PERFIL
Apaixonado por plantas, Tomás Tojo quer levar a natureza
até todos — começando pelos jardins
Tomás Tojo foi o impulsionador do festival Jardins
Abertos, que começou graças a uma troca de emails com uma amiga e dez euros, e
que regressa a Lisboa nos dois primeiros fins-de-semana de Setembro. Passou por
Londres, São Paulo e Índia, mas foi em Sintra que criou raízes enquanto
procurava tranquilidade.
Mariana Marques
Tiago (texto) e Nuno Ferreira Santos (fotos)
1 de Setembro de
2021, 7:30
Começou por
experimentar golfe e equitação, mas rapidamente se aborrecia. Foi então que,
com apenas oito anos, Tomás Tojo percebeu que o seu desporto preferido eram as
plantas. Em 2017, quando viajava pela Índia (o seu país favorito), teve a ideia
de enviar um email a Rosana Ribeiro, uma colega e amiga de longa data. E foi
com esse email que tudo mudou. “Disse-lhe que tínhamos mesmo que fazer um
festival ou um tipo de projecto cultural de sustentabilidade e ecologia, e que
achava que passava pelos jardins”, recorda, em conversa com o P3. E assim
nasceu o festival Jardins Abertos, cuja 8.ª edição, em Lisboa, está prestes a
acontecer. O passo seguinte foi “bater à porta das pessoas e ver no Google
Satélite quais os jardins particulares que poderiam ter mais interesse, já que
parte do trabalho é descobrir estes segredos”.
Para quem tenta
perceber de que evento se trata, isto pode ser um desafio, já que é objectivo
da organização manter uma certa mística relativamente ao festival: “Tentamos
não explicar muito o que é o festival porque queremos que as pessoas estejam em
contacto com a natureza. A ideia era abrir os jardins e falar sobre a
importância da preservação das espécies, de onde vêm, quais são os ecossistemas
naturais... No fundo, partilhar aquilo que é o património vegetal de uma
cidade.”
O único
investimento que fez para arrancar com o projecto, sublinha, foram “dez euros
para imprimir uns logótipos que um amigo conseguiu fazer, uma versão muito
embrionária daquilo que é o logótipo hoje”.
Devido aos poucos
recursos e ao facto de ser um festival com base na partilha, a equipa reuniu
dez voluntários e abriu vagas para participantes. Num curto espaço de tempo
receberam 3000 candidaturas, mas o festival apenas previa 80 inscrições. “Na
altura foi um bocado intenso. Porque o festival é, desde o início, gratuito
exactamente com o objectivo de abraçar qualquer comunidade.”
A chave foi
alterar o modelo. Passaram de uma divisão em diferentes grupos e com vários
percursos estabelecidos para a abertura dos jardins privados com voluntários à
entrada, deixando ao livre critério de quem participa escolher o percurso que
prefere. Esta nova metodologia também trouxe o apoio financeiro e logístico da
Câmara Municipal de Lisboa.
Unindo a botânica
à curiosidade, o festival rapidamente cresceu e passou de 80 para 8000 vagas,
até atingir as 30 mil, divididas em duas edições num só ano (o caso de 2021).
Para Tomás, isto “é um sinal incrível de que as pessoas têm interesse neste
tema e que existe um lugar que acompanha uma tendência”. “As plantas têm lugar
no Instagram, nas decorações, revistas de moda... No fundo, as plantas voltaram
a ser bonitas.”
Agora, aquilo que
começou com três pessoas é já uma equipa composta por 12, havendo presença de
programadores culturais, produtores de conteúdo e designers. Também a
bolsa de voluntários tem aumentado, contando este ano com 100. Nesta oitava
edição do festival, nos fins-de-semana de 4 e 5 e 11 e 12 de Setembro, haverá
uma programação diurna e nocturna, mantendo-se o formato híbrido,
presencial e virtual, e o acesso livre.
“Já abrimos cerca
de 60 jardins desde o início. O que esperamos? Que o festival se mantenha por
muitos anos e que continue a crescer”, esclarece, acrescentando que um dos
objectivos é levá-lo até ao Porto. O maior desafio é, admite, “a falta de
recursos financeiros”.
Um jardim
“pronto-a-comer”
Mas por detrás do
festival que agora é um marco na cidade de Lisboa, há um jovem de 30 anos que
já correu o mundo e que desde os oito sabe que o seu lugar é junto das plantas.
Tomás cresceu em Vilamoura, onde a jardinagem entrou na sua vida. “Depois de
ter experimentado vários desportos consegui fazer esta negociação com a minha
mãe: comprávamos plantas aos fins-de-semana e eu, durante a semana, ia fazendo
jardinagem”, conta.
E assim nasceu um
primeiro jardim com 1000 metros quadrados que rapidamente foi transformado
numa espécie de “pronto-a-comer”. “Comecei pelo jardim comestível. Tinha uma
horta e fazia uma série de experiências, muita multiplicação de coisas que já
tinha em casa (também para poupar algum dinheiro e recursos) e ia fazendo as
minhas experiências botânicas também. Sempre fui muito de tentativa e erro. E
acho que a jardinagem é mesmo sinónimo de exploração.”
Hoje é um espaço
“bastante luxuoso”, mas criar e manter um jardim na infância não é fácil e,
para isso, Tomás contou com mais oito mãos. Os avôs faziam o “trabalho árduo” e
as avós dedicavam-se à botânica e ao paisagismo. Ao neto calhava a missão mais
“leve”, mas também mais séria: observar.
Num percurso que
teve início no Chapitô (onde estudou três anos) e que o levou ao Porto e a
Lisboa, dedicou-se a conciliar a arte com a estética, design e inovação, em
parte por influência da mãe, “uma mulher muito moderna”.
Mas Portugal
deixou de conseguir dar resposta ao que Tomás procurava e tornou-se cada vez
mais difícil assegurar um futuro. Por isso, decidiu emigrar: “Saí mesmo na
altura da crise, particularmente desanimado, como muitas pessoas da nossa
geração… Zangado, até, com o país.”
Foi Inglaterra
que o acolheu, primeiro local de paragem, onde se focou em novas tecnologias,
interactividade e realidades virtuais. O passo seguinte foi deixar a Europa
para trás e rumar até ao Brasil, onde criou o projecto Green SP, de recuperação
de plantas depositadas em cemitérios. “Tínhamos, no fundo, um hospital de
plantas. Recuperávamos as que estavam boas e as que não estavam, tentávamos”,
recorda. Depois eram plantadas em praças e jardins que estavam ao
abandono.
Partilha de
hortícolas: o futuro das cidades?
A passagem pelas
diferentes cidades e a azáfama vivida em cada uma delas trouxe-lhe uma sensação
de pressa: “A cidade promove um pouco esse ritmo. Em Londres, era muito mais
acelerado e tinha menos paciência para ver o meu jardim crescer.” A solução
escondia-se no mais famoso microclima português: Sintra, onde há cerca de
quatro anos, decidiu criar raízes.
“É a maior mancha
verde em Lisboa depois de Monsanto. Para além de que eu sou um romântico e
Sintra é particularmente romântica”, confessa Tomás, entre risos. “Queria muito
morar no campo porque achei que era mais tranquilo. Foi numa altura da minha
vida em que decidi ter mais slow living.”
“Chego a casa e
tenho courgettes à porta! Tendencialmente cultivo as coisas mais
exóticas e os meus vizinhos, coisas mais convencionais, e trocamos entre nós.
Isto é o que devia acontecer nas cidades.”
“Para começar
basta um bocadinho de terra e uma semente”
“Antes dizia que
era jardineiro e activista, mas disseram-me que quem é activista não precisa de
dizer que o é. Também não sou bem jardineiro porque percebo dos jardins no
geral, mas muitas vezes tenho equipas especializadas que me ajudam. Tenho
particular interesse em desenhar e plantar os jardins… Isso faz de mim um
jardineiro?”
A reflexão fica
no ar, mas, apesar da incerteza, Tomás está seguro: o importante é “promover a
consciência ambiental sem ser fundamentalista”, para que todos possamos
“evoluir e respeitar o planeta”. “Parte do meu trabalho tem que ver com a
valorização da profissão de jardineiro, que é uma profissão de sombra. Muitas
vezes não reparamos que o trabalho está feito, mas se ele não estiver bem
feito, reparamos logo.”
Para Tomás não há
dúvidas: a hora de começar a valorizar a natureza é agora. E “para começar
basta um bocadinho de terra e uma semente”. O truque, diz, é simples: ser
resiliente. “As florestas são tão resilientes que se nós estivéssemos parados
de braços cruzados, no espaço de uma década conseguiam ganhar quilómetros
sozinhas, só pelas estratégias que têm. Esta é uma das melhores aprendizagens
das florestas: a capacidade de ser resiliente.”
Texto editado por
Ana Maria Henriques
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