sábado, 23 de abril de 2016

"Estranho silêncio dos banqueiros face aos ataques ao Banco de Portugal"


"Estranho silêncio dos banqueiros face aos ataques ao Banco de Portugal"
PAULO PENA 23/04/2016 - PÚBLICO

Luís Marques Guedes, vice-presidente da Comissão de Inquérito ao Banif, aponta erros de Mário Centeno e defende Carlos Costa e o Governo anterior, que integrou: “Recapitalizar foi uma decisão óbvia, de bom senso.”

O deputado do PSD, que tem assumido o papel principal do seu partido na comissão que investiga as razões para o falhanço do Banif, explica por que razão acredita que o ministro das Finanças prestou declarações “falsas” na sua primeira audição. E dá a sua própria visão sobre os três anos em que a situação do banco esteve sob escrutínio apertado de Bruxelas e foi, na prática, nacionalizado pelo Governo que Marques Guedes integrou, com a pasta da Presidência do Conselho de Ministros. Desta vez, ao contrário do BES, não parece possível que os deputados se ponham de acordo sobre conclusões pacíficas. E não é por coincidência que nesta entrevista se acaba a falar de “tensão” e polarização entre partidos…

Está pessoalmente convencido de que Mário Centeno mentiu na Comissão de Inquérito?
Para mim há uma questão central e de princípio. As comissões de inquérito, à face da lei, dispõem de poderes excepcionais, equivalentes aos das autoridades judiciárias, e os testemunhos que são prestados seguem as regras do processo penais. É óbvio que as comissões de inquérito se têm de dar ao respeito para poderem ser respeitadas. Isso implica que nos depoimentos não seja possível tentar mistificar-se, esconder-se, falsear-se a verdade. Acho que foi isso que se passou.

Mas está convencido de que houve uma mentira?
Ficou claro que Mário Centeno, depois de confrontado com um documento que deixava preto no branco a existência de um contacto dele com a presidente do Mecanismo Único de Supervisão, que ele tinha veementemente negado no primeiro depoimento...

... Não tinha negado o contacto, tinha negado a intenção de favorecer...
Peço desculpa, mas tinha negado o contacto. Essa é a tentativa de spin que é feita pelo próprio para escamotear. Mas é evidente para toda a gente. O que Mário Centeno tentou fazer crer à comissão foi que não só não tinha havido nenhum contacto, como que até tinha ficado muito surpreendido.

O PSD alertou o Ministério Público para necessidade de averiguar se houve um crime público. Vão até às últimas consequências?
O PSD não tem mais nada a fazer. Tratando-se de um crime público, nós vivemos num Estado de Direito, a responsabilidade recai exclusivamente sobre o MP, que fará como entender. As gravações dos depoimentos valem por si. Se as comissões de inquérito aceitarem que qualquer pessoa pode lá ir dizer aquilo que lhe apetece, tentar falsear a verdade e ficar impune, então não servem para nada. Foi por isso que quisemos realçar este facto.

Indo aos factos: o ministro, na primeira audição, assume que esteve em permanente contacto com o BCE nos dias anteriores à resolução do Banif. Isso não retira parte do argumento de que ele negou contactos?
Peço desculpa. O PSD tinha já a informação de que teria havido um contacto directo com o BCE, na sexta-feira, 18 [Dezembro, 2015], no sentido de se interceder pela proposta do Santander. E isso foi perguntado directamente a Mário Centeno.

De cinco maneiras diferentes...
E Mário Centeno negou sempre veementemente, repetidamente, que isso tivesse acontecido. Enviando até nos dias seguintes um mail para a comissão dizendo que os contactos que tinha tido com o BCE se resumiam a dia 3 e a 17 de Dezembro, escamoteando mais uma vez nesse documento que no dia 18 tivesse tido esse contacto.

A acta da reunião diz que a primeira pergunta do PSD ao ministro foi: "Alguma vez fez alguma diligência para promover a solução Santander?" Resposta: "Eu, pessoalmente?" PSD: "Sim." Ministro: "Eu nunca intervim no processo de venda nessa dimensão que, acho eu, está a sugerir." O que o ministro parece estar a negar não é o contacto, é ter promovido a venda ao Santander. Não é assim que lê esta resposta?
Claro que não. O ministro tentou claramente escamotear. Negou que tivesse feito qualquer contacto. Podia ter vindo à comissão, na segunda vez, alegar que o documento era forjado. O documento diz, preto no branco, que o ministro das Finanças e Vítor Constâncio ligaram para pedir para desbloquear a proposta do Santander junto da Comissão Europeia. Foi isto que Centeno negou.

Nas perguntas, o PSD quis saber se o ministro persuadiu, ou pediu uma prioridade máxima, ou convenceu as autoridades europeias a aceitar a proposta do Santander "excluindo todas as outras". Foram estas as perguntas. Não foi feita a pergunta: "Telefonou ao BCE no dia 18?"... Não acha que há aqui uma margem para interpretação?
Com toda a franqueza, acho que a pergunta foi clara, directa e incisiva. Toda a gente percebe que Mário Centeno tentou direccionar no sentido errado a comissão. Isto são factos.

Mas o PSD, na última audição, registou publicamente que o ministro se "retratou"...
Retratou-se porque reconheceu o contacto. Mas reiterou tudo aquilo que tinha dito da última vez, o que acho espantoso.

Façamos o exercício ao contrário: Se lhe perguntar se a intenção do PSD é fragilizar o ministro, a sua resposta será “não”. E não é necessariamente uma mentira...
O que o PSD pretende é que a comissão parlamentar de inquérito seja respeitada. Uma CPI não é um local onde as pessoas vão fazer política, ou dar uma opinião.

Mas nega que haja uma intenção política nesta acusação a Mário Centeno?
Fosse com o ministro, ou com qualquer outros dos inquiridos até ao momento, a única intenção que está aqui presente é evitar que qualquer pessoa possa lá ir e dizer o que lhe apetece. Isso não pode acontecer.

O governador do Banco de Portugal não revelou à comissão que foi ao BCE pedir uma limitação para a liquidez do Banif, quatro dias antes da resolução. Do seu ponto de vista isso também é uma falha?
Não vi que o governador tenha faltado à verdade.

Mas não disse tudo o que sabia...
Não dizer tudo não é faltar à verdade.

António Varela, ex-administrador do Banco de Portugal, disse à comissão que teve uma reunião no BCE onde ficou em aberto uma solução para o Banif - a do "banco de transição". Mas há documentos que mostram que antes dessa reunião, Varela foi informado de que isso não era uma opção.
O que António Varela disse no seu depoimento foi que se esforçou por evitar que essa ideia se transformasse em decisão definitiva.

Mas a decisão era definitiva, já na véspera...
O que está a tentar, julgo eu, é mostrar que António Varela prestou um depoimento falso?

Não. Estou a tentar mostrar que há uma interpretação a fazer sobre os depoimentos que vai além do "verdadeiro" ou "falso"...
Percebo perfeitamente o que me está a dizer. Mas há duas coisas diferentes. Mário Centeno pode arguir que a sua intervenção não serviu para desbloquear a proposta do Santander - que é o que está no mail, preto no branco. E isso será a versão dele versus a versão de Danièle Nouy. Isso será a palavra dele contra a palavra dela. A comissão ainda não teve oportunidade de ouvir a versão dela. Não posso fazer esse desempate.

Com isso, o PSD já tem uma forte convicção de que o Governo entregou o Banif ao Santander de uma forma pouco transparente?
Não. Eu não me precipito nas conclusões. Neste momento, o que sabemos é que nos tinha sido escamoteada uma interferência em favor de determinada proposta. Mas ainda precisamos de mais peças do puzzle.

De todas as decisões que foram tomadas, o PSD parece já ter absolvido o Governador do Banco de Portugal...
Não. Essa é uma conclusão sua. Não estamos a absolver ninguém. Estamos a apurar factos. Há que ser intelectualmente sério e honesto. Aliás, estranho o silêncio dos banqueiros portugueses face a estes ataques descabelados por parte do Governo que têm sido feitos nas últimas semanas ao Banco de Portugal, que é o garante da estabilidade financeira. Mas parece que entretanto o Governo já recolheu as unhas e já pararam esses ataques.

Na semana decisiva para o Banif, a maior parte das decisões foi tomada pelo Banco de Portugal: a limitação da liquidez, que veio a ditar a possível suspensão do estatuto de contraparte do banco no BCE, a decisão da resolução e a própria venda, que também foi gerida pelo regulador. Não acha que o Banco de Portugal é a entidade que mais explicações tem a dar?
É óbvio, e isso resulta das regras, que a entidade de resolução é o Banco de Portugal. O que se começa a perceber pelos depoimentos é que houve um claro aproveitamento, por parte das autoridades europeias, da crise política gerada pelo facto de ter constituído uma maioria aritmética na Assembleia da República que deitou abaixo o Governo da força maioritária que tinha ganho as eleições. Objectivamente, o Banif, ao longo de 2015, teve sempre situações de liquidez que não punham em causa a continuidade do banco.

A Comissão Europeia andava há muito tempo a exigir uma solução...
A interacção para se fechar o plano de reestruturação não foi muito diferente da de outros casos.

Mas o Banif estava em incumprimento com o Estado desde Dezembro de 2014...
Porque o Banco de Portugal entendeu que não podia pagar. E as autoridades europeias aceitaram.

Mesmo a recapitalização pública de 2012 ainda não tinha sido considerada legal por Bruxelas...
Porque estava condicionada ao plano de reestruturação. Até às eleições, a situação do banco foi sempre de liquidez positiva. O problema coloca-se depois.

A ministra Maria Luís Albuquerque tentou substituir a administração do banco no início do ano passado, apesar dos bons resultados?

Se quer que lhe diga, acho que obviamente que estes três anos também não foram isentos de falhas. No início de 2015, quando mudou o responsável por esta área na Comissão, aumentou a pressão sobre o Estado, e houve a intenção do Governo de alterar a administração para com isso atingir o resultado. E aí falhou. A segunda falha é a crise política.

Concorda com Vítor Gaspar que há uma falha original, no momento da recapitalização?
A recapitalização foi a pior decisão, excepto todas as outras.

Mas a Comissão Europeia tinha dúvidas sobre a viabilidade do banco...
Havia, se quiser, um braço de ferro. O Governo ia contrariando sucessivamente, ao longo de três anos. Depois, num mês, há uma capitulação, ainda por cima de quem se dizia que ia bater o pé na Europa.

Não lhe parece que essa é uma versão muito parcial da história?
Eu estou a ser factual.

Antes das eleições, a Comissão abriu uma "investigação especial" para decidir se o auxílio do Estado era legal.
Não chega a 2% o número de casos em que essas investigações aprofundadas têm consequências. Quando foi a transição de Governo, estava acertado com a Comissão que o prazo para a venda era Março de 2016. Era isto que existia antes de haver uma crise política.

Ainda antes de haver mudança de Governo, o Banco de Portugal passou a defender a resolução.
Isso não é verdade. Já estávamos em crise política.

Foi a mudança política que fez com que o Banco de Portugal reconsiderasse a viabilidade do Banif?
Não sou eu que estou a dizer isso... Estou a situar os factos.

Ao atestar a viabilidade do Banif em 2012, que nunca chegou a ser comprovada, não acha que o regulador deu informações pouco sustentadas?
E o que é que se fazia? Liquidava-se o banco? O ano de 2012 foi o pior da recessão. É como fazer o totobola à segunda-feira. Recapitalizar foi uma decisão óbvia, de bom senso. A suposta inviabilidade do banco é desmentida pelos factos. Afinal, foi num período em que se acusava as autoridades nacionais de serem o "bom aluno" face a Bruxelas que foi possível manter, permanentemente, uma interacção e nunca deixar cair o banco abaixo dos níveis. E o banco operou com toda a normalidade. Depois foram aqueles que queriam bater o pé a Bruxelas, que em menos de um mês capitularam.

Acha mesmo que há um contraste entre formas de defender o interesse nacional baseado na cor política?
Não. Não venha falar em cores políticas. Há um contraste manifesto.

Pergunto-lhe isto porque o ouvi contextualizar a decisão do Banco de Portugal, mas não fez o mesmo em relação ao Governo. Na semana final, foi o BCE que impediu que houvesse um banco de transição e exigiu que houvesse uma resolução seguida de venda antes do dia 21...
E onde é que houve o bater do pé do Governo português relativamente a essas decisões? Em relação ao banco de transição?

O Governo português não tem assento no BCE...
Junto das autoridades europeias! Da mesma forma que há um telefonema para interceder pela venda onde e que está essa interferência em relação ao banco de transição?

Quando o Governo anterior participou na resolução do BES, a oposição não reagiu desta forma. Até porque as decisões importantes escapam às autoridades políticas nacionais. Não acha mais útil para a descoberta da verdade que a comissão de inquérito funcionasse mais como funcionou a do BES?
Estou totalmente de acordo consigo. Mas para isso é preciso que as pessoas ouvidas na comissão não faltem à verdade. A declaração inicial do ministro das Finanças na comissão de inquérito é, do princípio ao fim, a atirar culpas para o Governo anterior.

Ouviu com certeza dois ex-líderes do PSD, Luís Marques Mendes e Manuela Ferreira Leite, falarem sobre o Banif. Marques Mendes acusou o Governo de Passos Coelho de ter arrastado a solução por eleitoralismo.
Essas opiniões são de comentadores e não passam disso, são opiniões. E eu não vou comentar comentários.

Olhando para fora. O debate político, em Portugal, no Brasil, nos EUA, em Espanha, parece mais polarizado, mais entrincheirado. Não acha que isso pode afastar os cidadãos?
Nas sociedades democráticas, o confronto de opiniões e a busca de compromissos têm de ser um processo permanente. Há momentos em que é mais fácil, há outros em que não é assim. E criam-se tensões que, desde que sejam resolvidas dentro das regras da democracia, não são necessariamente um drama.

Esta fase, em Portugal, é de tensão?

Houve necessariamente uma tensão provocada pela maioria socialista e comunista a seguir às eleições de Outubro. Acho que neste momento, o próprio PSD já foi muito claro no seu último congresso em relação a isso. O período de tensão, e de alguma incompreensão, está constitucionalmente ultrapassado. O que há é uma maioria socialista e comunista que governa o país, e uma oposição. A cada um cabe democraticamente exercer a sua função.

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