Quando a política tem vergonha de
sonhar
JOSÉ VÍTOR MALHEIROS
03/03/2015 - PÚBLICO
Há muitas lições que o PS e outros partidos poderiam aprender desde já com
o Syriza.
A ausência de
promessas por parte de António Costa nas intervenções e entrevistas que tem
feito e dado ao longo desta pré-campanha é saudada por alguns portugueses,
políticos e comentadores como uma prova de sageza política e um reflexo da sua
honestidade. Num contexto político conturbado como o actual (veja-se a Grécia e
a Espanha, o UKIP e o Front National, a Ucrânia e a Rússia), seria irrealista
fazer promessas que não há nenhuma garantia de poder cumprir. E Costa apenas
quer fazer promessas que tenha a certeza absoluta de poder cumprir. Assim, para
se distinguir da táctica com que Passos Coelho nos brindou nas últimas
eleições, Costa prefere a prudência, o silêncio ou as generalidades
descomprometidas.
Outros vêem na
mesma ausência de compromissos mera esperteza saloia. Costa tem a sua ementa de
promessas eleitorais na manga, porque sabe que sem promessas não se ganham
eleições, mas irá escondê-las durante o máximo de tempo possível porque vai
prometer mundos e fundos irrealizáveis e inconciliáveis e prefere reduzir ao
mínimo (a duração da campanha eleitoral) o tempo a que terá de responder às
críticas que vão chover.
Outros, com
alarme ou regozijo, conforme as simpatias partidárias, dizem que Costa não
promete, simplesmente, porque não sabe o que prometer e nem sequer sabe ainda
se recusa aliar-se a “este” PSD ou se recusa também aliar-se ao “outro”.
O debate “Costa
tem de fazer promessas” versus “Costa não deve fazer promessas”, no entanto,
não tem sentido. E não tem sentido porque o que Costa tem de anunciar desde já
não são promessas de medidas concretas de governo mas apenas as prioridades da
sua eventual governação. Ou seja: o que os portugueses precisam de saber e têm
o direito de saber desde já (e não apenas em Junho) é o que pensa António Costa
sobre as questões fundamentais da governação, ao nível europeu e ao nível
nacional. O que pensa sobre o Tratado Orçamental, sobre a dívida, sobre a
gestão do euro, sobre a política de Segurança Social, sobre a saúde, a educação
e a ciência, sobre o emprego, sobre as nacionalizações e sobre a pobreza. O que
gostaríamos de saber é por que causas Costa se compromete a bater-se. Não que
medidas promete, mas que batalhas promete travar. Não é preciso dizer já como,
nem quanto vai gastar. Mas era bom saber se aquilo que o move é apenas o desejo
de não pisar nenhum calo, nacional ou estrangeiro. Precisamos de saber por que
quer ser primeiro-ministro, o que lhe parece urgente e o que lhe parece
inaceitável, que sociedade propõe — ou se apenas se dispõe a escolher entre as
propostas que a Comissão Europeia e Berlim lhe mostrarem. E não, não é utópico
perguntar-lhe que sociedade propõe porque essa é a pergunta que os cidadãos
recomeçaram a fazer aos políticos e este é o momento de fazer essa pergunta,
por muito que os partidos socialistas não o entendam.
A ideia de que é
cedo para apresentar propostas porque as eleições legislativas ainda vêm longe
(lembrando o “qual é a pressa?” de Seguro) é, entre todas as justificações, a
mais preocupante. Não só porque as eleições legislativas não se ganham nas
vésperas da campanha mas, principalmente, porque a política não são apenas
eleições e o PS está a perder todos os dias oportunidades de fazer avançar uma
agenda solidária a nível europeu. A paralisia europeia do PS no momento mais
quente da negociação UE-Grécia faz recear o pior. Faz recear um PS congelado
pela sua ambiguidade e sem a coragem de defender além-fronteiras um ponto de
vista europeu contra a hegemonia alemã. Um PS que procura sempre alguém a quem
seguir e que não se atreverá nunca a propor ou a liderar um programa reformista
para a União Europeia.
Há muitas lições
que o PS e outros poderiam aprender desde já com o Syriza. Uma delas é que é
preciso correr o risco de ser diferente e de ser o primeiro, mesmo quando não
se sabe se os outros nos seguem e quando se enfrentam adversários poderosos.
Outra é que a política se faz de convicções e não apenas de jogos de poder, de
paixão e não apenas de cálculo. Outra é que a justiça deve ser o principal critério
da governação. Estes são os factores que explicam o apoio popular ao Syriza.
A política não é
apenas a arte do possível, como dizia Bismark. A política tem de ser o
exercício da vontade porque a soberania é a expressão da vontade, porque o
sonho nos leva mais longe que as convenções e os preconceitos, porque a
história não é outra coisa senão a conquista do impossível. A política tem de
ser a transformação do desejável em realidade.
Há algo
deprimente quando Costa diz que apenas quer fazer as promessas que tenha a
certeza absoluta de poder cumprir. Está, evidentemente, a falar de medidas e
não de combates e menos ainda de objectivos. Mas os portugueses não merecem
apenas o que têm a certeza absoluta de que está ao seu alcance. Merecem mais e
melhor do que aquilo que têm a certeza de que é possível. Merecem desejar
melhor e merecem políticos que se comprometam a combater por causas. Que
prometam não publicar esta ou aquela lei, mas combater por um ideal.
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