quarta-feira, 29 de setembro de 2021

Lisboa: os novos “velhos tempos” / Quais são as propostas de Carlos Moedas para Lisboa?

 


MEGAFONE

Lisboa: os novos “velhos tempos”

 

A capital foi governada em função da atracção de investimento imobiliário, do turismo de massas, dos grandes eventos internacionais, dos hubs de empreendedorismo e dos nómadas digitais. Suspeito que o projecto de Fernando Medina – a cidade encarada enquanto produto – será aprofundado por Carlos Moedas, mas agora de forma menos dissimulada.

 

Sebastião Ferreira de Almeida

Sebastião é bolseiro de doutoramento em Arquitectura dos Territórios Metropolitanos Contemporâneos e investigador no DINAMIA’CET

 

27 de Setembro de 2021, 18:32

https://www.publico.pt/2021/09/27/p3/cronica/lisboa-novos-velhos-tempos-1978977

 

Fernando Medina caiu em Lisboa, algo que já era possível adivinhar, não através das sondagens, mas do enorme descontentamento e desgaste sentido nas ruas. O antigo presidente da câmara não governou para os seus eleitores, antes pelo contrário: estes foram sendo expulsos ou desistiram de viver na cidade ao longo do seu mandato, como comprovam os resultados recentes do Censos 2021.

 

Na última década a cidade perdeu 7849 habitantes. Metade das suas freguesias registaram uma evolução demográfica negativa, atingindo no centro histórico quedas superiores a 20%. Os preços da habitação subiram exponencialmente coadjuvados pelos vistos gold, o estatuto de residente não habitual, a alteração à lei dos arrendamentos de Assunção Cristas e a desregulação reinante no mercado imobiliário – agravada pelas novas e intocáveis plataformas de alojamento local.

 

Lisboa continuará a ser regida pelos ratings globais da competitividade (e não pelo esforço de reduzir as desigualdades), pelos unicórnios inovadores, pelos grandes eventos e pela implacável inflação dos preços do imobiliário.

 

A capital foi governada em função da atracção de investimento imobiliário, do turismo de massas, dos grandes eventos internacionais, dos hubs de empreendedorismo e dos nómadas digitais – em suma, do incremento da competitividade em prol da globalização. Fernando Medina seguiu à risca a cartilha de política económica neoliberal – o mercado comandou as políticas urbanas e não o inverso. Se, ao menos, o retorno do investimento obtido na capital tivesse sido redistribuído no sentido da redução das desigualdades e problemas urbanos a nível metropolitano (do qual era presidente da associação de municípios), poderíamos vislumbrar alguma ponta de socialismo. Mas não, Medina fez tudo para alimentar a bola de neve – canalizou milhões de euros para os grandes projectos urbanos imaginados por Ricardo Salgado e alienou grande parte do património municipal para privados.

 

A pandemia de covid-19 expôs as enormes vulnerabilidades deste modelo a nível social, económico e sanitário. Com menos moradores e uma economia pouco diversificada – (sobre)dependente do sector turístico e imobiliário –, os apoios para manter a capacidade produtiva instalada (ao nível do comércio, da restauração, do turismo) e suprir as enormes carências sociais numa cidade que se vive em esforço tiveram que ser hercúleos. Silêncio aterrador nas ruas vazias, surtos de covid-19 nas habitações sobrelotadas onde vivem os imigrantes, os estudantes, os jovens adultos, etc.

 

Suspeito que o projecto de Fernando Medina – a cidade encarada enquanto produto – será aprofundado por Carlos Moedas, mas agora de forma menos dissimulada. A fábrica de unicórnios cujo objectivo é “trazer conhecimento e experiência de topo mundial para o empreendedorismo local”, a criação do Balcão Único para os empreendedores e investidores em Lisboa, o sonho de tornar Lisboa a capital Global da Economia azul são sinais de que o caminho iniciado não se vai inverter. A tentativa de resolução dos problemas de habitação via benesses fiscais ao nível dos créditos bancários para os jovens ou do parque público camarário – que aliás não difere grandemente da proposta de outros partidos – revela o desinteresse no âmbito da regulação do mercado imobiliário e será certamente uma resposta insuficiente face às graves carências verificadas.

 

 

Lisboa continuará a ser regida pelos ratings globais da competitividade (e não pelo esforço de reduzir as desigualdades), pelos unicórnios inovadores, pelos grandes eventos e pela implacável inflação dos preços do imobiliário. Gostava de estar enganado, mas pressinto que a capital se tornará um paraíso para as elites económicas nacionais e internacionais e um inferno proibitivo para os restantes cidadãos. Bem-vindos aos “novos tempos”, do quais de novo se antevê muito pouco.

 


AUTÁRQUICAS 2021

Quais são as propostas de Carlos Moedas para Lisboa?

 

O programa eleitoral do vencedor à Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, contempla inúmeras medidas, desde a habitação às empresas, impostos e saúde. O PÚBLICO reuniu as principais propostas do ex-comissário europeu para Lisboa em dez tópicos essenciais.

 

Filipa Almeida Mendes

27 de Setembro de 2021, 15:50

https://www.publico.pt/2021/09/27/politica/noticia/sao-propostas-carlos-moedas-lisboa-1978930

 

Em noite de eleições autárquicas, a grande surpresa chegou da capital, com Carlos Moedas e a coligação que encabeça, Novos Tempos — que conta com o apoio do PSD, CDS, Aliança, MPT e PPM —, a ganharem a corrida à Câmara Municipal de Lisboa (CML), derrotando o então presidente da autarquia lisboeta e recandidato socialista Fernando Medina.

 

O programa eleitoral de Carlos Moedas contempla inúmeras medidas, desde a habitação às empresas, impostos e saúde. O PÚBLICO reuniu as principais propostas do ex-comissário europeu para Lisboa em dez tópicos essenciais:

 

Empreendedorismo e inovação

A primeira proposta passa por tornar Lisboa uma capital de inovação, através da criação de uma “fábrica de unicórnios”, um “espaço que vai potenciar as start-ups lisboetas para que se possam tornar unicórnios” e onde “especialistas de todo o mundo” poderão encontrar uma “linha de montagem, que ajudará à maturação e à resiliência de projectos que devem começar na cidade e acabar como marcas globais”.

 

O objectivo é “trazer conhecimento e experiência de topo mundial para o empreendedorismo local”.

 

Neste âmbito, está também prevista a criação de um Balcão Único para os empreendedores e investidores em Lisboa, “fundindo e reforçando entidades fragmentadas como a Start-Up Lisboa, a Invest Lisboa e a Direcção de Economia da CML, trabalhando em articulação com entidades privadas”.

 

Sustentabilidade e economia azul

Outro dos objectivos do social-democrata passa por criar em Lisboa o centro mundial da economia do mar, com o programa a destacar que “Lisboa já foi a cidade portuária mais importante do mundo” e, “na era da sustentabilidade e da economia azul, pode e deve voltar a ser uma referência internacional nesta área”.

 

Moedas assume querer “construir em Lisboa as infra-estruturas necessárias para a tornar uma capital global da economia do mar” e “focar a sua economia em sectores mais amigos do ambiente”.

 

Cultura

A cultura faz também parte das preocupações do candidato eleito, que pretende construir espaços LXIS em todas as freguesias, “para que os lisboetas tenham uma casa de cultura, de interacção com pessoas com os mesmos interesses e que lhes dê uma oportunidade para sonhar com uma carreira nas artes”. Estes espaços “vão tentar dar aos lisboetas uma sala que pode servir como teatro, sala de concertos, sala de dança ou o que quer que seja preciso para se expressarem”.

 

Por outro lado, Moedas pretende tornar o Parque Mayer um “centro nacional de Cultura, que reúna espectáculos profissionais e espaços de aprendizagem artística, chefs a começar e os melhores chefs do país a aprender e a cozinhar e espaços de co-work e laboratórios que criem também uma casa para a nossa ciência”.

 

Impostos

O social-democrata destaca ainda que uma parte do que se paga no IRS é definida pelo concelho onde se vive e diz acreditar que “os lisboetas não merecem que a câmara municipal ainda fique com mais uma parcela dos seus rendimentos através do IRS”. Por isso, garante que “tudo” fará para que “nada seja cobrado aos lisboetas por responsabilidade da CML”, admitindo uma descida de impostos que pode chegar a 5%.

 

Saúde

No que diz respeito à Saúde, Moedas pretende “construir um Estado social local mais forte, oferecendo seguros de saúde gratuitos a todos os lisboetas com mais de 65 anos que precisem”.

 

O candidato recém-eleito espera ainda “construir, no espaço de um ano, quatro centros intergeracionais com residências para idosos e creches e ocupação de tempos livres, na Ajuda, no Bairro da Liberdade, no Bairro das Garridas, e na Avenida Álvaro Pais” e criar repúblicas seniores, ou seja, “residências de habitação partilhada por idosos, que sejam autónomos, disponibilizadas pela CML, geridas em cooperação com entidades do terceiro sector”.

 

Mobilidade

Impulsionar o uso dos transportes públicos está também na agenda de Carlos Moedas, que promete que todos os lisboetas com menos de 23 anos e mais de 65 anos terão direito a um passe gratuito da Carris. “Queremos encorajar os mais novos a andar de transportes públicos e dar também aos mais velhos a possibilidade de deixarem facilmente o carro”, assume, em linha com o objectivo da transição verde.

 

Outra das medidas defendidas pelo vencedor à Câmara de Lisboa é aplicar descontos de 50% no estacionamento EMEL para residentes em toda a cidade. “Se os lucros da EMEL não servem os lisboetas, a empresa não se pode servir deles”, defende.

 

Moedas propõe ainda “a eliminação da barreira ferroviária entre a cidade e o rio, acabando com a linha de comboio de superfície entre Algés e o Cais do Sodré”, de forma a melhorar a qualidade de vida dos residentes e a “esbater as barreiras que impedem os lisboetas de aproveitar os espaços mais emblemáticos da sua cidade”.

 

Habitação

No que diz respeito à habitação, Carlos Moedas assume que os valores imobiliários se tornaram “incomportáveis para muitos jovens lisboetas”. Para combater esse problema, propõe “uma isenção de IMT para jovens, com menos de 35 anos, a comprar a primeira casa” e a “transformação dos edifícios devolutos que a CML deixou ao abandono em habitação para jovens com custos ajustados”.

 

O cabeça de lista da coligação Novos Tempos assume ainda que “a cidade precisa urgentemente de renovação urbanística e nova construção para tornar as rendas mais acessíveis”, comprometendo-se “com um prazo de seis meses para responder a pedidos de licenciamento urbanístico, para que nenhum lisboeta fique com os seus investimentos dependentes da rapidez da câmara municipal”.

 

Empresas

Quanto aos empresários de Lisboa, Moedas acredita que estes “precisam de ter uma oportunidade para se voltarem a pôr de pé”. Neste sentido, propõe a criação do cheque Recuperar+, que “oferece um apoio a fundo perdido para que quem investe em Lisboa volte a ter uma hipótese de criar valor na cidade”.

 

Este programa servirá para apoiar a “reabertura dos negócios e actividades de pequenas e médias empresas, e de empresários em nome individual, no sector da indústria, comércio a retalho, restauração, actividades desportivas, actividades culturais e artísticas da cidade, durante um prazo a definir, em função da evolução económica”.

 

Comércio

Carlos Moedas pretende também impulsionar o comércio e o consumo de bairro, comprometendo-se a “tornar definitivas na sua regulamentação normativa, no âmbito do urbanismo e do espaço público, as decisões que facilitaram a instalação de esplanadas em contexto de apoio excepcional ao comércio durante a pandemia” e a apoiar financeiramente a instalação de novas esplanadas e a melhoria das existentes.

 

As propostas passam também por isentar “os quiosques e as esplanadas do pagamento de taxas durante o período de dois anos” e por “estabelecer três semanas como o prazo de referência para o licenciamento dos estabelecimentos e actividades comerciais de pequena e média dimensão, e o prazo de seis semanas em zonas de especial protecção da cidade”.

 

Além disso, Moedas pretende reconstruir ou relançar novos mercados municipais, construir de raiz dois novos mercados municipais (em Belém e em Campolide) e criar um plano para a criação de centros comerciais a céu aberto.

 

Turismo

O social-democrata pretende estimular o sector do turismo em Lisboa, tendo o objectivo de “potenciar o crescimento da cidade do ponto de vista turístico, para outras zonas e para a Área Metropolitana de Lisboa, promovendo concertadamente os destinos nos vários municípios da região”.

 

Carlos Moedas quer “aumentar a estadia média de cada visitante, aumentando a oferta de experiências culturais da cidade” e “potenciar o turismo de negócios e conferências com aumento de infra-estruturas”, com a construção de um Novo Centro de Congressos de Lisboa.

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