quinta-feira, 19 de março de 2015

O burgesso Araújo é a metáfora ambulante de Sócrates / Por Ana Sá Lopes


O burgesso Araújo é a metáfora ambulante de Sócrates
Por Ana Sá Lopes
publicado em 18 Mar 2015 in (jornal) i online

Araújo está em modo de desesperada defesa, mas também a cumprir um velho mantra da relação de Sócrates com a imprensa: “Tenho uma boa relação com as pessoas desde que se portem bem.” Portar-se bem é ser cego e surdo a factos e provas e não ser mudo apenas para defender o chefe

O país está cheio de advogados, mas Sócrates teve de contratar uma personagem-vómito para o defender. É difícil imaginar que seja estratégia – embora a história mundial da perda de juízo esteja amiúde confundida com estratégias mirabolantes.

Entende-se perfeitamente o desespero de Sócrates e da sua defesa. Nas milhentas cartas que enviou da prisão, o ex-primeiro-ministro não conseguiu refutar um avo do que lhe é imputado. Pelas palavras do próprio ficámos a saber que vivia de empréstimos milionários pedidos a um amigo. Em nenhum lugar do mundo uma pessoa normal vive assim, em nenhum lugar do mundo um ex-primeiro-ministro consegue sobreviver assim. A fantasia da mãe rica, com que durante anos Sócrates e os próximos alimentaram a comunicação social para justificar os gastos desmesurados de um político que, quando saiu do governo,  entregou uma declaração de rendimentos sem rendimentos declarados, caiu por terra. Cabe agora à justiça investigar o que tem de ser investigado, sem pressões nem excitações.

No entanto, como escreveu Hélder Gomes, jornalista do canal Q, no Facebook, até Sócrates merecia um advogado melhor. Qualquer arguido merecia um advogado melhor. O burgesso que insultou a jornalista Tânia Laranjo, do “Correio da Manhã” e da CMTV, e todos os jornalistas presentes na segunda-feira à porta do Supremo Tribunal de Justiça – a “canzoada”, no dizer do burgesso Araújo – está em modo de desesperada “defesa”, mas também está a cumprir um velho mantra da relação de Sócrates com a imprensa: “Tenho uma boa relação com as pessoas desde que se portem bem”, disse Araújo à noite na TVI, onde repetiu as ignomínias sobre Tânia Laranjo, “a senhora do ‘Correio da Manhã’ que tem mau aspecto”.

Nós sabemos que Sócrates e o socratismo – uma tendência no PS agora mais minoritária mas ainda assim resiliente – sempre tiveram boas relações com quem “se portava bem”.  A principal obrigação para se entrar no círculo das boas relações era ser cego, surdo e não ser mudo apenas para defender o chefe, sempre acéfala e acriticamente, quaisquer que fossem as provas e os factos.


Infelizmente, o burgesso Araújo é a metáfora ambulante de Sócrates. Se todo o arguido tem direito a uma defesa decente, a pior defesa para Sócrates é a sua metáfora em liberdade.

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