sábado, 9 de abril de 2016

Só na Baixa Pombalina de Lisboa existem 52 lojas de recordações de “baixo custo”


Só na Baixa Pombalina de Lisboa existem 52 lojas de recordações de “baixo custo”
POR O CORVO • 8 ABRIL, 2016
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Um morador da zona da capital mais frequentada pelos turistas, sociólogo de profissão, decidiu fazer um trabalho de campo. Em apenas dezena e meia de ruas, existe mais de meia-centena de estabelecimentos low cost de artigos para turistas. 61, se se contabilizarem aqueles que também vendem outros produtos, além das recordações. A Rua da Prata é a campeã das lojas deste género, com 16. “Uma descaracterização total”, diz o autor do estudo.
Texto: Samuel Alemão
A contagem tem tanto de meticulosa como de apaixonada. Preocupado com o que lhe pareceu ser um fenómeno fora de controlo, João Fernandes, 35 anos, saiu à rua e começou a contar. E chegou a casa com um número. A Baixa Pombalina de Lisboa tem 52 lojas de recordações de baixo custo, de acordo com um levantamento feito, há poucos dias, por este sociólogo e entretanto disponibilizado ao Corvo. Isto diz respeito apenas a estabelecimentos que vendem em exclusivo recordações. O número sobe para 61 lojas, se se contabilizarem também as lojas que, além das recordações, comercializam outros produtos, como mercearia ou telecomunicações. “É um valor muito elevado, de facto. Poderia haver uma maior variedade. Assim, corremos o risco de uma descaracterização total”, diz.
Já todos comentaram sobre o assunto, quase toda a gente teceu comentários mais ou menos viscerais e maliciosos sobre as lojas asiáticas – de indianos, bangladeshis, paquistaneses e nepaleses, sobretudo -, queixando-se da profusão de camisolas de Cristiano Ronaldo, Nossas Senhoras de Fátima ou galos de Barcelos fosforescentes, entre outras bugigangas criadas para turista pouco criterioso. E quase sempre com o mesmo argumento esgrimido por João Fernandes, o da descaracterização. Mas o autor do estudo, que se diz uma pessoa sempre preocupada com a cidade, faz questão de sublinhar que o intuito do trabalho é apenas o de “fornecer material para reflexão” sobre as dinâmicas relacionadas com a vaga turística. “Não quero, por nada, que isto seja interpretado como algo com contornos xenófobos”.
Reconhecendo que os assuntos relacionados com a revolução turística em Lisboa têm suscitado um debate apaixonado – mais que isso, “há uma discussão polarizada, com visões extremadas, parecendo que tem de se ser ora contra, ora a favor do turismo” -, o cientista social, que trabalha na área de estudos e planeamento do Instituto Superior Técnico, decidiu arregaçar as mangas. O objectivo, escreveu na introdução do estudo, era o da “sensibilização e alerta para uma das faces mais vísiveis da descaracterização da baixa pombalina e produção de alguns dados objectivos para sustentar o que em muitos casos são opiniões e visões sem factos e números concretos”.
Morador na Calçada de São Francisco, João Fernandes delineou como área de análise a tradicional quadrícula da Baixa, composta pelos seguintes limites: a Norte, pela Praça do Rossio, Rua da Betesga e Praça de Figueira; a Sul, pela Rua do Arsenal, Terreiro do Paço e Rua da Alfândega; a Oeste, pela Rua Nova do Almada e Rua do Carmo; e a Este, pela Rua da Madalena. Estas ruas, por serem delimitadoras da área a estudar, foram excluídas do levantamento, embora em quase todas elas existam estabelecimentos do género dos que são objecto de estudo. Também não foram contabilizadas as lojas que se encontram nas ruas contempladas mas que se estendem para além dos limites. Além disso, foram apenas contadas as lojas e não os quiosques.
Com estas linhas em mente, João Fernandes saiu à rua. Ou melhor, às ruas do Ouro, dos Sapateiros, Augusta, da Prata, dos Correeiros, dos Douradores, dos Fanqueiros, do Comércio, de São Julião, da Conceição, de São Nicolau, da Vitória, da Assunção, de Santa Justa e do Crucifixo. Em 15 ruas, contou 52 lojas obedecendo ao critério restrito de lojas que vendem apenas recordações, número que sobe para os 61, se incluir as que também se dedicam a outros ramos da actividade retalhista. De todas elas, uma salta à vista. A Rua da Prata tem 14 lojas de venda exclusiva de recordações de baixo custo, a que acrescem mais duas que também comercializam outras coisas – 16 no total, portanto.
“Há aqui um desequilíbrio. Poderia existir uma maior variedade na oferta comercial. Até porque não temos garantias de que, a médio e longo prazo, o turismo seja uma actividade sustentável a esta escala na nossa cidade”, afirma o sociólogo, frisando que seria mais prudente apontar para uma maior diversificação da oferta e, por conseguinte, do mercado de trabalho – até porque, considera, Lisboa tem uma grande capacidade de atrair força laboral. “O fluxo de turistas na cidade não é mau só por si, mas têm de ser estabelecidos equilíbrios”, diz.

Neste caso, havendo um tão grande número de lojas de produtos turísticos de baixo custo – e, quase inevitavelmente, de “baixa qualidade” -, João Fernandes acha que deveriam ser tomadas medidas para que não se esteja a contribuir para danificar as características da cidade que trazem os turistas. “O problema não é das pessoas, que tentam ganhar a vida e têm uma ética de trabalho muito diferente da nossa, satisfazendo-se com uma margem de lucro muito reduzida. Não sinto é das entidades responsáveis uma vontade de resolver a questão”, considera.

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