terça-feira, 28 de setembro de 2021

As “sete vidas” de Rui Rio / Moedas criou “um ciclo próprio” que só agora está a começar

 


EDITORIAL

As “sete vidas” de Rui Rio

 

Sem quadros que pensem pela sua cabeça (logo, que critiquem o líder), sem liberdade para a discussão aberta, sem antenas para captar o que muda na economia ou na sociedade, o PSD tem a sua missão mais dificultada.

 

Manuel Carvalho

27 de Setembro de 2021, 21:30

https://www.publico.pt/2021/09/27/politica/editorial/sete-vidas-rui-rio-1978997

 

Nas autárquicas de 2001, Rui Rio enfrentou Fernando Gomes, o candidato socialista que na década anterior tinha tirado o Porto do marasmo, e Rui Rio ganhou contra todas as previsões. Em 2019, face a uma ofensiva de Luís Montenegro, arrisca com a convocação de um conselho extraordinário e derrota o seu adversário. Um ano depois, com um resultado decepcionante nas legislativas de 2019, volta a ser contestado e volta a ganhar as directas do PSD. Este ano, perante a estagnação do PSD nas sondagens e as perspectivas de resultados desanimadores nas eleições autárquicas, novos opositores emergem e Rui Rio parece estar outra vez perto do fim de linha, mas, uma vez mais, contra todas as previsões, sai por cima.

 

Como explicar a natureza e o destino deste político-sempre-em-pé, que abana regularmente até ao limite da sustentabilidade para se reerguer no momento mais crítico? Uma frase de Miguel Veiga, uma figura maior do PSD e do Porto, ajuda a explicar o mistério: “Ele é melhor quando está sob pressão.” É, de facto, nestes momentos que a obstinação, a coragem e o rasgo de Rui Rio melhor se manifestam. Porque, em todos os outros momentos, o que se extrai do seu perfil é a imagem de um político previsível, ressentido com as críticas e incapaz de lançar pontes para captar energia e talento. Salva-se no tudo-ou-nada, perde-se na gestão contínua. É um político para grandes momentos, não para a rotina que tanto faz parte do poder como da oposição.

 

Dizer que depois das autárquicas Rio tem o caminho aberto para disputar as próximas legislativas tem de contar com estas duas faces. Ter Lisboa, Barcelos ou o Funchal à mão, ajuda, mas não resolve tudo. O seu maior problema, o maior problema do PSD, não está no discurso ou no posicionamento por vezes heterodoxo para um partido que foi capaz de federar liberais e sociais-democratas, funcionários públicos e empresários, jovens e velhos, o litoral e o interior: está na sua dificuldade de reunir o que de melhor o PSD pode ter. Sem quadros que pensem pela sua cabeça (logo, que o critiquem), sem liberdade para a discussão aberta, sem antenas para captar o que muda na economia ou na sociedade, o PSD tem a sua missão mais dificultada.

 

As autárquicas produziram um suplemento de alma, certo. Mas, mesmo que Rui Rio tenha “sete vidas”, este PSD sem rebeldia nem rasgo ainda tem muito para andar. Depois de inverter as tendências favoráveis ao PS, Rio tem agora condições únicas para reagir à pressão que, como dizia Miguel Veiga, o torna “melhor”.

 

tp.ocilbup@ohlavrac.leunam

 


AUTÁRQUICAS 2021

Moedas criou “um ciclo próprio” que só agora está a começar

 

Em Belém, antevê-se já um “novo ciclo” político, mas não quando e como se fará a viragem. Marcelo pode ter finalmente à mão a alternativa forte que vem pedindo há anos.

 

Leonete Botelho

28 de Setembro de 2021, 6:00

https://www.publico.pt/2021/09/28/politica/noticia/moedas-criou-ciclo-proprio-so-comecar-1979008

 

As eleições autárquicas abriram um novo ciclo político… a retardador: mostraram que há no país uma tendência de mudança à direita, mas ninguém sabe ainda quando será o momento da viragem. É assim que os resultados das autárquicas são vistos em Belém e esse momento de viragem preocupa o Presidente da República. No day after das autárquicas, cauteloso, o chefe de Estado insistiu no mantra da estabilidade: “Crises políticas nos próximos dois anos não fazem sentido, importa que haja Orçamento de Estado para 2022 e 2023”.

 

Em Coimbra, um dos concelhos mais simbólicos da mudança do PS para o PSD, Marcelo Rebelo de Sousa resistiu às investidas dos jornalistas e não deixou cair uma palavra que fosse para além do que tem dito desde que começou o segundo mandato: “Estamos numa legislatura que termina em 2023, estamos a começar a aplicar o Plano de Recuperação e Resiliência e os fundos estruturais”, e ainda no rescaldo da pandemia. Não há margem para imprevistos, depreende-se - pero que los hay, los hay, como mostraram as autárquicas.

 

O ambiente político está em mudança e não é só o ‘quando’ e o ‘como’ que merecem a atenção da Presidência da República – a outra incógnita, provavelmente a mais importante, é quem vai liderar a mudança. “Paulo Rangel estava preparado para avançar esta semana, mas o seu caminho ficou muito mais difícil”, ouviu o PÚBLICO em Belém. Rui Rio viu a sua liderança reforçada com algumas vitórias de peso – umas claramente apostas suas, outras nem por isso, como é o caso de Carlos Moedas em Lisboa.

 

A vitória em Lisboa foi sobretudo do antigo comissário europeu, que fica agora “numa posição muito forte para mais tarde marcar a viragem”, comenta-se em Belém. “Moedas criou um ciclo próprio”, entendem os mais próximos de Marcelo, convictos, porém, que esse ciclo tem uma primeira etapa que passa por conseguir governar a câmara da capital: “Ele é muito bom em estabelecer consensos, mas se houver ruptura iminente, pode sempre forçar eleições intercalares e reforçar a votação em novas eleições”.

 

Certo é que, finalmente, a direita parece fornecer uma alternativa que agrada a Marcelo Rebelo de Sousa. Há anos que defende, em privado, as qualidades de Carlos Moedas, enquanto em público vai pedido uma alternativa forte. Em Março, quando o então administrador da Fundação Calouste Gulbenkian anunciou a sua candidatura à câmara da capital, algumas notícias davam conta de que Marcelo teria dado um empurrão à sua decisão.

 

O seu irmão, o advogado Pedro Rebelo de Sousa, foi aliás um dos apoiantes da candidatura de Moedas, assim como Jorge Marrão, fundador do think tank Movimento Europa e Liberdade (MEL). E o encontro entre Marcelo e Moedas na Feira do Livro de Lisboa a um mês das autárquicas - que aconteceu como que por acaso mas que, por acaso, Fernando Medina evitou por estar em pré-campanha -, foi convenientemente registado pelas câmaras de televisão e máquinas fotográficas dos jornalistas.

 

Antes da tomada de posse para o segundo mandato, Marcelo Rebelo de Sousa já antevia vários ciclos nos cinco anos seguintes, dizendo mesmo que o seu mandato tinha vários mandatos dentro. O primeiro ciclo, que então chamou o da “clarificação”, era precisamente marcado pelas eleições autárquicas e pelo fim da pandemia. Já então apontava ao PÚBLICO que o tiro de partida tinha sido dado com a apresentação da candidatura de Carlos Moedas a Lisboa, que fez mexer o tabuleiro político, da direita à esquerda. À direita, porque afastava a hipótese do regresso triunfal de Passos Coelho. À esquerda, ameaçava – como agora se confirmou – a hegemonia do PS simbolizada na maior autarquia do país.

 

Este primeiro ciclo só se vai fechar no início de 2022, quando PSD e CDS discutirem as suas lideranças, agora reforçadas com os resultados das eleições autárquicas. Certo é que, no discurso de vitória, Carlos Moedas não valorizou nem Rui Rio nem Francisco Rodrigues dos Santos. Pelo contrário, preferiu nomear um a um os seus apoiantes mais próximos e anunciar que estavam prontos para os “Novos Tempos”, seu lema de campanha.

 

tp.ocilbup@ohletobl

 

AUTÁRQUICAS 2021

Críticos de Rio avisam que “não são favas contadas”

 

Miguel Relvas reconhece que o PSD ganhou as autárquicas mas considera que o partido ainda não se construiu como “alternativa” ao PS.

 

Sofia Rodrigues

28 de Setembro de 2021, 6:43

https://www.publico.pt/2021/09/28/politica/noticia/vitoria-psd-deixa-aberto-disputa-interna-1979001

 

Com leituras divergentes sobre os contornos da vitória eleitoral do PSD nas autárquicas, as várias correntes sociais-democratas – entre os mais alinhados com Rui Rio e os seus críticos – parecem apenas convergir num ponto: a conquista de Lisboa veio baralhar os dados e recomenda prudência na próxima disputa eleitoral interna.

 

No day-after da vitória social-democrata, o partido ainda está a digerir os resultados sem que seja cristalino o que vão fazer potenciais candidatos à liderança do partido como Paulo Rangel ou Luís Montenegro. O balanço de Rui Rio para o próximo ciclo ficou evidente na noite eleitoral, mas o certo é que todos – incluindo a direcção – se estão a desdobrar em contactos para medir o pulso ao partido.

 

Paulo Rangel, no artigo semanal que escreve para o PÚBLICO, faz uma pausa antes de próximos voos. “Não é, pois, ainda o tempo da chamada clarificação interna nem do debate interno. Como bem disse o presidente do PSD, estamos ainda no perímetro do ciclo autárquico, das suas implicações e repercussões. A seu tempo, virá o ciclo eleitoral normal do PSD e, aí sim, cada militante será chamado a assumir as suas responsabilidades”, escreveu. No artigo, o eurodeputado elogiou Carlos Moedas, assumiu a defesa de medidas internas – como os contactos das estruturas locais e até nacionais com a rede de quadros espalhada pelo país – mas também a de um programa partidário, lançando as suas prioridades e as linhas da oposição ao Governo.

 

O silêncio é agora o melhor conselheiro entre os vários protagonistas e ninguém quer arriscar assumir uma posição definitiva até porque terá de haver um conselho nacional – para discutir os resultados eleitorais – e Rui Rio irá gerir o calendário conforme lhe for mais conveniente.

 

Os críticos admitem a vitória do PSD mas não projectam o mesmo sucesso nas legislativas frente a António Costa. “O PSD ganhou as eleições de forma clara. A questão de construir uma alternativa de governo é uma circunstância diferente das autárquicas. As autárquicas demonstraram a minha convicção: há um cansaço da governação socialista. Só não se reflecte na percepção nacional porque não há alternativa”, afirmou ao PÚBLICO Miguel Relvas, antigo número dois no Governo de Passos Coelho.

 

O antigo dirigente nacional do PSD elogia o seu antigo colega de Governo e coloca-lhe desafios na capital: “Carlos Moedas teve um excelente resultado, é uma vitória mais pessoal do que partidária e tem todas as condições para impor um modelo de gestão moderna e galvanizadora. Terá de ter muita espertice política no enquadramento em que a câmara está.”

 

Miguel Relvas, crítico da actual direcção, antevê no PSD possíveis surpresas à semelhança do que aconteceu nesta noite eleitoral de domingo. “Nada está decidido no partido. Quem julga que são favas contadas está enganado”, assegura.

 

Dentro do partido há quem admita que este resultado eleitoral tenha tornado ainda mais evidente a necessidade de um entendimento entre os eventuais candidatos à liderança contra Rui Rio. Os apoiantes de Paulo Rangel acreditam que o eurodeputado é o melhor posicionado para o embate contra o actual líder do partido até porque disputam eleitorado interno. E desvalorizam a influência determinante do score eleitoral autárquico no peso interno do actual líder.

 

“As pessoas que estavam descontentes com Rui Rio não passaram, de repente, a estar contentes com Rui Rio”, observou um próximo de Paulo Rangel, que vê como irreversíveis os apoios já conquistados, sobretudo, no distrito do Porto. É neste distrito que o actual líder social-democrata teve vantagem nas últimas directas.

 

Por outro lado, os apoiantes do eurodeputado acreditam que a percepção de vitória eleitoral se vai dissipar nas próximas semanas com o regresso à discussão do Orçamento do Estado e a atenção a voltar a estar virada para a performance do líder do partido.

 

Se Coimbra e Barcelos são “vitórias pessoais” de Rui Rio, o sucesso não capitaliza todo o desgaste do Governo, segundo os críticos. Já David Justino, vice-presidente do PSD, acredita que o resultado do PS vai ter “implicações" na governação socialista.

 

Nos sectores mais afectos à actual liderança, é também ponto assente que a conquista inesperada de Lisboa veio dar ao presidente do partido o argumento que lhe permite concentrar-se nas legislativas de 2023. “Agora, Rui Rio só tem de desalojar o inquilino em São Bento”, gracejou um apoiante. O próprio líder social-democrata assumiu, na noite eleitoral, que o PSD ficou “em melhores condições” para disputar as próximas legislativas.

 

Entre os entusiastas de Rio, há quem declare que o resultado do PSD “é uma vitória pessoal” do líder do partido, estendendo-lhe a passadeira vermelha para um novo mandato. É certo que mudou o xadrez interno e deverá obrigar a um compasso de espera de alguns dias até que se consigam perceber todos os detalhes das votações do PSD com as dimensões exactas das vitórias e derrotas. 

 

Os sociais-democratas assumiram a presidência de 113 municípios, um resultado que supera o de 2013 e o de 2017, quando Passos Coelho era líder do partido. Os apoiantes da direcção valorizam as conquistas de Coimbra, Barcelos (em que Rio apresentou um candidato contra as estruturas locais), Portalegre e a entrada em quatro municípios em Évora, mas os críticos lembram a perda da Guarda, capital de distrito, para um dissidente do PSD, e as baixas noutros locais inesperados como nas Caldas da Rainha.

 

Miguel Poiares Maduro, dirigente do conselho consultivo do conselho estratégico nacional do PSD, defende que “o PSD pode, se for inteligente, ter aqui o gatilho para uma recuperação política mais forte”. Na TSF, o antigo ministro de Passos Coelho considerou, no entanto, que o resultado “ainda não oferece uma alternativa forte nem permite declarar o fim da sua crise existencial [do centro-direita]. O gatilho parece estar à mão, resta saber quem irá disparar os tiros. 

 

tp.ocilbup@seugirdors

 

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