quinta-feira, 28 de novembro de 2019

Joacine, julgava que a conhecia bem?



OPINIÃO
Joacine, julgava que a conhecia bem?

Tudo isto mostra também como, afinal, os partidos são importantes e como merecem ser respeitados.

HELENA PEREIRA
29 de Novembro de 2019, 6:26

Inexperiência, muita. Falta de bom-senso, sim. Arrogância, também. Tudo isso pode ser discutido a propósito da polémica que envolve a deputada única do Livre, Joacine Katar Moreira. Mas esta polémica levanta ainda outra discussão importante: as eleições primárias para a escolha de deputados são uma prática virtuosa? O Livre foi o único partido que escolheu desta forma os seus candidatos a deputados. Com grande entusiasmo e orgulho, o partido dizia “querer mudar a forma de participação dos cidadãos na política”.

Quem quisesse podia apresentar-se como candidato, desde que subscrevesse a carta de princípios do Livre. Se recebesse o aval da direcção, passava a constar na lista sujeita a eleição livre de membros do partido e simpatizantes. “Nas legislativas podemos escolher um partido. Mas não decidimos quem são os candidatos a deputados que nos vão representar. Por vezes, nem os conhecemos”, argumentava o partido em 2014, quando se preparava para a sua estreia que teve lugar nas legislativas de 2015 (e em que não conseguiu eleger representação). “Pela primeira vez na história da democracia portuguesa, as listas de candidatos a deputados não vão ser escolhidas e ordenadas por uma direcção partidária. Vão ser decididas por si, em eleições primárias abertas, com a participação de todos.”

Em 2019, para o círculo eleitoral de Lisboa, apresentaram-se 17 candidatos, que tiveram a oportunidade de debater entre si (um debate foi transmitido online) e com os simpatizantes (muito através das redes sociais). Votaram 211 pessoas, o equivalente a 32,6% do colégio eleitoral. Essas pessoas, que votaram por meios electrónicos, tiveram de ordenar numa lista os 17 nomes e daí resultou uma pontuação, em função de quantas vezes os candidatos eram colocados em primeiro, segundo ou terceiro lugar e por aí fora. Conclusão: Joacine Katar Moreira teve 798.64 pontos, o segundo melhor classificado foi Carlos Teixeira, com 654.20 pontos. Rui Tavares, que foi através do mesmo método escolhido para cabeça de lista ao Parlamento Europeu, teve 2122.22 pontos. Bom, pode parecer confuso mas é mesmo assim: estes são os dados disponíveis no site do partido.

Dito isto, a minha dúvida é: um processo que arranca com cada um dos candidatos a fazer campanha individual não contribui para estimular uma diferenciação excessiva pelas suas características pessoais e de personalidade? Será que é isso que explica que Joacine Katar Moreira fale, como tem falado nos últimos dias, como se não existisse nenhuma entidade além dela, demonstrando desprezo e desrespeito pelo partido através do qual foi eleita? (Em Portugal, os cidadãos só podem concorrer à Assembleia da República se for dentro de uma lista de um partido. Podem apresentar petições e iniciativas legislativas directamente à Assembleia mas não podem apresentar candidaturas.)

Mas acrescento, sem ironia, que tudo isto mostra também como, afinal, os partidos são importantes e como merecem ser respeitados. Não é admissível ‘a lavagem de roupa suja’ como a que tem sido exposta publicamente, nem o desrespeito pelo papel do jornalismo e do Parlamento como ‘uma casa aberta’ da democracia. O Livre, que nasceu em 2014, parece-me condenado a ter uma vida efémera, à medida que se torna cada vez mais anedota. E é pena.

Mas que há uma grande ironia nisto tudo, há. Quando era eurodeputado eleito pelo BE, Rui Tavares entrou em ruptura com o partido e passou a independente. Agora está a provar, como se costuma dizer, o seu próprio veneno. E há de certeza muitos bloquistas a rir.

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