quinta-feira, 7 de novembro de 2019

Web Summit: vendedora de ilusões



Web Summit: vendedora de ilusões
A Web Summit não é mais que uma espécie de centro de turismo tecnológico. Não deixa de ser turismo porque não produz nada.

Fernando Teixeira
Advogado estagiário, licenciado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Autor do livro “Ponto de Fuga”. Militante do PCP

7 de Novembro de 2019, 8:19

Segundo dados da Informa D&E, noticiados no transacto ano, cerca de uma em cada três startups portuguesas encerra ao fim de um ano. Entre outros factores, é apontada a falta de financiamento como um dos principais constrangimentos para o sucesso destas microempresas. Mas, afinal, o que nos traz a Web Summit? Além de um mediatismo vazio de conteúdo, o que pode realmente oferecer uma conferência que apresenta oradores como Tony Blair ou Ronaldinho? Ou mesmo o negociador da União Europeia para o “Brexit"?

“Na Web Summit não se paga a quem ajuda a construir o evento, são voluntários. Mas porquê voluntários? Não terão receita para poder pagar a trabalhadores? Ou estamos perante mais uma forma de exploração, desta feita dupla.”

Desde o início deste evento em Portugal questiono qual a sua real utilidade se não lavar a cara suja do capitalismo selvagem e pintá-lo como se de uma geração cool se tratasse. Actualmente, é cool ir à Web Summit, embrenhar-se por aplicações adentro e expurgar todos os males do mundo a partir de um computador. Vendem-se as mais burlescas ilusões de que se não formos nós a criar o nosso emprego ou a desenvolver a nossa microempresa (de preferência tecnológica) estaremos condenados para sempre a viver à luz de relacionamentos laborais arcaicos e caducos que mais não fazem do que contribuir para o desperdício de tempo, enquanto podíamos estar a realizar algo de mesmo importante para o planeta, para o mundo e para a sociedade.

É deste tipo de ilusões que se pretende alimentar a sociedade — aponta-se o caminho do instantâneo, do digital, porque o resto dá muito trabalho e não releva. Não ouvi ninguém na Web Summit a criticar as políticas de baixos salários praticadas pela Google ou pelo Facebook, dirão que é outra forma de trabalho e que, portanto, o conceito de remuneração será diferente. Mentira, onde há trabalho há necessariamente direito a um salário, a condições laborais e a uma relação laboral entre patrão e trabalhador. A Web Summit ajuda a mitificar a ideia de que não existem relações laborais como as que até aqui tinham lugar, até porque devemos ser cada vez mais flexíveis, a saltar de um desafio para o outro. Dizem eles desafio, dizemos nós explorações.

Na Web Summit não se paga a quem ajuda a construir o evento, são voluntários. Mas porquê voluntários? Não terão receita para poder pagar a trabalhadores? Ou estamos perante mais uma forma de exploração, desta feita dupla, pois consegue-se explorar pessoas economicamente, explorando o seu lado mais fantasioso, aquele que as leva a acreditar que estão realmente a contribuir para algo que pode fazer a diferença nas nossas vidas.

As startups portuguesas não têm conseguido vingar porque, mais uma vez, estão a competir com o grande capital, ou seja, se te endividas ou gastas o pouco que tens na criação de uma destas microempresas tecnológicas, és rapidamente arredado por aquelas que realmente contam com financiamento de milhões para levar a cabo o seu objectivo. Com isto, fizeram-te perder um ano ou dois da tua vida, vendendo-te a ideia de uma economia tecnológica florescente que, no fundo, apenas floresce para os mesmos de sempre e, quiçá, roubaram-te uma ou outra ideia que ruma direitinha para o seu sucesso. Não seria inédito.

A Web Summit não é mais que uma espécie de centro de turismo tecnológico. Não deixa de ser turismo porque não produz nada.

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