sábado, 28 de março de 2015

Governantes inimputáveis? / Ministra diz que Governo não controla tudo o que se passa na Administração Pública

EDITORIAL / PÚBLICO
Governantes inimputáveis?
DIRECÇÃO EDITORIAL 28/03/2015

O caso das listas VIP poderá ter consequências institucionais particularmente graves. E a ministra das Finanças, que, já deu para perceber, tem enormes (e legítimas) ambições políticas, está a levar a defesa do seu secretário de Estado para um terreno complicado e, sobretudo, perigoso. Senão, vejamos. Ontem, Maria Luís Albuquerque apresentou-se perante a comissão de Economia e Finanças com o seguinte guião: está tudo bem na Autoridade Tributária, este caso é circunscrito a uns poucos funcionários que exorbitaram das suas funções e que por isso devem ser punidos. Quanto às consequências políticas a retirar do assunto, a ministra responde com a “autonomia da administração pública”, gene que nunca constou, não consta, nem constará tão cedo do ADN dos serviços do Estado. Conclusão: só os funcionários serão penalizados. Ora isto significa acabar com a responsabilidade política, que é o mesmo que dizer institucionalizar a inimputabilidade dos governantes. É aí que se quer chegar?

Ministra diz que Governo não controla tudo o que se passa na Administração Pública
JOÃO PEDRO PEREIRA 27/03/2015 - PÚBLICO

Maria Luís Albuquerque respondeu no Parlamento a questões dos deputados sobre a lista VIP e contribuintes.

Não existe “controlo político sobre tudo o que se passa na Administração Pública” e não se devem apurar responsabilidades “em cima de notícias” da imprensa – foram estas as duas principais linhas de argumentação com que a ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, respondeu no Parlamento a perguntas dos deputados sobre o caso da chamada lista VIP de contribuintes.

Numa comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública em que a discussão da lista de nomes foi alternando com o debate sobre as contas públicas, a oposição enfatizou a necessidade de haver uma “responsabilização política” pelo caso e voltou a apelar à demissão do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio - que acompanhou Maria Luís Albuquerque ao Parlamento, mas apenas falou de impostos.

A ministra (que já na quinta-feira tinha afirmado não ter razões para deixar de ter confiança política em Núncio) descartou qualquer intervenção governamental na criação de uma lista de contribuintes dentro da Autoridade Tributária e afirmou que as administrações públicas devem ter autonomia para criarem os seus próprios mecanismos: “Não queremos uma Administração Pública que tenha receios de executar as suas funções porque tem de perguntar tudo ao Governo. Quanto mais desenvolvidos são os países, mais autónomas e responsáveis são as Administrações Públicas. Aquilo que em Portugal, se calhar, tivemos demais foi um controlo político da Administração Pública”.

A ministra disse ainda não querer apurar responsabilidades sem conhecer as conclusões das averiguações em curso por parte da Inspecção Geral de Finanças. “Decidir em cima de notícias parece-me genuinamente imprudente”, afirmou.

Esta semana, a revista Visão revelou um documento dos serviços de auditoria da Autoridade Tributária, datado de Novembro do ano passado, que indica a existência de alertas informáticos que são dados quando há acesso à informação de alguns contribuintes. “A área de Segurança Informática configura alertas que serão despoletados em caso de verificação de consulta ou alteração de dados de determinados contribuintes que, na ausência de melhor conceito, denominamos VIP”, lê-se no documento citado pela Visão.

Maria Luís Albuquerque aproveitou ainda para elogiar António Brigas Afonso, que se demitiu do cargo de director da Autoidade Tributária na sequência deste caso, e para brincar com o facto de não estar na lista de quatro nomes divulgada pela comunicação social: “Deduzo que não sou VIP, pelo menos pelo que saiu a público”, disse a governante. De acordo com a imprensa, apenas Cavaco Silva, Pedro Passos Coelho, Paulo Portas e Paulo Núncio faziam parte do rol de nomes que geravam alertas quando os dados fiscais eram consultados.

O deputado comunista Paulo Sá questionou ainda Maria Luís Albuquerque sobre a existência de “empresas privadas cujos funcionários têm acesso às bases de dados das autoridades tributárias”. O deputado não especificou a que empresas se referia e a resposta não foi concreta. “Não tenho condições de lhe responder aqui e agora”, começou a ministra. “O que quero crer é que os subcontratos que eventualmente existam podem ser em matéria de serviços informáticos, manutenção de sistemas... Naturalmente, tem de haver mecanismos de protecção dos dados fiscais”.


A base de dados de contratos públicos, que pode ser consultada online, mostra que a Autoridade Tributária adjudicou, em 2014 e 2013, três contratos à empresa Homeostase relacionados com o uso de uma aplicação informática chamada Splunk, que é desenvolvida por uma multinacional americana e que permite a análise de grandes quantidades de dados. O mesmo Splunk está em uso na máquina fiscal desde, pelo menos, 2009, ano em que o licenciamento do software foi contratado com a sociedade unipessoal Marco Paulo de Abreu.

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