiança demonstrada, a verdade é que vitória surpreendeu todos. Nenhuma sondagem previra a vitória de Moedas e da coligação que encabeça, Novos Tempos, que conta com o apoio do PSD, CDS, Aliança, MPT e PPM. 

 

Só às 2h34 chegaria o vencedor da noite. Carlos Moedas entra finalmente no seu quartel-general pelo meio da multidão que o esperava. “Presidente! Presidente! Presidente!”, gritavam os apoiantes. “Estamos prontos ou não estamos prontos?”, riposta Moedas, para logo depois constatar a surpresa não admitida: “Ganhámos contra tudo e contra todos!”

 

Carlos Moedas começou então o seu discurso congratulando o derrotado da noite, Fernando Medina, a quem desejou “o melhor para a sua vida pessoal e profissional”. 

“Fizemos história. Fez-se história hoje em Lisboa”, continuou o social-democrata, agradecendo o voto de confiança que lhe foi dado. “Não vamos falhar. Comprometo-me com todos os lisboetas. Vamos mudar Lisboa!”, foi dizendo ainda entre fortes aplausos dos candidatos. 

 

“Esta candidatura é a prova de que podemos mudar o sistema. Porque a democracia não tem dono”, disse ainda Moedas, depois de agradecer à equipa, que construiu a sua candidatura ao longo dos últimos meses.

 

“Os lisboetas disseram em alto e bom som que querem mudança”, notou ainda o social-democrata. “Hoje começou um novo ciclo, Novos Tempos. E eu estou convencido de que começa em Lisboa, mas não vai acabar em Lisboa”, atirou ainda o recém-eleito presidente da Câmara de Lisboa. 

 

“A política está a mudar, a política quer políticos diferentes, a política quer pessoas diferentes. Os lisboetas disseram ‘sim’ a esta nova maneira de fazer política”, enfatizou, arrancando aplausos na sala. Sublinhando que os “lisboetas disseram sim ao futuro”, começa agora o trabalho. “Mudaram a minha vida, mas mudaremos a vida dos lisboetas. Vamos mudar Lisboa!”

 

Sucessivas vitórias 

Nas primeiras horas da noite eleitoral, as bandeiras do PSD e CDS iam sendo agitadas. Gritos de incentivo iam sido clamados, à medida que a esperança era reforçada pelos sucessivos resultados. “Nós só queremos Moedas presidente! Moedas presidente!”, gritavam os apoiantes, na sua maioria, jovens. 

 

A máxima “por um voto se ganha, por um voto se perde” era então uma esperança que acalentava o futuro. Na verdade, à hora que o PÚBLICO escreve este texto os resultados não estão ainda fechados, pelo que não se sabe a real diferença entre os dois partidos, nem quantos vereadores terão conseguido eleger. 

 

Mas a noite também se foi fazendo de pequenas vitórias. A primeira a ser celebrada na sala foi a de Arroios. Uma das primeiras ovações da noite estaria reservada para Madalena Natividade, a recém-eleita presidente da Junta de Freguesia de Arroios. Quando entrou na sala, pelas 23h30, já era certo que a coligação Novos Tempos retirara esta freguesia central na cidade das mãos do PS e de Margarida Martins, que se recandidatara a um terceiro mandato. 

 

Novas vitórias foram sucessivamente chegando. Santo António, Estrela, Belém e Areeiro mantêm-se nas mãos dos sociais-democratas. Depois a conquista do Lumiar, Alvalade e Avenidas Novas, Parque das Nações e, já de madrugada, São Domingos de Benfica aos socialistas. Feitas as contas, a coligação Novos Tempos rouba seis juntas de freguesia ao PS. 

 

Uma derrota só sua

Já quando Fernando Medina subiu ao palco do Pátio da Galé, perto das duas da manhã desta segunda-feira, fê-lo na condição que estaria muito longe do seu pensamento no início da noite: a de derrotado. A sala, que então finalmente se encheu de apoiantes, recebeu-o com um longo e entusiástico aplauso, o primeiro a sério da noite, mas o candidato socialista à Câmara de Lisboa manteve o semblante carregado e visivelmente contrariado.

 

Não era para menos. Nenhuma sondagem nos últimos meses previu este desfecho e o autarca tinha pela frente, em teoria, uma reeleição fácil. Ao entrar na sua sede para a noite eleitoral, a pouca distância dos Paços do Concelho que ocupou nos últimos seis anos como presidente (mais dois como vereador), Medina ainda respondeu a perguntas sobre uma possível maioria absoluta. Não passaria muito tempo até que se percebesse quão fantasioso era esse cenário.

 

“É uma indiscutível vitória pessoal e política do eng. Carlos Moedas”, começou por dizer Medina no discurso em que assumiu a derrota. Com António Costa a assistir na primeira fila, o socialista várias vezes apontado à liderança do seu partido fez questão de se isolar na responsabilidade: “Esta derrota é pessoal e intransmissível.”

 

Com muitos votos ainda por contar, o cenário apresenta-se bicudo. A coligação Novos Tempos, de Carlos Moedas, deve conseguir eleger sete vereadores, os mesmos que a coligação Mais Lisboa, de Fernando Medina. A CDU de João Ferreira deverá manter os dois vereadores e o BE o único que já tem. Ou seja: a esquerda continua maioritária, mas como nas autarquias não há possibilidade de ‘geringonça’, é Moedas que governa – resta saber em que condições.

 

Medina, que procurou responsabilizar-se em absoluto pelo resultado, não deixou de mandar uma mensagem à sua esquerda, acusando CDU e BE de se terem concentrado mais em atacar uma possível maioria absoluta do PS e em pedir pelouros para si do que em combater a direita. “Eu cuidei sempre do que era essencial, que era avisar que segundo a lei autárquica quem ganha é quem tem mais votos. Sondagens não ganham eleições”, disse.

 

A Carlos Moedas deixou votos de felicidade e a garantia de que fará uma transição célere e transparente das pastas. “Tenho a convicção profunda de que a agenda que seguimos era a agenda correcta para o futuro da cidade”, afirmou. Sobre o seu futuro político, nada disse. Nem sequer se se manterá na câmara como vereador. “Dêem-me um bocadinho mais de tempo”, pediu, revelando que agora quer “descansar uns dias”.

 

Fernando Medina saiu do palco com a ovação em pé de uma sala cheia, abraçou António Costa e vários membros da sua equipa e afastou-se com a mulher. O Pátio da Galé rapidamente se esvaziou.

 

Noite de nervos

A noite tinha já tido uma toada soturna. Pouco antes das 21h, quando começou a circular que as sondagens à boca das urnas apontavam para um resultado incerto, o nervosismo tomou conta dos apoiantes que se encontravam na sala. Alguns membros da JS ainda envergaram bandeiras e gritaram “vitória, vitória!”, mas tornou-se rapidamente indisfarçável que essa era uma palavra proibida.

 

Com toda a gente colada em permanência às televisões, coube ao secretário de Estado e dirigente socialista Duarte Cordeiro a única declaração da noite durante largas horas. Foi muito curta, sempre de sorriso nos lábios e punho erguido tanto à entrada como à saída, num tom bem mais triunfal do que as projecções permitiam. “Estamos confiantes de que vamos ganhar as eleições em Lisboa”, declarou, sublinhando que seria “a quinta vez” que tal acontecia. “As sondagens estão a dar resultados muito diferentes entre si, temos de acompanhar com serenidade”, acrescentou, pedindo a quem se encontrava na sala que mantivesse “serenidade e confiança até ao fim”.

 

Mas o ambiente contrastou fortemente com o vivido em 2017 na cave do Hotel Altis, quando Medina alcançou a sua primeira vitória eleitoral, depois de ter substituído António Costa na presidência do município. Naquele ano não demorou muito que Helena Roseta subisse ao palco e anunciasse perante a plateia em êxtase um rol de freguesias conquistadas.

 

Desta vez, as freguesias perdidas é que dominaram as conversas – em surdina. O PS já sabia que tinha vida difícil em Alvalade e Avenidas Novas, que perdeu para PSD/CDS, e não contava ganhar as que já eram sociais-democratas – Estrela, Areeiro, Belém e Santo António –, mas a perda de Arroios caiu como um balde de água fria nas hostes. E a vitória em Campo de Ourique, por escassos 25 votos, foi celebrada com muito entusiasmo. Campolide, Benfica e Marvila mantiveram-se nas mãos do PS. Carnide continua a ser território da CDU.

 

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AUTÁRQUICAS 2021

Costa frustrado com derrota em Lisboa: “Isso é indiscutível”

 

Depois de perderem Lisboa e Coimbra, os socialistas focaram-se em reclamar a vitória nacional. Mas o secretário-geral socialista não escondeu a tristeza por ver o partido perder aquela que já foi a sua autarquia.

 

Liliana Borges (Texto) e Daniel Rocha (Fotografia)

27 de Setembro de 2021, 3:46

https://www.publico.pt/2021/09/27/politica/noticia/costa-frustrado-derrota-lisboa-indiscutivel-1978861

 

No Largo do Rato, o silêncio imperou durante toda a noite eleitoral. À chegada das primeiras projecções à boca das urnas – uma hora mais tarde do que o habitual – não se ouviram festejos na sede do PS. A confirmação da derrota da noite viria só já depois das 2h, quando Fernando Medina anunciou que já tinha felicitado Carlos Moedas pela vitória na câmara de Lisboa.

 

Mas a autarquia da capital não seria a única surpresa da noite para o PS. Da boca de António Costa, porém, só se ouviriam as palavras “derrota inesperada”, já no Pátio da Galé, onde Medina se despedia da presidência da capital. “Se sinto frustração, claro que sim, é evidente que sim, isso é indiscutível”, admitiu durante a madrugada.

 

Na sede socialista, António Costa falou aos jornalistas, acompanhado apenas pelo secretário-geral adjunto, José Luís Carneiro, e pelo presidente do partido, Carlos César, que assistiam às reacções do líder socialista a partir da primeira fila. Com um mapa do território continental no ecrã ao lado do palco, o primeiro-ministro esforçou-se nas contas para apresentar o partido como vitorioso, desviando os resultados das câmaras para os resultados globais do PS, repetindo que foi a segunda vez que um partido ganhou “três vezes consecutivas” umas eleições autárquicas.

 

O primeiro-ministro defendeu que isso indicava que os portugueses “renovaram a sua confiança no PS, atribuindo-lhe uma vitória eleitoral”. "Estamos num ponto de viragem na gestão da pandemia [da covid-19]. Temos de concentrar todas as nossas forças no essencial: Relançar a economia, apostar na criação de mais e melhor emprego e prosseguir a agenda estratégica de responder aos desafios das alterações climáticas e da demografia”, referiu, relançando a discussão em torno do OE 2022 e do Plano de Recuperação e Resiliência.

 

Mais do que um derrotado, Costa apresentou o PS como vítima das “múltiplas coligações contra o PS”. "Pelo mero efeito matemático, se estas coligações tivessem existido há quatro anos, o PS teria tido menos dez câmaras em 2017. O PS praticamente manteve, mas os nossos adversários juntaram-se e tiveram mais voto”, argumentou.

 

Só depois de muita insistência dos jornalistas é que António Costa reconheceria que “uma eventual derrota em Lisboa é uma derrota que penaliza qualquer partido”. “Tenho muito orgulho de, em 2007, ter reconquistado [a capital] para o PS e seria uma tristeza particular se o PS não a mantiver”, diria, antes de reconhecer a vitória de Carlos Moedas.

 

Ainda assim, Costa teve dificuldades em reconhecer a vitória da direita, preferindo entregar os louros à CDU (até porque o OE 2022 está à porta). “Nos números que vi até agora não vi um grande reforço em relação à votação que o CDS e o PSD tiveram nas últimas eleições, o que vi foi o reforço muito significativo da CDU, por exemplo aqui em Lisboa. Os votos que foram transferidos do PS destinaram-se a reforçar a CDU. Se é esta a alternativa com que o Presidente da República sonha, não sei”, declarou, afastando um cenário de “alternativa forte" à direita.

 

Quanto à influência que estes resultados podem ter no OE 2022, Costa disse que nem o PCP nem o PS confundem o processo orçamental e diz não acreditar em “perturbações das negociações calendarizadas”. 

 

Já depois de se encontrar com Fernando Medina, que tinha sido apontado como um possível sucessor de António Costa na liderança do partido, o primeiro-ministro afirmou que a sucessão do PS “não está na ordem do dia”.

 

No Rato, a surpresa e o silêncio

À hora da primeira reacção socialista, pelas 21h, José Luís Carneiro tinha ainda esperança que os resultados dessem ao PS “a quinta vitória consecutiva” na liderança de Lisboa, o que não se confirmaria, mas o guião para a noite já estava definido: o PS decidiu focar-se na vitória nacional para camuflar as perdas da noite.

 

Horas antes, e numa curta declaração sem direito a perguntas, Maria da Luz Rosinha, secretária nacional autárquica do PS, também tinha repetido o tom optimista do secretário-geral adjunto, insistindo que “o PS continua a ser o maior partido autárquico de Portugal”. 

 

Além de Lisboa, o PS perdeu outras 32 câmaras, entre elas: Elvas, Mealhada, Coimbra, Funchal, Golegã, Viana do Alentejo e Pedrógão Grande. O mesmo aconteceu no Cartaxo, uma autarquia tradicionalmente socialista, que nos próximos quatro anos será presidida pelo PSD.

 

No total, os socialistas perderam 25 autarquias para o PSD (tendo tirado 13 autarquias aos sociais-democratas, incluindo Espinho, Freixo de Espada à Cinta e Penela). Com a CDU também houve trocas. O PS tirou sete autarquias à CDU (incluindo Loures, Alpiarça, Alvito e Mora​) e perdeu duas. Os socialistas ganharam ainda duas câmaras aos independentes, mas perderam seis.

 

Apesar das derrotas, o PS insistiu que estava “tranquilo” e destacou que manteve a presidência da Associação Nacional de Municípios Portugueses e a Associação Nacional de Freguesias (ANAFRE).

 

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