EDITORIAL
As “sete vidas” de Rui Rio
Sem quadros que pensem pela sua cabeça (logo, que critiquem
o líder), sem liberdade para a discussão aberta, sem antenas para captar o que
muda na economia ou na sociedade, o PSD tem a sua missão mais dificultada.
Manuel Carvalho
27 de Setembro de
2021, 21:30
https://www.publico.pt/2021/09/27/politica/editorial/sete-vidas-rui-rio-1978997
Nas autárquicas
de 2001, Rui Rio enfrentou Fernando Gomes, o candidato socialista que na década
anterior tinha tirado o Porto do marasmo, e Rui Rio ganhou contra todas as
previsões. Em 2019, face a uma ofensiva de Luís Montenegro, arrisca com a
convocação de um conselho extraordinário e derrota o seu adversário. Um
ano depois, com um resultado decepcionante nas legislativas de 2019, volta a
ser contestado e volta a ganhar as directas do PSD. Este ano, perante a
estagnação do PSD nas sondagens e as perspectivas de resultados desanimadores
nas eleições autárquicas, novos opositores emergem e Rui Rio parece estar outra
vez perto do fim de linha, mas, uma vez mais, contra todas as previsões, sai
por cima.
Como explicar a
natureza e o destino deste político-sempre-em-pé, que abana regularmente até ao
limite da sustentabilidade para se reerguer no momento mais crítico? Uma frase
de Miguel Veiga, uma figura maior do PSD e do Porto, ajuda a explicar o
mistério: “Ele é melhor quando está sob pressão.” É, de facto, nestes momentos
que a obstinação, a coragem e o rasgo de Rui Rio melhor se manifestam. Porque,
em todos os outros momentos, o que se extrai do seu perfil é a imagem de um
político previsível, ressentido com as críticas e incapaz de lançar pontes para
captar energia e talento. Salva-se no tudo-ou-nada, perde-se na gestão
contínua. É um político para grandes momentos, não para a rotina que tanto faz
parte do poder como da oposição.
Dizer que depois
das autárquicas Rio tem o caminho aberto para disputar as próximas legislativas
tem de contar com estas duas faces. Ter Lisboa, Barcelos ou o Funchal à mão,
ajuda, mas não resolve tudo. O seu maior problema, o maior problema do PSD, não
está no discurso ou no posicionamento por vezes heterodoxo para um partido que
foi capaz de federar liberais e sociais-democratas, funcionários públicos e
empresários, jovens e velhos, o litoral e o interior: está na sua dificuldade
de reunir o que de melhor o PSD pode ter. Sem quadros que pensem pela sua
cabeça (logo, que o critiquem), sem liberdade para a discussão aberta, sem
antenas para captar o que muda na economia ou na sociedade, o PSD tem a sua
missão mais dificultada.
As autárquicas
produziram um suplemento de alma, certo. Mas, mesmo que Rui Rio tenha “sete
vidas”, este PSD sem rebeldia nem rasgo ainda tem muito para andar. Depois de
inverter as tendências favoráveis ao PS, Rio tem agora condições únicas para
reagir à pressão que, como dizia Miguel Veiga, o torna “melhor”.
AUTÁRQUICAS 2021
Moedas criou “um ciclo próprio” que só agora está a
começar
Em Belém, antevê-se já um “novo ciclo” político, mas não
quando e como se fará a viragem. Marcelo pode ter finalmente à mão a
alternativa forte que vem pedindo há anos.
Leonete Botelho
28 de Setembro de
2021, 6:00
https://www.publico.pt/2021/09/28/politica/noticia/moedas-criou-ciclo-proprio-so-comecar-1979008
As eleições
autárquicas abriram um novo ciclo político… a retardador: mostraram que há no
país uma tendência de mudança à direita, mas ninguém sabe ainda quando será o
momento da viragem. É assim que os resultados das autárquicas são vistos em
Belém e esse momento de viragem preocupa o Presidente da República. No day
after das autárquicas, cauteloso, o chefe de Estado insistiu no mantra da
estabilidade: “Crises políticas nos próximos dois anos não fazem sentido,
importa que haja Orçamento de Estado para 2022 e 2023”.
Em Coimbra, um
dos concelhos mais simbólicos da mudança do PS para o PSD, Marcelo Rebelo de
Sousa resistiu às investidas dos jornalistas e não deixou cair uma palavra que
fosse para além do que tem dito desde que começou o segundo mandato: “Estamos
numa legislatura que termina em 2023, estamos a começar a aplicar o Plano de
Recuperação e Resiliência e os fundos estruturais”, e ainda no rescaldo da
pandemia. Não há margem para imprevistos, depreende-se - pero que los hay, los
hay, como mostraram as autárquicas.
O ambiente
político está em mudança e não é só o ‘quando’ e o ‘como’ que merecem a atenção
da Presidência da República – a outra incógnita, provavelmente a mais
importante, é quem vai liderar a mudança. “Paulo Rangel estava preparado para
avançar esta semana, mas o seu caminho ficou muito mais difícil”, ouviu o
PÚBLICO em Belém. Rui Rio viu a sua liderança reforçada com algumas vitórias de
peso – umas claramente apostas suas, outras nem por isso, como é o caso de
Carlos Moedas em Lisboa.
A vitória em
Lisboa foi sobretudo do antigo comissário europeu, que fica agora “numa posição
muito forte para mais tarde marcar a viragem”, comenta-se em Belém. “Moedas
criou um ciclo próprio”, entendem os mais próximos de Marcelo, convictos,
porém, que esse ciclo tem uma primeira etapa que passa por conseguir governar a
câmara da capital: “Ele é muito bom em estabelecer consensos, mas se houver
ruptura iminente, pode sempre forçar eleições intercalares e reforçar a votação
em novas eleições”.
Certo é que,
finalmente, a direita parece fornecer uma alternativa que agrada a Marcelo
Rebelo de Sousa. Há anos que defende, em privado, as qualidades de Carlos
Moedas, enquanto em público vai pedido uma alternativa forte. Em Março, quando
o então administrador da Fundação Calouste Gulbenkian anunciou a sua
candidatura à câmara da capital, algumas notícias davam conta de que Marcelo
teria dado um empurrão à sua decisão.
O seu irmão, o
advogado Pedro Rebelo de Sousa, foi aliás um dos apoiantes da candidatura de
Moedas, assim como Jorge Marrão, fundador do think tank Movimento Europa e
Liberdade (MEL). E o encontro entre Marcelo e Moedas na Feira do Livro de
Lisboa a um mês das autárquicas - que aconteceu como que por acaso mas que, por
acaso, Fernando Medina evitou por estar em pré-campanha -, foi convenientemente
registado pelas câmaras de televisão e máquinas fotográficas dos jornalistas.
Antes da tomada
de posse para o segundo mandato, Marcelo Rebelo de Sousa já antevia vários
ciclos nos cinco anos seguintes, dizendo mesmo que o seu mandato tinha vários
mandatos dentro. O primeiro ciclo, que então chamou o da “clarificação”, era
precisamente marcado pelas eleições autárquicas e pelo fim da pandemia. Já
então apontava ao PÚBLICO que o tiro de partida tinha sido dado com a
apresentação da candidatura de Carlos Moedas a Lisboa, que fez mexer o
tabuleiro político, da direita à esquerda. À direita, porque afastava a
hipótese do regresso triunfal de Passos Coelho. À esquerda, ameaçava – como
agora se confirmou – a hegemonia do PS simbolizada na maior autarquia do país.
Este primeiro
ciclo só se vai fechar no início de 2022, quando PSD e CDS discutirem as suas
lideranças, agora reforçadas com os resultados das eleições autárquicas. Certo
é que, no discurso de vitória, Carlos Moedas não valorizou nem Rui Rio nem
Francisco Rodrigues dos Santos. Pelo contrário, preferiu nomear um a um os seus
apoiantes mais próximos e anunciar que estavam prontos para os “Novos Tempos”,
seu lema de campanha.
AUTÁRQUICAS 2021
Críticos de Rio avisam que “não são favas contadas”
Miguel Relvas reconhece que o PSD ganhou as autárquicas
mas considera que o partido ainda não se construiu como “alternativa” ao PS.
Sofia Rodrigues
28 de Setembro de
2021, 6:43
https://www.publico.pt/2021/09/28/politica/noticia/vitoria-psd-deixa-aberto-disputa-interna-1979001
Com leituras
divergentes sobre os contornos da vitória eleitoral do PSD nas autárquicas, as
várias correntes sociais-democratas – entre os mais alinhados com Rui Rio e os
seus críticos – parecem apenas convergir num ponto: a conquista de Lisboa veio
baralhar os dados e recomenda prudência na próxima disputa eleitoral interna.
No day-after da
vitória social-democrata, o partido ainda está a digerir os resultados sem que
seja cristalino o que vão fazer potenciais candidatos à liderança do partido
como Paulo Rangel ou Luís Montenegro. O balanço de Rui Rio para o próximo ciclo
ficou evidente na noite eleitoral, mas o certo é que todos – incluindo a
direcção – se estão a desdobrar em contactos para medir o pulso ao partido.
Paulo Rangel, no
artigo semanal que escreve para o PÚBLICO, faz uma pausa antes de próximos
voos. “Não é, pois, ainda o tempo da chamada clarificação interna nem do debate
interno. Como bem disse o presidente do PSD, estamos ainda no perímetro do
ciclo autárquico, das suas implicações e repercussões. A seu tempo, virá o
ciclo eleitoral normal do PSD e, aí sim, cada militante será chamado a assumir
as suas responsabilidades”, escreveu. No artigo, o eurodeputado elogiou Carlos
Moedas, assumiu a defesa de medidas internas – como os contactos das estruturas
locais e até nacionais com a rede de quadros espalhada pelo país – mas também a
de um programa partidário, lançando as suas prioridades e as linhas da oposição
ao Governo.
O silêncio é
agora o melhor conselheiro entre os vários protagonistas e ninguém quer
arriscar assumir uma posição definitiva até porque terá de haver um conselho
nacional – para discutir os resultados eleitorais – e Rui Rio irá gerir o
calendário conforme lhe for mais conveniente.
Os críticos
admitem a vitória do PSD mas não projectam o mesmo sucesso nas legislativas
frente a António Costa. “O PSD ganhou as eleições de forma clara. A questão de
construir uma alternativa de governo é uma circunstância diferente das
autárquicas. As autárquicas demonstraram a minha convicção: há um cansaço da
governação socialista. Só não se reflecte na percepção nacional porque não há
alternativa”, afirmou ao PÚBLICO Miguel Relvas, antigo número dois no Governo
de Passos Coelho.
O antigo
dirigente nacional do PSD elogia o seu antigo colega de Governo e coloca-lhe
desafios na capital: “Carlos Moedas teve um excelente resultado, é uma vitória
mais pessoal do que partidária e tem todas as condições para impor um modelo de
gestão moderna e galvanizadora. Terá de ter muita espertice política no
enquadramento em que a câmara está.”
Miguel Relvas,
crítico da actual direcção, antevê no PSD possíveis surpresas à semelhança do
que aconteceu nesta noite eleitoral de domingo. “Nada está decidido no partido.
Quem julga que são favas contadas está enganado”, assegura.
Dentro do partido
há quem admita que este resultado eleitoral tenha tornado ainda mais evidente a
necessidade de um entendimento entre os eventuais candidatos à liderança contra
Rui Rio. Os apoiantes de Paulo Rangel acreditam que o eurodeputado é o melhor
posicionado para o embate contra o actual líder do partido até porque disputam
eleitorado interno. E desvalorizam a influência determinante do score eleitoral
autárquico no peso interno do actual líder.
“As pessoas que
estavam descontentes com Rui Rio não passaram, de repente, a estar contentes
com Rui Rio”, observou um próximo de Paulo Rangel, que vê como irreversíveis os
apoios já conquistados, sobretudo, no distrito do Porto. É neste distrito que o
actual líder social-democrata teve vantagem nas últimas directas.
Por outro lado,
os apoiantes do eurodeputado acreditam que a percepção de vitória eleitoral se
vai dissipar nas próximas semanas com o regresso à discussão do Orçamento do
Estado e a atenção a voltar a estar virada para a performance do líder do
partido.
Se Coimbra e
Barcelos são “vitórias pessoais” de Rui Rio, o sucesso não capitaliza todo o
desgaste do Governo, segundo os críticos. Já David Justino,
vice-presidente do PSD, acredita que o resultado do PS vai ter
“implicações" na governação socialista.
Nos sectores
mais afectos à actual liderança, é também ponto assente que a conquista
inesperada de Lisboa veio dar ao presidente do partido o argumento que lhe
permite concentrar-se nas legislativas de 2023. “Agora, Rui Rio só tem de
desalojar o inquilino em São Bento”, gracejou um apoiante. O próprio líder
social-democrata assumiu, na noite eleitoral, que o PSD ficou “em melhores
condições” para disputar as próximas legislativas.
Entre os
entusiastas de Rio, há quem declare que o resultado do PSD “é uma vitória
pessoal” do líder do partido, estendendo-lhe a passadeira vermelha para um novo
mandato. É certo que mudou o xadrez interno e deverá obrigar a um compasso de
espera de alguns dias até que se consigam perceber todos os detalhes das
votações do PSD com as dimensões exactas das vitórias e derrotas.
Os
sociais-democratas assumiram a presidência de 113 municípios, um resultado que
supera o de 2013 e o de 2017, quando Passos Coelho era líder do partido. Os
apoiantes da direcção valorizam as conquistas de Coimbra, Barcelos (em que Rio
apresentou um candidato contra as estruturas locais), Portalegre e a entrada em
quatro municípios em Évora, mas os críticos lembram a perda da Guarda, capital
de distrito, para um dissidente do PSD, e as baixas noutros locais inesperados
como nas Caldas da Rainha.
Miguel Poiares
Maduro, dirigente do conselho consultivo do conselho estratégico nacional do
PSD, defende que “o PSD pode, se for inteligente, ter aqui o gatilho para uma
recuperação política mais forte”. Na TSF, o antigo ministro de Passos Coelho
considerou, no entanto, que o resultado “ainda não oferece uma alternativa
forte nem permite declarar o fim da sua crise existencial [do centro-direita].
O gatilho parece estar à mão, resta saber quem irá disparar os tiros.
tp.ocilbup@seugirdors
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