quinta-feira, 2 de setembro de 2021

António Costa é o maior num país cada vez mais pequeno

 

IMAGEM DE O VOODOCORVO


OPINIÃO

António Costa é o maior num país cada vez mais pequeno

 

Não admira que os sírios, os afegãos, os líbios ou quaisquer outros pobres imigrantes que aterrem em Portugal por engano desapareçam daqui num piscar de olhos para se irem atirar para os braços de Angela Merkel.

 



João Miguel Tavares

2 de Setembro de 2021, 6:16

https://www.publico.pt/2021/09/02/opiniao/opiniao/antonio-costa-maior-pais-1976000?fbclid=IwAR3RbJMF0KodvTZotHAZnsbj7j88-TEAHg9XJRofRjlvgandjzzxz24wYIQ

 

Há 20 dias peguei no carro e nos filhos e fui passear pela Europa, enquanto em Portugal o PS preparava a entronização de António Costa num congresso em que os dois grandes momentos foram, segundo pude ler na imprensa especializada: 1) uma ministra muito curvada a receber um cartãozinho de plástico das mãos do primeiro-ministro; e 2) a colocação de certas pessoas em determinadas cadeiras na mesa principal do congresso. Não pude assistir em directo, porque por essa altura estava a circular pelo estado de Baden-Württemberg, no sudoeste da Alemanha, a conhecer a famosa Floresta Negra.

 

Penso ter ganho com a troca. Foi uma viagem particularmente instrutiva. A minha mulher encontrou uma casinha maravilhosa numa aldeia a 40 quilómetros de Estugarda, onde ficámos instalados com todo o conforto – somos seis – por 145 euros a noite. O gasóleo na Alemanha anda na casa dos 1,30 euros. As autoestradas são gratuitas. E os produtos essenciais nos supermercados da zona – cuja variedade bate qualquer hipermercado da Grande Lisboa – eram mais baratos (repito: mais baratos) do que em Portugal.

 

Acreditem se quiserem: passei meia-dúzia de dias magníficos numa das regiões mais ricas e bonitas da Europa a gastar menos dinheiro do que se tivesse ido para o Algarve. Não admira que os sírios, os afegãos, os líbios ou quaisquer outros pobres imigrantes que aterrem em Portugal por engano desapareçam daqui num piscar de olhos para se irem atirar para os braços de Angela Merkel. Não são só os salários alemães que são muitos mais altos – à boleia de taxas e taxinhas, impostos, portagens e tributações, o custo de vida em Portugal, após tudo ser bem espremido, está pela hora da morte.

 

Os meus filhos adolescentes, de queixo caído com o que viam na Alemanha, perguntavam-me como era aquilo possível – salários tão elevados com um custo de vida tão baixo –, e eu mandava-os contar os camiões nas autoestradas (milhares), as empresas nas margens do Reno (centenas) ou os terrenos agrícolas abandonados (zero). E depois contava-lhes histórias bonitas de há trinta anos, sobre o Portugal das décadas de 80 e 90, quando tinha a idade que eles têm hoje e acreditava ingenuamente que um dia o nosso país poderia ficar parecido com aquilo que estavam a ver. Nos dias que correm, para a sua geração, é mais Dante e a Divina Comédia: “Ó, vós que entrais, abandonai toda a esperança.”

 

Ler numa aldeia alemã as notícias do congresso do PS e a auto-satisfação do povo socialista com o estado da governação, num grande júbilo celebratório por tudo aquilo que têm oferecido a Portugal, dá vontade de uma pessoa se barricar numa cabana enxaimel a comer salsichas Bratwurst até à morte. A telenovela venezuelana acerca da “sucessão” do chefe é de uma futilidade absurda, e a inconsciência da mediocridade que tem sido este país ao longo dos últimos 20 anos conduz os mais velhos ao desespero ou à constante resmunguice (olhem para mim a levantar o braço) e os melhores dos mais novos à emigração.

 

Sim, sei bem que há uma longa tradição do português deslumbrado com o “estrangeiro”, e que estas minhas palavras são, também elas, um sintoma do impasse em que nos encontramos. De vez em quando há leitores que me perguntam: e soluções? Reparem: soluções há imensas. Só que a maior parte do país votante já nem sequer percebe que há um problema. É isso que dói. António Costa cresce cada vez mais pela simples razão de que os portugueses ambicionam cada vez menos.

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