quinta-feira, 26 de março de 2015

"A principal influência de um líder é a pedagogia dos seus actos"


ENTREVISTA
"A principal influência de um líder é a pedagogia dos seus actos"
NUNO SÁ LOURENÇO 25/03/2015 - 20:01

Henrique Neto candidata-se a Presidente porque quer forçar os partidos e o país a debaterem uma estratégia nacional. Um debate essencial num país sem estratégia desde que aderiu à União Europeia

Aos 78 anos, já reformado, o empresário e ex-deputado do PS critica todos os governos que passaram por São Bento. Continua à espera da “visão” de António Costa para o país. Considera a detenção de Sócrates “previsível”, não acredita na capacidade de Guterres como Presidente e penaliza-se com o processo de fuga fiscal em que viu envolvida uma das suas empresas

Porque anunciou a candidatura no Padrão dos Descobrimentos?
É monumento simbólico, do período em que Portugal teve uma estratégia clara que nos colocou à frente do mundo. Quis, de alguma forma, dizer que não há razão para não repetir isso.

Qual a estratégia que defende?
Sempre defendi uma estratégia euro-atlântica. O que fizemos depois de termos entrado na CEE foi esquecer toda essa tradição do século XV, a cultura e até as estruturas que tínhamos  para nos dedicarmos a ser os bons alunos da União. Isso empobreceu muito o país, do seu prestígio internacional e economicamente. Como bons alunos, seguimos tudo o que a UE nos disse e abandonámos a agricultura que foi o nosso sustento ao longo dos séculos. Tínhamos que modernizar, sem dúvida, mas nunca abandonar. Abandonámos as pescas. Mesmo na indústria, acabámos com a metalo-mecânica pesada, acreditámos que o calçado e a confecção iriam desaparecer, apostámos numa economia de serviços.

Essa estratégia implica o quê?
Portugal deve ser a porta da Europa para as Américas, África e Oriente. Reduzir a nossa estratégia ao espaço europeu torna-nos periféricos.

Defende que nos tornemos intermediários no comércio internacional?
Não apenas. Eu defendo há muitos anos o porto de Sines, o que implica uma logística. A nossa economia é pequena e a vocação de Sines é o transshipment, ou seja, os grandes navios que cruzam o Atlântico com contentores terem um local onde descarregam e depois, outros navios distribuem pelo Norte da Europa. Se tivermos massa crítica, seremos o local da Europa mais desejável para investir no que eu chamo de empresas integradoras, como a Auto Europa. Hoje, para se produzir um automóvel, um aspirador, um telemóvel, os componentes vêm de todo o mundo. O local onde os navios passam trazem os componentes de todo o mundo de forma barata para uma empresa que se queira localizar nessa região. E depois os produtos finais são enviados para o mundo com o mínimo de custos.

Essa visão é para levar a cabo pelo governo e não por um Presidente…
Não necessariamente, a intenção desta candidatura - e por isso avançámos relativamente cedo – é dialogar com os portugueses mas também com os partidos sobre o país nos próximos 10 ou 15 anos. É evidente que essa estratégia terá de ser assumida por um governo. Temos a ambição que essa estratégia – que serão duas páginas – venha a ser a base de um entendimento entre partidos se houver necessidade pós-eleitoral. É essencial que os partidos digam qual a sua estratégia. Não podemos viver a gastar milhares de milhões de euros em investimentos inúteis porque não servem uma estratégia.

Do que já ouviu de António Costa, acha que tem uma estratégia?
Gostaria que tivesse. Ainda não consegui perceber. O problema não é apenas do PS ou de António Costa. É de todos.

A Agenda para a Década não é uma estratégia?
É uma listagem que depois ninguém lê! Fazem-se as legislativas e vamos supor que não há maioria absoluta e que PS e PSD se sentam para discutir uma coligação. O PS apresenta a sua Agenda para a Década. Nunca chegarão a acordo, porque está ali tanta coisa que o PSD recusa. Se o PSD fizer o mesmo, o PS vai dizer que metade daquilo é impossível. Mas se alguém apresenta algo mais conciso, já dá para se sentarem. Permitindo um acordo de princípio que depois poderá ser trabalhado.

Caracteriza o país como uma ilha ferroviária, o que lembra a aposta de José Sócrates no sector…
O TGV poderia ter sido um passo na direcção certa, mas quando pensou nisso o país já não estava em condições. Porque andou a fazer auto-estradas, endividar o país para lá da razoabilidade, esquecendo as gerações futuras, fazendo-o de forma anárquica, com as PPP. Se Sócrates tivesse estratégia, teria prioridades. Quando esses Governos optaram pelo transporte rodoviário à outrance, a opção era a da Europa há 40 ou 50 anos. Quando Sócrates aposta nisso já era evidente que o futuro era a ferrovia. Por razões ambientais, energéticas, de congestionamento e até, no nosso caso, por sermos periféricos. Exportar para a Europa por camião traria mais problemas.

Como encara a detenção do ex-primeiro-ministro?
É uma questão muito séria. É um grande problema para o país. É grave que apareça nos jornais do mundo que Portugal tem um ex-primeiro-ministro detido por aqueles motivos. Claro que era previsível. Mas que fique claro que não tenho ódio a José Sócrates.

Porque diz que era previsível?
A principal influência de um líder é a pedagogia dos seus actos. Costumo dizer que, quando se toma uma decisão, o mais importante é a pedagogia. O primeiro-ministro é visto pelo país inteiro, como o Presidente da República. Se esses exemplos são maus, se são autoritários no mau sentido, se não são transparentes, se não explicam as coisas, se se escondem factos, a pedagogia errada passa para o país. O caso BES, o caso PT não seriam possíveis se o Estado, os Governos, as Presidências tivessem levantado problemas à ausência de pedagogia do poder. Isso impressionou-me sempre. De hiatos que não eram explicados, de uma tentativa de controlo dos meios de comunicação e da Justiça. Vi muitas coincidências a amontoar-se, muitas empresas quase de vão de escada a surgirem por apoio do poder político e dos bancos que estavam quase sob a administração do poder político, toda a gente recorda o BCP, a OPA à PT. E o primeiro-ministro de então estava metido nisso até às orelhas.

É um retrato de um país sem regular funcionamento das instituições?
A minha candidatura pretende fazer uma interpretação exigente disso. Quando os jornalistas pedem informação aos órgãos de poder, ministérios, estando na lei que a informação é devida e não é dada, para mim isso não é o regular funcionamento das instituições democráticas. Também não é normal que um Governo decida um investimento como o previsto para o Barreiro sem o explicar. Ao não se explicar, o país começa logo a pensar ‘lá estão eles com os interesses’.

Que faria perante um governo assim?
Se, de forma continuada, um governo mantivesse uma postura desse tipo e se isso começasse a dar azo a conflitos, se estivesse – como neste momento – com dificuldade em assumir as reformas necessárias, dissolveria o Parlamento. Apesar de ser pela estabilidade.

As notícias sobre a carreira contributiva de Passos Coelho também não fazem pedagogia?
É um caso completamente diferente, não tem em escala, dimensão ou estilo de governação qualquer comparação com José Sócrates. Mas é uma pequena mancha com que Passos Coelho fica.

Prejudica a imagem de Passos Coelho?
Sim, mas os portugueses é que vão decidir. Não vale a pena tanto debate com coisas que os portugueses têm poder para julgar. O problema do país são as grandes questões em relação às quais os portugueses não têm poder de julgamento. De que não se mostra ao país o prejuízo que daí resulta.

Não é importante o apoio do PS?
Dizer que o PS não é importante é um erro. Sou militante socialista e quando António Costa diz que a minha candidatura não é relevante, tenho de dizer que o PS para mim é muito relevante. Mas esta candidatura é independente. Tenho consciência que o apoio dos partidos – nomeadamente do PS - é meio-caminho para a vitória. Todavia, as candidaturas partidárias têm sempre compromissos iniciais e futuros, que não estou disponível a aceitar. É mais realista manter esta decisão de ser um candidato independente.

A candidatura de António Guterres fá-lo-ia desistir?
Já não. António Guterres é um homem com qualidades muito especiais e por quem nutro admiração. Mas teve práticas políticas na sua governação – não ter uma estratégia – a ponto de eu lhe ter escrito uma carta aberta em que já expunha algumas destas coisas de que falo. Guterres foi eleito, entre outras coisas, com críticas fortes à política de betão de Cavaco Silva. Ele aumentou a política de betão. Também trabalhou na política da educação mas a política de betão foi fatal. Além disso, foi muito influenciado por pessoas que o rodeavam. Não considero que António Guterres possa regressar a Portugal e fazer as mudanças que o país necessita.

Há dois anos foi noticiado que teve de regularizar junto do fisco…
…Não fui eu, foi a empresa.

A Iber-Oleff teve de regularizar um pagamento de 30 mil euros…
Foram cerca de 17 mil euros…

Devido a irregularidades fiscais…
Fuga ao fisco, não fuja às palavras (risos)…

Isto prejudica a sua candidatura?
(Longo suspiro) Nunca se sabe. Posso dizer-lhe que prejudicou a minha vida como empresário. Tinha 11% do capital da Iber-Oleff, não tinha nenhum cargo na empresa. A maioria de capital era de uma empresa alemã. Essa empresa abriu falência. Essa empresa começou a desnatar a Iber-Oleff através de facturas de serviços que não existiam. Sendo legal, comecei a preocupar-me, a ver as contas com mais atenção. Mas não me apercebi que, paralelamente, tinham feito um off-shore e que enviavam dinheiro para depois reenviar para a empresa. Isso não sabia embora desconfiasse. Porque tínhamos um director financeiro na Iberomoldes que era também director financeiro na Iber-Oleff e comecei a ver comportamentos, como ir para o estrangeiro sem eu saber onde. Até que um dia me entrou pela casa dentro um procurador a dizer-me que tinha de aceder aos computadores. Viram os computadores, foram a minha casa não encontraram nada, mas na empresa encontraram qualquer coisa. O procurador disse-me que haveria um processo. Acontece que eu tinha recebido da empresa cerca de 17 mil euros com uma justificação de viagens, disto e daquilo. Fui descuidado em relação a esses 17 mil euros. Sou culpado disso, não o nego.

Quando desconfiou não reagiu?

Quando vi que a empresa estava a ser descapitalizada, pus o problema aos sócios. Dizer que isto não me afectou é faltar à verdade. Apesar de ser uma soma ridícula, causou um grande mal-estar na sociedade. Quer na Iber-Oleff, quer na Iberomoldes. O financeiro que fez isso foi para a rua, impus entre aspas a minha entrada no conselho de administração, mas a relação dos sócios estava inquinada. Foi a razão principal para que acabasse com a minha presença na empresa e acabasse também por me reformar. Lamento e não é uma coisa de que me orgulhe.

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