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Lisboa: os novos “velhos tempos”
A capital foi governada em função da atracção de
investimento imobiliário, do turismo de massas, dos grandes eventos
internacionais, dos hubs de empreendedorismo e dos nómadas digitais. Suspeito
que o projecto de Fernando Medina – a cidade encarada enquanto produto – será
aprofundado por Carlos Moedas, mas agora de forma menos dissimulada.
Sebastião
Ferreira de Almeida
Sebastião é bolseiro
de doutoramento em Arquitectura dos Territórios Metropolitanos Contemporâneos e
investigador no DINAMIA’CET
27 de Setembro de
2021, 18:32
https://www.publico.pt/2021/09/27/p3/cronica/lisboa-novos-velhos-tempos-1978977
Fernando Medina
caiu em Lisboa, algo que já era possível adivinhar, não através das sondagens,
mas do enorme descontentamento e desgaste sentido nas ruas. O antigo presidente
da câmara não governou para os seus eleitores, antes pelo contrário: estes foram
sendo expulsos ou desistiram de viver na cidade ao longo do seu mandato, como
comprovam os resultados recentes do Censos 2021.
Na última década
a cidade perdeu 7849 habitantes. Metade das suas freguesias registaram uma
evolução demográfica negativa, atingindo no centro histórico quedas superiores
a 20%. Os preços da habitação subiram exponencialmente coadjuvados pelos vistos
gold, o estatuto de residente não habitual, a alteração à lei dos arrendamentos
de Assunção Cristas e a desregulação reinante no mercado imobiliário
– agravada pelas novas e intocáveis plataformas de alojamento local.
Lisboa continuará a ser regida pelos ratings globais da
competitividade (e não pelo esforço de reduzir as desigualdades), pelos
unicórnios inovadores, pelos grandes eventos e pela implacável inflação dos
preços do imobiliário.
A capital foi
governada em função da atracção de investimento imobiliário, do turismo de
massas, dos grandes eventos internacionais, dos hubs de empreendedorismo e dos
nómadas digitais – em suma, do incremento da competitividade em prol da
globalização. Fernando Medina seguiu à risca a cartilha de política económica
neoliberal – o mercado comandou as políticas urbanas e não o inverso. Se, ao
menos, o retorno do investimento obtido na capital tivesse sido redistribuído
no sentido da redução das desigualdades e problemas urbanos a nível
metropolitano (do qual era presidente da associação de municípios), poderíamos
vislumbrar alguma ponta de socialismo. Mas não, Medina fez tudo para alimentar
a bola de neve – canalizou milhões de euros para os grandes projectos urbanos
imaginados por Ricardo Salgado e alienou grande parte do património municipal
para privados.
A pandemia de
covid-19 expôs as enormes vulnerabilidades deste modelo a nível social,
económico e sanitário. Com menos moradores e uma economia pouco
diversificada – (sobre)dependente do sector turístico e imobiliário
–, os apoios para manter a capacidade produtiva instalada (ao nível do
comércio, da restauração, do turismo) e suprir as enormes carências sociais
numa cidade que se vive em esforço tiveram que ser hercúleos. Silêncio
aterrador nas ruas vazias, surtos de covid-19 nas habitações sobrelotadas onde
vivem os imigrantes, os estudantes, os jovens adultos, etc.
Suspeito que o
projecto de Fernando Medina – a cidade encarada enquanto produto
– será aprofundado por Carlos Moedas, mas agora de forma menos
dissimulada. A fábrica de unicórnios cujo objectivo é “trazer conhecimento e
experiência de topo mundial para o empreendedorismo local”, a criação do Balcão
Único para os empreendedores e investidores em Lisboa, o sonho de tornar Lisboa
a capital Global da Economia azul são sinais de que o caminho iniciado não se
vai inverter. A tentativa de resolução dos problemas de habitação via benesses
fiscais ao nível dos créditos bancários para os jovens ou do parque público
camarário – que aliás não difere grandemente da proposta de outros partidos
– revela o desinteresse no âmbito da regulação do mercado imobiliário e
será certamente uma resposta insuficiente face às graves carências verificadas.
Lisboa continuará
a ser regida pelos ratings globais da competitividade (e não pelo esforço de
reduzir as desigualdades), pelos unicórnios inovadores, pelos grandes eventos e
pela implacável inflação dos preços do imobiliário. Gostava de estar enganado,
mas pressinto que a capital se tornará um paraíso para as elites económicas
nacionais e internacionais e um inferno proibitivo para os restantes cidadãos.
Bem-vindos aos “novos tempos”, do quais de novo se antevê muito pouco.
AUTÁRQUICAS 2021
Quais são as propostas de Carlos Moedas para Lisboa?
O programa eleitoral do vencedor à Câmara de Lisboa,
Carlos Moedas, contempla inúmeras medidas, desde a habitação às empresas,
impostos e saúde. O PÚBLICO reuniu as principais propostas do ex-comissário
europeu para Lisboa em dez tópicos essenciais.
Filipa Almeida
Mendes
27 de Setembro de
2021, 15:50
https://www.publico.pt/2021/09/27/politica/noticia/sao-propostas-carlos-moedas-lisboa-1978930
Em noite de
eleições autárquicas, a grande surpresa chegou da capital, com Carlos Moedas e
a coligação que encabeça, Novos Tempos — que conta com o apoio do PSD, CDS,
Aliança, MPT e PPM —, a ganharem a corrida à Câmara Municipal de Lisboa
(CML), derrotando o então presidente da autarquia lisboeta e recandidato
socialista Fernando Medina.
O programa
eleitoral de Carlos Moedas contempla inúmeras medidas, desde a habitação às
empresas, impostos e saúde. O PÚBLICO reuniu as principais propostas do
ex-comissário europeu para Lisboa em dez tópicos essenciais:
Empreendedorismo e inovação
A primeira
proposta passa por tornar Lisboa uma capital de inovação, através da criação de
uma “fábrica de unicórnios”, um “espaço que vai potenciar as start-ups
lisboetas para que se possam tornar unicórnios” e onde “especialistas de todo o
mundo” poderão encontrar uma “linha de montagem, que ajudará à maturação e à
resiliência de projectos que devem começar na cidade e acabar como marcas globais”.
O objectivo é
“trazer conhecimento e experiência de topo mundial para o empreendedorismo
local”.
Neste âmbito,
está também prevista a criação de um Balcão Único para os empreendedores e
investidores em Lisboa, “fundindo e reforçando entidades fragmentadas como a
Start-Up Lisboa, a Invest Lisboa e a Direcção de Economia da CML, trabalhando
em articulação com entidades privadas”.
Sustentabilidade e economia azul
Outro dos
objectivos do social-democrata passa por criar em Lisboa o centro mundial da
economia do mar, com o programa a destacar que “Lisboa já foi a cidade
portuária mais importante do mundo” e, “na era da sustentabilidade e da
economia azul, pode e deve voltar a ser uma referência internacional nesta
área”.
Moedas assume
querer “construir em Lisboa as infra-estruturas necessárias para a tornar uma
capital global da economia do mar” e “focar a sua economia em sectores mais
amigos do ambiente”.
Cultura
A cultura faz
também parte das preocupações do candidato eleito, que pretende construir
espaços LXIS em todas as freguesias, “para que os lisboetas tenham uma casa de
cultura, de interacção com pessoas com os mesmos interesses e que lhes dê uma
oportunidade para sonhar com uma carreira nas artes”. Estes espaços “vão tentar
dar aos lisboetas uma sala que pode servir como teatro, sala de concertos, sala
de dança ou o que quer que seja preciso para se expressarem”.
Por outro lado,
Moedas pretende tornar o Parque Mayer um “centro nacional de Cultura, que
reúna espectáculos profissionais e espaços de aprendizagem artística, chefs a
começar e os melhores chefs do país a aprender e a cozinhar e espaços de
co-work e laboratórios que criem também uma casa para a nossa ciência”.
Impostos
O
social-democrata destaca ainda que uma parte do que se paga no IRS é definida
pelo concelho onde se vive e diz acreditar que “os lisboetas não merecem que a
câmara municipal ainda fique com mais uma parcela dos seus rendimentos através
do IRS”. Por isso, garante que “tudo” fará para que “nada seja cobrado aos
lisboetas por responsabilidade da CML”, admitindo uma descida de impostos que
pode chegar a 5%.
Saúde
No que diz respeito
à Saúde, Moedas pretende “construir um Estado social local mais forte,
oferecendo seguros de saúde gratuitos a todos os lisboetas com mais de 65 anos
que precisem”.
O candidato
recém-eleito espera ainda “construir, no espaço de um ano, quatro centros
intergeracionais com residências para idosos e creches e ocupação de tempos
livres, na Ajuda, no Bairro da Liberdade, no Bairro das Garridas, e na Avenida
Álvaro Pais” e criar repúblicas seniores, ou seja, “residências de habitação
partilhada por idosos, que sejam autónomos, disponibilizadas pela CML, geridas
em cooperação com entidades do terceiro sector”.
Mobilidade
Impulsionar o uso
dos transportes públicos está também na agenda de Carlos Moedas, que promete
que todos os lisboetas com menos de 23 anos e mais de 65 anos terão direito a
um passe gratuito da Carris. “Queremos encorajar os mais novos a andar de
transportes públicos e dar também aos mais velhos a possibilidade de deixarem
facilmente o carro”, assume, em linha com o objectivo da transição verde.
Outra das medidas
defendidas pelo vencedor à Câmara de Lisboa é aplicar descontos de 50% no
estacionamento EMEL para residentes em toda a cidade. “Se os lucros da EMEL não
servem os lisboetas, a empresa não se pode servir deles”, defende.
Moedas propõe
ainda “a eliminação da barreira ferroviária entre a cidade e o rio, acabando
com a linha de comboio de superfície entre Algés e o Cais do Sodré”, de forma a
melhorar a qualidade de vida dos residentes e a “esbater as barreiras que
impedem os lisboetas de aproveitar os espaços mais emblemáticos da sua cidade”.
Habitação
No que diz
respeito à habitação, Carlos Moedas assume que os valores imobiliários se
tornaram “incomportáveis para muitos jovens lisboetas”. Para combater esse
problema, propõe “uma isenção de IMT para jovens, com menos de 35 anos, a
comprar a primeira casa” e a “transformação dos edifícios devolutos que a CML
deixou ao abandono em habitação para jovens com custos ajustados”.
O cabeça de lista
da coligação Novos Tempos assume ainda que “a cidade precisa urgentemente
de renovação urbanística e nova construção para tornar as rendas mais
acessíveis”, comprometendo-se “com um prazo de seis meses para responder a
pedidos de licenciamento urbanístico, para que nenhum lisboeta fique com os
seus investimentos dependentes da rapidez da câmara municipal”.
Empresas
Quanto aos
empresários de Lisboa, Moedas acredita que estes “precisam de ter uma
oportunidade para se voltarem a pôr de pé”. Neste sentido, propõe a criação do
cheque Recuperar+, que “oferece um apoio a fundo perdido para que quem investe
em Lisboa volte a ter uma hipótese de criar valor na cidade”.
Este programa
servirá para apoiar a “reabertura dos negócios e actividades de pequenas e
médias empresas, e de empresários em nome individual, no sector da indústria,
comércio a retalho, restauração, actividades desportivas, actividades culturais
e artísticas da cidade, durante um prazo a definir, em função da evolução
económica”.
Comércio
Carlos Moedas
pretende também impulsionar o comércio e o consumo de bairro, comprometendo-se
a “tornar definitivas na sua regulamentação normativa, no âmbito do urbanismo e
do espaço público, as decisões que facilitaram a instalação de esplanadas em
contexto de apoio excepcional ao comércio durante a pandemia” e a apoiar
financeiramente a instalação de novas esplanadas e a melhoria das existentes.
As propostas
passam também por isentar “os quiosques e as esplanadas do pagamento de taxas
durante o período de dois anos” e por “estabelecer três semanas como o prazo de
referência para o licenciamento dos estabelecimentos e actividades comerciais
de pequena e média dimensão, e o prazo de seis semanas em zonas de especial
protecção da cidade”.
Além disso,
Moedas pretende reconstruir ou relançar novos mercados
municipais, construir de raiz dois novos mercados municipais (em Belém e em
Campolide) e criar um plano para a criação de centros comerciais a céu aberto.
Turismo
O
social-democrata pretende estimular o sector do turismo em Lisboa, tendo o
objectivo de “potenciar o crescimento da cidade do ponto de vista turístico,
para outras zonas e para a Área Metropolitana de Lisboa, promovendo
concertadamente os destinos nos vários municípios da região”.
Carlos Moedas
quer “aumentar a estadia média de cada visitante, aumentando a oferta de
experiências culturais da cidade” e “potenciar o turismo de negócios e
conferências com aumento de infra-estruturas”, com a construção de um Novo
Centro de Congressos de Lisboa.
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