“Ganhámos contra tudo e contra todos”, clamou Moedas
enquanto Medina admitia uma “derrota pessoal e intransmissível”
Foi uma noite de surpresas e suspense. Até que chegou o
resultado que poucos esperavam. Moedas vencia Lisboa e derrotava Medina e as
sondagens. Já o socialista não conseguiu a reeleição e encerra um ciclo de 14
anos de liderança PS na Câmara de Lisboa. Ainda não sabe o que vai fazer daqui
em diante e não atribui culpas ao partido pelo inesperado resultado.
Cristiana Faria
Moreira e João Pedro Pincha
27 de Setembro de
2021, 4:11
Pouco depois das
21h, logo depois de terem sido reveladas as primeiras projecções que davam um
empate técnico entre Fernando Medina e Carlos Moedas, o director de campanha do
social-democrata, Ricardo Mexia, desceu até ao piso menos dois do hotel Epic
Sana em Lisboa para uma primeira reacção. “As projecções não [nos]
surpreendem”, disse o médico de saúde pública. “Para quem esteve nas ruas em
Lisboa é a constatação do que nos diziam”, disse ainda Mexia, para quem estes
resultados representam também um “grande sinal da vontade de mudança” nos
destinos da capital.
Ricardo Mexia
antecipara então uma “noite longa”. E a verdade é que o foi. Só de madrugada
chegou a confirmação: 14 anos depois, a Câmara de Lisboa sai das mãos
socialistas. Apesar da confiança demonstrada, a verdade é que vitória
surpreendeu todos. Nenhuma sondagem previra a vitória de Moedas e da coligação
que encabeça, Novos Tempos, que conta com o apoio do PSD, CDS, Aliança, MPT e
PPM.
Só às 2h34
chegaria o vencedor da noite. Carlos Moedas entra finalmente no seu quartel-general
pelo meio da multidão que o esperava. “Presidente! Presidente! Presidente!”,
gritavam os apoiantes. “Estamos prontos ou não estamos prontos?”, riposta
Moedas, para logo depois constatar a surpresa não admitida: “Ganhámos contra
tudo e contra todos!”
Carlos Moedas
começou então o seu discurso congratulando o derrotado da noite, Fernando
Medina, a quem desejou “o melhor para a sua vida pessoal e profissional”.
“Fizemos
história. Fez-se história hoje em Lisboa”, continuou o social-democrata,
agradecendo o voto de confiança que lhe foi dado. “Não vamos falhar.
Comprometo-me com todos os lisboetas. Vamos mudar Lisboa!”, foi dizendo ainda
entre fortes aplausos dos candidatos.
“Esta candidatura
é a prova de que podemos mudar o sistema. Porque a democracia não tem dono”,
disse ainda Moedas, depois de agradecer à equipa, que construiu a sua
candidatura ao longo dos últimos meses.
“Os lisboetas
disseram em alto e bom som que querem mudança”, notou ainda o
social-democrata. “Hoje começou um novo ciclo, Novos Tempos. E eu estou
convencido de que começa em Lisboa, mas não vai acabar em Lisboa”, atirou ainda
o recém-eleito presidente da Câmara de Lisboa.
“A política está
a mudar, a política quer políticos diferentes, a política quer pessoas
diferentes. Os lisboetas disseram ‘sim’ a esta nova maneira de fazer política”,
enfatizou, arrancando aplausos na sala. Sublinhando que os “lisboetas disseram
sim ao futuro”, começa agora o trabalho. “Mudaram a minha vida, mas mudaremos a
vida dos lisboetas. Vamos mudar Lisboa!”
Sucessivas vitórias
Nas primeiras
horas da noite eleitoral, as bandeiras do PSD e CDS iam sendo agitadas. Gritos
de incentivo iam sido clamados, à medida que a esperança era reforçada pelos
sucessivos resultados. “Nós só queremos Moedas presidente! Moedas
presidente!”, gritavam os apoiantes, na sua maioria, jovens.
A máxima “por um
voto se ganha, por um voto se perde” era então uma esperança que acalentava o futuro.
Na verdade, à hora que o PÚBLICO escreve este texto os resultados não estão
ainda fechados, pelo que não se sabe a real diferença entre os dois partidos,
nem quantos vereadores terão conseguido eleger.
Mas a noite
também se foi fazendo de pequenas vitórias. A primeira a ser celebrada na sala
foi a de Arroios. Uma das primeiras ovações da noite estaria reservada para
Madalena Natividade, a recém-eleita presidente da Junta de Freguesia de
Arroios. Quando entrou na sala, pelas 23h30, já era certo que a coligação Novos
Tempos retirara esta freguesia central na cidade das mãos do PS e de Margarida
Martins, que se recandidatara a um terceiro mandato.
Novas vitórias
foram sucessivamente chegando. Santo António, Estrela, Belém e Areeiro
mantêm-se nas mãos dos sociais-democratas. Depois a conquista do Lumiar,
Alvalade e Avenidas Novas, Parque das Nações e, já de madrugada, São Domingos
de Benfica aos socialistas. Feitas as contas, a coligação Novos Tempos rouba
seis juntas de freguesia ao PS.
Uma derrota só sua
Já quando
Fernando Medina subiu ao palco do Pátio da Galé, perto das duas da manhã desta
segunda-feira, fê-lo na condição que estaria muito longe do seu pensamento no
início da noite: a de derrotado. A sala, que então finalmente se encheu de
apoiantes, recebeu-o com um longo e entusiástico aplauso, o primeiro a sério da
noite, mas o candidato socialista à Câmara de Lisboa manteve o semblante
carregado e visivelmente contrariado.
Não era para
menos. Nenhuma sondagem nos últimos meses previu este desfecho e o autarca
tinha pela frente, em teoria, uma reeleição fácil. Ao entrar na sua sede para a
noite eleitoral, a pouca distância dos Paços do Concelho que ocupou nos últimos
seis anos como presidente (mais dois como vereador), Medina ainda respondeu a perguntas
sobre uma possível maioria absoluta. Não passaria muito tempo até que se
percebesse quão fantasioso era esse cenário.
“É uma
indiscutível vitória pessoal e política do eng. Carlos Moedas”, começou por
dizer Medina no discurso em que assumiu a derrota. Com António Costa a assistir
na primeira fila, o socialista várias vezes apontado à liderança do seu partido
fez questão de se isolar na responsabilidade: “Esta derrota é pessoal e
intransmissível.”
Com muitos votos
ainda por contar, o cenário apresenta-se bicudo. A coligação Novos Tempos, de
Carlos Moedas, deve conseguir eleger sete vereadores, os mesmos que a coligação
Mais Lisboa, de Fernando Medina. A CDU de João Ferreira deverá manter os dois
vereadores e o BE o único que já tem. Ou seja: a esquerda continua maioritária,
mas como nas autarquias não há possibilidade de ‘geringonça’, é Moedas que
governa – resta saber em que condições.
Medina, que
procurou responsabilizar-se em absoluto pelo resultado, não deixou de mandar
uma mensagem à sua esquerda, acusando CDU e BE de se terem concentrado mais em
atacar uma possível maioria absoluta do PS e em pedir pelouros para si do que
em combater a direita. “Eu cuidei sempre do que era essencial, que era avisar
que segundo a lei autárquica quem ganha é quem tem mais votos. Sondagens não
ganham eleições”, disse.
A Carlos Moedas
deixou votos de felicidade e a garantia de que fará uma transição célere e
transparente das pastas. “Tenho a convicção profunda de que a agenda que
seguimos era a agenda correcta para o futuro da cidade”, afirmou. Sobre o seu
futuro político, nada disse. Nem sequer se se manterá na câmara como vereador.
“Dêem-me um bocadinho mais de tempo”, pediu, revelando que agora quer
“descansar uns dias”.
Fernando Medina
saiu do palco com a ovação em pé de uma sala cheia, abraçou António Costa e
vários membros da sua equipa e afastou-se com a mulher. O Pátio da Galé
rapidamente se esvaziou.
Noite de nervos
A noite tinha já
tido uma toada soturna. Pouco antes das 21h, quando começou a circular que as
sondagens à boca das urnas apontavam para um resultado incerto, o nervosismo
tomou conta dos apoiantes que se encontravam na sala. Alguns membros da JS
ainda envergaram bandeiras e gritaram “vitória, vitória!”, mas tornou-se
rapidamente indisfarçável que essa era uma palavra proibida.
Com toda a gente
colada em permanência às televisões, coube ao secretário de Estado e dirigente
socialista Duarte Cordeiro a única declaração da noite durante largas horas.
Foi muito curta, sempre de sorriso nos lábios e punho erguido tanto à entrada
como à saída, num tom bem mais triunfal do que as projecções permitiam.
“Estamos confiantes de que vamos ganhar as eleições em Lisboa”, declarou,
sublinhando que seria “a quinta vez” que tal acontecia. “As sondagens estão a
dar resultados muito diferentes entre si, temos de acompanhar com serenidade”,
acrescentou, pedindo a quem se encontrava na sala que mantivesse “serenidade e
confiança até ao fim”.
Mas o ambiente
contrastou fortemente com o vivido em 2017 na cave do Hotel Altis, quando
Medina alcançou a sua primeira vitória eleitoral, depois de ter substituído
António Costa na presidência do município. Naquele ano não demorou muito que
Helena Roseta subisse ao palco e anunciasse perante a plateia em êxtase um rol
de freguesias conquistadas.
Desta vez, as
freguesias perdidas é que dominaram as conversas – em surdina. O PS já sabia
que tinha vida difícil em Alvalade e Avenidas Novas, que perdeu para PSD/CDS, e
não contava ganhar as que já eram sociais-democratas – Estrela, Areeiro, Belém
e Santo António –, mas a perda de Arroios caiu como um balde de água fria nas
hostes. E a vitória em Campo de Ourique, por escassos 25 votos, foi celebrada
com muito entusiasmo. Campolide, Benfica e Marvila mantiveram-se nas mãos do
PS. Carnide continua a ser território da CDU.
tp.ocilbup@arierom.anaitsirc
AUTÁRQUICAS 2021
Costa frustrado com derrota em Lisboa: “Isso é
indiscutível”
Depois de perderem Lisboa e Coimbra, os socialistas
focaram-se em reclamar a vitória nacional. Mas o secretário-geral socialista
não escondeu a tristeza por ver o partido perder aquela que já foi a sua
autarquia.
Liliana Borges
(Texto) e Daniel Rocha (Fotografia)
27 de Setembro de
2021, 3:46
No Largo do Rato,
o silêncio imperou durante toda a noite eleitoral. À chegada das primeiras
projecções à boca das urnas – uma hora mais tarde do que o habitual – não se
ouviram festejos na sede do PS. A confirmação da derrota da noite viria só já
depois das 2h, quando Fernando Medina anunciou que já tinha felicitado Carlos
Moedas pela vitória na câmara de Lisboa.
Mas a autarquia
da capital não seria a única surpresa da noite para o PS. Da boca de António
Costa, porém, só se ouviriam as palavras “derrota inesperada”, já no Pátio
da Galé, onde Medina se despedia da presidência da capital. “Se sinto
frustração, claro que sim, é evidente que sim, isso é indiscutível”, admitiu
durante a madrugada.
Na sede
socialista, António Costa falou aos jornalistas, acompanhado apenas pelo
secretário-geral adjunto, José Luís Carneiro, e pelo presidente do partido,
Carlos César, que assistiam às reacções do líder socialista a partir da
primeira fila. Com um mapa do território continental no ecrã ao lado do palco,
o primeiro-ministro esforçou-se nas contas para apresentar o partido como
vitorioso, desviando os resultados das câmaras para os resultados globais do
PS, repetindo que foi a segunda vez que um partido ganhou “três vezes
consecutivas” umas eleições autárquicas.
O
primeiro-ministro defendeu que isso indicava que os portugueses “renovaram
a sua confiança no PS, atribuindo-lhe uma vitória
eleitoral”. "Estamos num ponto de viragem na gestão da pandemia [da
covid-19]. Temos de concentrar todas as nossas forças no essencial: Relançar a
economia, apostar na criação de mais e melhor emprego e prosseguir a agenda
estratégica de responder aos desafios das alterações climáticas e da
demografia”, referiu, relançando a discussão em torno do OE 2022 e do Plano de Recuperação
e Resiliência.
Mais do que um
derrotado, Costa apresentou o PS como vítima das “múltiplas coligações
contra o PS”. "Pelo mero efeito matemático, se estas coligações
tivessem existido há quatro anos, o PS teria tido menos dez câmaras em 2017. O
PS praticamente manteve, mas os nossos adversários juntaram-se e tiveram mais
voto”, argumentou.
Só depois de
muita insistência dos jornalistas é que António Costa reconheceria que “uma
eventual derrota em Lisboa é uma derrota que penaliza qualquer partido”. “Tenho
muito orgulho de, em 2007, ter reconquistado [a capital] para o PS e seria uma
tristeza particular se o PS não a mantiver”, diria, antes de reconhecer a
vitória de Carlos Moedas.
Ainda assim,
Costa teve dificuldades em reconhecer a vitória da direita, preferindo entregar
os louros à CDU (até porque o OE 2022 está à porta). “Nos números que vi até
agora não vi um grande reforço em relação à votação que o CDS e o PSD tiveram
nas últimas eleições, o que vi foi o reforço muito significativo da CDU, por
exemplo aqui em Lisboa. Os votos que foram transferidos do PS destinaram-se a
reforçar a CDU. Se é esta a alternativa com que o Presidente da República
sonha, não sei”, declarou, afastando um cenário de “alternativa
forte" à direita.
Quanto à influência
que estes resultados podem ter no OE 2022, Costa disse que nem o PCP nem o PS
confundem o processo orçamental e diz não acreditar em “perturbações das
negociações calendarizadas”.
Já depois de se
encontrar com Fernando Medina, que tinha sido apontado como um possível
sucessor de António Costa na liderança do partido, o primeiro-ministro afirmou
que a sucessão do PS “não está na ordem do dia”.
No Rato, a surpresa e o silêncio
À hora da
primeira reacção socialista, pelas 21h, José Luís Carneiro tinha ainda
esperança que os resultados dessem ao PS “a quinta vitória consecutiva” na
liderança de Lisboa, o que não se confirmaria, mas o guião para a noite já
estava definido: o PS decidiu focar-se na vitória nacional para camuflar as
perdas da noite.
Horas antes, e
numa curta declaração sem direito a perguntas, Maria da Luz Rosinha, secretária
nacional autárquica do PS, também tinha repetido o tom optimista
do secretário-geral adjunto, insistindo que “o PS continua a ser o maior
partido autárquico de Portugal”.
Além de Lisboa, o
PS perdeu outras 32 câmaras, entre elas: Elvas, Mealhada, Coimbra,
Funchal, Golegã, Viana do Alentejo e Pedrógão Grande. O mesmo aconteceu no
Cartaxo, uma autarquia tradicionalmente socialista, que nos próximos quatro
anos será presidida pelo PSD.
No total, os
socialistas perderam 25 autarquias para o PSD (tendo tirado 13 autarquias aos
sociais-democratas, incluindo Espinho, Freixo de Espada à Cinta e Penela).
Com a CDU também houve trocas. O PS tirou sete autarquias à CDU (incluindo
Loures, Alpiarça, Alvito e Mora) e perdeu duas. Os socialistas ganharam ainda
duas câmaras aos independentes, mas perderam seis.
Apesar das
derrotas, o PS insistiu que estava “tranquilo” e destacou que manteve a
presidência da Associação Nacional de Municípios Portugueses e
a Associação Nacional de Freguesias (ANAFRE).
tp.ocilbup@segrob.anailil
tp.ocilbup@ahcord
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