EDITORIAL
A democracia portuguesa está viva
Mesmo com um retrato sem partidos a poder reclamar
vitórias inequívocas, a noite autárquica não se fez apenas do protagonismo,
talento ou saber dos candidatos. É impossível não haver na leitura dos seus
resultados um zeitgeist que aponta os limites da ambição do PS e de António
Costa.
Manuel Carvalho
27 de Setembro de
2021, 3:10
https://www.publico.pt/2021/09/27/politica/editorial/democracia-portuguesa-viva-1978879
A uma semana de
distância, as sondagens e as expectativas apontavam para umas eleições
autárquicas rotineiras, simplesmente limitadas ao cumprimento de um calendário.
Aconteceu o contrário. Como em momentos decisivos da história política do país,
como em 2001 ou em 2017, as autárquicas deste domingo valem não apenas pelas
disputas locais e assumem um incontornável significado nacional. O PS continua
a dominar o mapa autárquico, mas sai das eleições debilitado pela sensação
nítida de que o seu poder atingiu o limite e deixa de gerir a hegemonia para
ser forçado a recuperar a perda. Quem ganha a noite é claramente o PSD, que sai
do buraco negro a que parecia condenado e ressuscita com fôlego para outros
voos. E, no balanço global da noite, há uma outra estrela em ascensão: chama-se
Carlos Moedas e é o novo presidente da maior câmara do país.
Os que receavam
uma hegemonia sem fim à vista do PS, os que temiam que em Portugal estivesse a
nascer partido semelhante ao PRI mexicano, inabalável e inamovível, puderam
afinal dar-se conta que a democracia está dinâmica e viva. Não faz sentido
dizer que o PS ou António Costa estão feridos de morte, mas pode dizer-se que
saíram destas eleições mais vulneráveis. Como não faz sentido dizer que, num
golpe de mágica, o PSD e Rui Rio renasceram e recuperaram uma aura de vitória
que há muito parecia distante. Pode-se, sim, dizer que as tendências a prazo se
reequilibraram. Que o PS sai da noite deste domingo abalado e o PSD animado.
Ou, por outras palavras, que o quadro político estagnado, previsível e com
evidentes sintomas de anomia se alterou. A democracia portuguesa deu prova de
vida com esta mudança.
Independentemente
do número de câmaras ganhas e perdidas, o PS estremece em lugares cruciais do
mapa político. Perde o Funchal. Sai humilhado de Coimbra, onde estava o seu
presidente da Associação Nacional de Municípios. Sofre uma derrota histórica no
Porto que traduz a negligência com que tratou a segunda cidade do país. Ganha
Loures. Mas perde Lisboa através da derrota do delfim de António Costa.
Fernando Medina partiu para esta disputa contra um adversário razoavelmente
desconhecido e numa posição favorável. Ser derrotado assim é mais do que um
fracasso pessoal. Por muito que seja culpabilizado por erros próprios, acaba
penalizado por um PS combalido. Que só sai da refrega pelo seu próprio pé à
custa das perdas da CDU, que continua a ser o saco de boxe onde os socialistas
alimentam as suas ambições de domínio do poder local.
Se há quem possa
reclamar louros de vitória é, por isso, Rui Rio, o PSD e Carlos Moedas. Rio porque
consegue travar o descalabro do partido num terreno, o das autarquias, que
sempre lhe serviu de esteio para as suas ambições nacionais. O que o PSD
conseguiu no Porto, Funchal, Coimbra, Portalegre e Lisboa basta para travar a
sua caminhada para a irrelevância. Mesmo que não acrescente muitas mais
autarquias, o partido foi além do “poucochinho” e Rui Rio tem hoje muito mais
liberdade para ser dono do seu futuro político: se quiser continuar será mais
difícil de bater, se quiser sair pode fazê-lo sem arrastar consigo o espectro
da derrota. Sobra, ainda assim, Carlos Moedas. Pode ter nascido uma estrela
para brilhar no futuro do PSD.
Na ressaca da eleição, o horizonte das legislativas de
2023 é hoje mais incerto do que ontem. António Costa percebeu-o bem. Por isso
correu o país nestas autárquicas como se o poder político do PS estivesse
ameaçado. Como se viu nestas eleições, estava
Sobra ainda uma
avaliação dos restantes partidos e aqui pode estar o único factor (juntamente
com a abstenção) que ensombra a imagem de vitalidade da democracia: o mapa
autárquico parece ter ficado ainda mais rosa e laranja. Quem mais contribui
para essa perda de cor é a CDU, cada vez mais irrelevante nos territórios onde
criou raízes históricas. Jerónimo de Sousa voltou a falar de uma importante
força do poder local, mas, depois de duas eleições consecutivas a acumular
derrotas, a CDU dá de si uma pálida imagem de vigor. Uma irrelevância onde
continua o Bloco (apesar dos resultados no Porto e Lisboa). Uma irrelevância à
qual o CDS se conseguiu furtar.
Mesmo com um
retrato sem partidos a poder reclamar vitórias inequívocas, a noite autárquica
não se fez apenas do protagonismo, talento ou saber dos candidatos. É
impossível não haver na leitura dos seus resultados um zeitgeist que aponta os
limites da ambição do PS e de António Costa. Nada está decidido para o futuro
próximo, mas, na ressaca da eleição, o horizonte das legislativas de 2023 é
hoje mais incerto do que ontem. António Costa, com o seu proverbial tacto
político, percebeu-o bem. Por isso correu o país nestas autárquicas como se o
poder político do PS estivesse ameaçado. Como se viu nestas eleições,
estava.
OPINIÃO
Semáforo laranja para o PS
Se António Costa fizer uma leitura “fina” destes
resultados eleitorais, vai objectivamente concluir que o melhor para o seu
futuro político - e, quem sabe, para o PS - será abandonar o Governo e o
partido antes do fim da legislatura.
Ana Sá Lopes
27 de Setembro de
2021, 4:00
https://www.publico.pt/2021/09/27/politica/opiniao/semaforo-laranja-ps-1978885
O PS pode
declarar-se vencedor destas autárquicas — tem mais câmaras do que o PSD e
mantém a presidência da Associação Nacional de Municípios —, embora o até agora
presidente desta, Manuel Machado, tenha perdido com estrondo a Câmara de
Coimbra. Mas depois destas autárquicas nada será como dantes. A erosão do poder
foi evidente. A queda de Lisboa é um sinal óbvio de que existe um
descontentamento que ainda não chegou às sondagens — o que fez com que, até à
última hora, ninguém acreditasse nas possibilidades do candidato do PSD-CDS,
Carlos Moedas.
António Costa
quis falar ao país antes de ser conhecida a derrota de Fernando Medina em
Lisboa, o que, em si, é todo um programa. Medina foi simpático ao dizer que a
sua derrota era “pessoal e intransmissível" mas dificilmente é possível
dissociar o secretário-geral do PS e primeiro-ministro à queda, para o PSD, da
capital do país. Se se associar ao desastre de Lisboa a queda de Coimbra para o
PSD e o resultado miserável dos socialistas no Porto, estas autárquicas
são obviamente um semáforo laranja para o PS. É hora do “páre, escute, olhe”
antes que chegue mesmo o fim de ciclo. A rodovia e a ferrovia dão imensas
metáforas para tempos que não são seguramente o pântano de há 20 anos — quando
a queda de várias câmaras levou António Guterres, já muito desgastado no
Governo, a demitir-se. Mas são um alerta para o PS, que já vai com seis
anos de Governo sem maioria absoluta, mas às vezes com absoluta arrogância.
Se António Costa
fizer uma leitura “fina” destes resultados eleitorais, vai objectivamente
concluir que o melhor para o seu futuro político - e, quem sabe, para o PS -
será abandonar o Governo e o partido antes do fim da legislatura. Empenhou-se
como nunca nesta campanha, quase como se tratasse de legislativas, e tanto a
vitória como o amargo de boca também lhe pertencem. Uma nova candidatura em
2023, oito anos depois, pode não ser o melhor projecto de vida. E também
aprendemos nesta noite eleitoral que as sondagens que dão o PS em alta podem
não estar certas - eram as mesmas que davam maioria absoluta a Fernando Medina.
Outra saída a que
devemos estar atentos é a de Jerónimo de Sousa do cargo de secretário-geral do
PCP. Na sua face triste, a anunciar que os comunistas tinham ficado abaixo das
expectativas, havia qualquer coisa de despedida.
tp.ocilbup@sepol.as.ana
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