quarta-feira, 1 de setembro de 2021

Apaixonado por plantas, Tomás Tojo quer levar a natureza até todos — começando pelos jardins

 







PERFIL

Apaixonado por plantas, Tomás Tojo quer levar a natureza até todos — começando pelos jardins

 

Tomás Tojo foi o impulsionador do festival Jardins Abertos, que começou graças a uma troca de emails com uma amiga e dez euros, e que regressa a Lisboa nos dois primeiros fins-de-semana de Setembro. Passou por Londres, São Paulo e Índia, mas foi em Sintra que criou raízes enquanto procurava tranquilidade.

 

Mariana Marques Tiago (texto) e Nuno Ferreira Santos (fotos)

1 de Setembro de 2021, 7:30

https://www.publico.pt/2021/09/01/p3/perfil/apaixonado-plantas-tomas-tojo-quer-levar-natureza-ate-todos-comecando-jardins-1975361?fbclid=IwAR2oH8r_Jq9yAKP_7qoOXH8RThucrcwDPUGf3ok1L-tgLP0PAKn_Lp6euaM

 

Começou por experimentar golfe e equitação, mas rapidamente se aborrecia. Foi então que, com apenas oito anos, Tomás Tojo percebeu que o seu desporto preferido eram as plantas. Em 2017, quando viajava pela Índia (o seu país favorito), teve a ideia de enviar um email a Rosana Ribeiro, uma colega e amiga de longa data. E foi com esse email que tudo mudou. “Disse-lhe que tínhamos mesmo que fazer um festival ou um tipo de projecto cultural de sustentabilidade e ecologia, e que achava que passava pelos jardins”, recorda, em conversa com o P3. E assim nasceu o festival Jardins Abertos, cuja 8.ª edição, em Lisboa, está prestes a acontecer. O passo seguinte foi “bater à porta das pessoas e ver no Google Satélite quais os jardins particulares que poderiam ter mais interesse, já que parte do trabalho é descobrir estes segredos”.

 

Para quem tenta perceber de que evento se trata, isto pode ser um desafio, já que é objectivo da organização manter uma certa mística relativamente ao festival: “Tentamos não explicar muito o que é o festival porque queremos que as pessoas estejam em contacto com a natureza. A ideia era abrir os jardins e falar sobre a importância da preservação das espécies, de onde vêm, quais são os ecossistemas naturais... No fundo, partilhar aquilo que é o património vegetal de uma cidade.”

 

O único investimento que fez para arrancar com o projecto, sublinha, foram “dez euros para imprimir uns logótipos que um amigo conseguiu fazer, uma versão muito embrionária daquilo que é o logótipo hoje”.

 

Devido aos poucos recursos e ao facto de ser um festival com base na partilha, a equipa reuniu dez voluntários e abriu vagas para participantes. Num curto espaço de tempo receberam 3000 candidaturas, mas o festival apenas previa 80 inscrições. “Na altura foi um bocado intenso. Porque o festival é, desde o início, gratuito exactamente com o objectivo de abraçar qualquer comunidade.”

 

A chave foi alterar o modelo. Passaram de uma divisão em diferentes grupos e com vários percursos estabelecidos para a abertura dos jardins privados com voluntários à entrada, deixando ao livre critério de quem participa escolher o percurso que prefere. Esta nova metodologia também trouxe o apoio financeiro e logístico da Câmara Municipal de Lisboa.

 

Unindo a botânica à curiosidade, o festival rapidamente cresceu e passou de 80 para 8000 vagas, até atingir as 30 mil, divididas em duas edições num só ano (o caso de 2021). Para Tomás, isto “é um sinal incrível de que as pessoas têm interesse neste tema e que existe um lugar que acompanha uma tendência”. “As plantas têm lugar no Instagram, nas decorações, revistas de moda... No fundo, as plantas voltaram a ser bonitas.”

 

Agora, aquilo que começou com três pessoas é já uma equipa composta por 12, havendo presença de programadores culturais, produtores de conteúdo e designers. Também a bolsa de voluntários tem aumentado, contando este ano com 100. Nesta oitava edição do festival, nos fins-de-semana de 4 e 5 e 11 e 12 de Setembro, haverá uma programação diurna e nocturna, mantendo-se o formato híbrido, presencial e virtual, e o acesso livre.

 

“Já abrimos cerca de 60 jardins desde o início. O que esperamos? Que o festival se mantenha por muitos anos e que continue a crescer”, esclarece, acrescentando que um dos objectivos é levá-lo até ao Porto. O maior desafio é, admite, “a falta de recursos financeiros”.

 

Um jardim “pronto-a-comer”

Mas por detrás do festival que agora é um marco na cidade de Lisboa, há um jovem de 30 anos que já correu o mundo e que desde os oito sabe que o seu lugar é junto das plantas. Tomás cresceu em Vilamoura, onde a jardinagem entrou na sua vida. “Depois de ter experimentado vários desportos consegui fazer esta negociação com a minha mãe: comprávamos plantas aos fins-de-semana e eu, durante a semana, ia fazendo jardinagem”, conta.

 

E assim nasceu um primeiro jardim com 1000 metros quadrados que rapidamente foi transformado numa espécie de “pronto-a-comer”. “Comecei pelo jardim comestível. Tinha uma horta e fazia uma série de experiências, muita multiplicação de coisas que já tinha em casa (também para poupar algum dinheiro e recursos) e ia fazendo as minhas experiências botânicas também. Sempre fui muito de tentativa e erro. E acho que a jardinagem é mesmo sinónimo de exploração.”

 

Hoje é um espaço “bastante luxuoso”, mas criar e manter um jardim na infância não é fácil e, para isso, Tomás contou com mais oito mãos. Os avôs faziam o “trabalho árduo” e as avós dedicavam-se à botânica e ao paisagismo. Ao neto calhava a missão mais “leve”, mas também mais séria: observar.

 

Num percurso que teve início no Chapitô (onde estudou três anos) e que o levou ao Porto e a Lisboa, dedicou-se a conciliar a arte com a estética, design e inovação, em parte por influência da mãe, “uma mulher muito moderna”.

 

Mas Portugal deixou de conseguir dar resposta ao que Tomás procurava e tornou-se cada vez mais difícil assegurar um futuro. Por isso, decidiu emigrar: “Saí mesmo na altura da crise, particularmente desanimado, como muitas pessoas da nossa geração… Zangado, até, com o país.”

 

Foi Inglaterra que o acolheu, primeiro local de paragem, onde se focou em novas tecnologias, interactividade e realidades virtuais. O passo seguinte foi deixar a Europa para trás e rumar até ao Brasil, onde criou o projecto Green SP, de recuperação de plantas depositadas em cemitérios. “Tínhamos, no fundo, um hospital de plantas. Recuperávamos as que estavam boas e as que não estavam, tentávamos”, recorda. Depois eram plantadas em praças e jardins que estavam ao abandono.

 

Partilha de hortícolas: o futuro das cidades? 

A passagem pelas diferentes cidades e a azáfama vivida em cada uma delas trouxe-lhe uma sensação de pressa: “A cidade promove um pouco esse ritmo. Em Londres, era muito mais acelerado e tinha menos paciência para ver o meu jardim crescer.” A solução escondia-se no mais famoso microclima português: Sintra, onde há cerca de quatro anos, decidiu criar raízes. 

 

“É a maior mancha verde em Lisboa depois de Monsanto. Para além de que eu sou um romântico e Sintra é particularmente romântica”, confessa Tomás, entre risos. “Queria muito morar no campo porque achei que era mais tranquilo. Foi numa altura da minha vida em que decidi ter mais slow living.”

 

“Chego a casa e tenho courgettes à porta! Tendencialmente cultivo as coisas mais exóticas e os meus vizinhos, coisas mais convencionais, e trocamos entre nós. Isto é o que devia acontecer nas cidades.”

 

“Para começar basta um bocadinho de terra e uma semente”

“Antes dizia que era jardineiro e activista, mas disseram-me que quem é activista não precisa de dizer que o é. Também não sou bem jardineiro porque percebo dos jardins no geral, mas muitas vezes tenho equipas especializadas que me ajudam. Tenho particular interesse em desenhar e plantar os jardins… Isso faz de mim um jardineiro?”

 

A reflexão fica no ar, mas, apesar da incerteza, Tomás está seguro: o importante é “promover a consciência ambiental sem ser fundamentalista”, para que todos possamos “evoluir e respeitar o planeta”. “Parte do meu trabalho tem que ver com a valorização da profissão de jardineiro, que é uma profissão de sombra. Muitas vezes não reparamos que o trabalho está feito, mas se ele não estiver bem feito, reparamos logo.”

 

Para Tomás não há dúvidas: a hora de começar a valorizar a natureza é agora. E “para começar basta um bocadinho de terra e uma semente”. O truque, diz, é simples: ser resiliente. “As florestas são tão resilientes que se nós estivéssemos parados de braços cruzados, no espaço de uma década conseguiam ganhar quilómetros sozinhas, só pelas estratégias que têm. Esta é uma das melhores aprendizagens das florestas: a capacidade de ser resiliente.”

 

Texto editado por Ana Maria Henriques

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