terça-feira, 12 de abril de 2016

Depois da polémica em Lisboa, os pastéis de bacalhau com queijo da serra chegam ao Porto



Depois da polémica em Lisboa, os pastéis de bacalhau com queijo da serra chegam ao Porto
sara_coelho 12/4/2016, OBSERVADOR
A receita que Maria de Lurdes Modesto considerou uma "verdadeira obscenidade" chegou ao Porto, com uma loja mais discreta do que a de Lisboa. A empresa também comprou a centenária Casa Oriental.

É uma casa portuguesa, com certeza. Mas erguida para piscar o olho aos turistas estrangeiros que visitam Lisboa e, a partir de agora, também o Porto. No dia 2 de abril, a Casa Portuguesa do Pastel de Bacalhau abriu as portas junto à Torre dos Clérigos, num edifício com três andares e muitos lugares sentados. Todos prontos a receber pratos com pastéis de bacalhau, com ou sem queijo da Serra da Estrela DOP (Denominação de Origem Protegida).
No interior, ouve-se fado enquanto se faz o pré-pagamento, para depois se pedir o pastel. O fado também se ouve nos dois andares superiores, com Fernando Pessoa a dar as boas-vindas no primeiro andar, assim como uma miniatura da Ponte D. Luís e uma parede em azulejo. Tudo very typical. O segundo andar é uma biblioteca e os clientes podem ler um livro enquanto provam o pastel feito de bacalhau, batata e queijo da Serra da Estrela ou um copo de vinho do Porto Taylor’s dry white.
Os portuenses que entrarem no novo espaço dificilmente vão pedir a especialidade da casa pelo nome. É que, no Porto, o pastel chama-se bolinho de bacalhau. O preço também pode afugentar. Um bolinho — perdão, pastel — com queijo da serra custa 3,50 euros, sendo que o tamanho é superior aos dos que se vendem nas redondezas.
Tal como em Lisboa, os clientes podem, logo à entrada do espaço, ver os pastéis de bacalhau a serem confecionados ao vivo, “contactando assim diretamente com uma receita secular”, explicam os proprietários em comunicado. Foi precisamente a questão da “receita secular” que causou polémica aquando da abertura da primeira Casa Portuguesa do Pastel de Bacalhau, na Rua Augusta, na Baixa lisboeta.
O salgado começou a ser vendido pela primeira vez no Museu da Cerveja, no Terreiro do Paço. Em maio de 2015, a Patrimus Indústria abriu casa própria, com o fado a tocar bem alto na Rua Augusta durante todo o dia, decoração a fazer lembrar uma loja antiga, brasões com as iniciais P e B espalhados no interior e no exterior da loja, em material de imitação a bronze antigo, e, para completar, placas também forjadas a antigo com uma data em destaque: “1904”.
Tudo parece feito para levar quem não é da zona a pensar que está ali uma casa centenária, na qual é preciso entrar para provar um pedaço da história gastronómica portuguesa. No Porto, a fachada, bonita e cuidada, é mais discreta. A data 1904 não aparece sozinha em grande destaque, mas sim associada em todas as comunicações promocionais onde surgem as iniciais P e B, adotadas para imagem da casa.
“O 1904 não tem a ver com a data em que iniciou o projeto, mas sim com a primeira receita em que nos baseamos para fazer o pastel de bacalhau”, explica ao Observador Eva Fialho, responsável pela loja do Porto. Recusa que o objetivo seja induzir as pessoas em erro. “Esse assunto já está mais que ultrapassado, todas as pessoas já sabem a razão por que existe essa data, nunca foi com o objetivo de enganar ninguém.”
A chegada ao Porto serve para aproveitar o boom turístico, mas não só. “Pensámos que é uma cidade adequada ao conceito, que é a tradição”, explica a responsável, apesar de se tratar de uma receita nova, criada pela empresa. Quando, no ano passado, tomou conhecimento da receita, a gastrónoma portuguesa Maria de Lurdes Modesto não esteve com meias palavras e considerou que o pastel de bacalhau com queijo da Serra da Estrela era uma “verdadeira obscenidade”. Num texto enviado ao Observador, Maria de Lurdes Modesto apelava à defesa, tanto do pastel de bacalhau, como do queijo da Serra da Estrela.
Levantei os olhos, e deparo com uma verdadeira obscenidade no ecrã do meu televisor: um pastel de bacalhau a esvair-se em queijo Serra da Estrela. Não pode vir mais a propósito a expressão: “com uma cajadada matar dois coelhos”. Duas das mais queridas e conseguidas especificidades da nossa gastronomia, numa pornográfica e ridícula figura! (…) não há ninguém com papilas saudáveis, bom gosto e que saiba que o pastel de bacalhau é uma das jóias mais perfeitas e mais queridas da nossa gastronomia popular? Não foi a nossa gastronomia elevada a Património Cultural? Ninguém com poder toma conta ‘disto’?”
Ainda não é hora de adiantar se a Casa Portuguesa do Pastel de Bacalhau vai continuar a expandir-se. A Patrimus Indústria tem outros negócios em mãos, entre eles a histórica (e, essa sim, centenária) Casa Oriental do Porto, mesmo ao lado dos pastéis de bacalhau. A empresa comprou a mercearia portuense criada em 1910, fez-lhe obras de remodelação e reabriu-a a 19 de março.
casa oriental porto casa portuguesa pasteis de bacalhau
Lá dentro já não há frutas e legumes. Em redor da data 1910, colocada em destaque, vendem-se agora produtos que apelam à memória das gerações mais antigas, como a pasta medicinal Couto ou os desodorizantes stick de lavanda, assim como licores, vinho do Porto Taylor’s, compotas, bolachas e muitos mais produtos alimentares, já que o espaço conta agora com um andar superior que antes estava fechado ao público.
À porta e lá dentro está o ‘fiel amigo’, inteiro ou às postas, pelo qual a Casa Oriental já era conhecido. Junte-se uma vitrine dedicada ao queijo da Serra da Estrela DOP e temos a ligação perfeita ao novo negócio que abriu ao lado.

Em Lisboa, a Patrimus Indústria abriu recentemente mais um negócio na Baixa Pombalina, a loja Fábrica das Enguias da Murtosa. E com publicidade nas fachadas que não é permitida naquela zona, facto de que é conhecedora, uma vez que a empresa foi obrigada, recentemente, a retirar o mesmo tipo de publicidade da Casa do Pastel de Bacalhau da Rua Augusta. O Observador questionou um responsável que se encontrava na casa do Porto, que desvalorizou a situação. Nunca quis dizer o seu nome, nem o cargo que ocupa na empresa.

Sem comentários: