quinta-feira, 19 de março de 2015

Milhões em 'luvas' a altos quadros / Ex-director do SEF deixa prisão domiciliária mas não pode sair do país


Milhões em 'luvas' a altos quadros
Catarina Guerreiro e Joana Ferreira da Costa | 17/03/2015 / SOL online

A detenção, nos últimos meses, de vários altos dirigentes do Estado envolvidos em esquemas de corrupção de milhões de euros é resultado da crise que atingiu o país. A explicação é dada ao SOL por especialistas e agentes do sector, que consideram que as medidas de austeridade impostas aos portugueses forçaram os políticos e a Justiça a promoverem um maior combate à corrupção na Administração Pública.

“Com a tomada de medidas que diminuíram o rendimento das famílias e aumentaram o nível de pobreza, houve uma campanha fácil para se exigir do lado do Estado maior transparência na sua actuação” -  diz Rui Teixeira dos Santos, professor do Instituto Superior de Gestão e autor de diversos estudos sobre o tema, considerando que a crise levou “o Parlamento a aprovar leis que definem o combate à corrupção como uma prioridade criminal”.

Com a descoberta recente de, pelo menos, três redes no coração  da Administração Pública - nas áreas da Administração Interna, da Justiça e da Segurança Social - a opinião pública ficou mais alerta e exigente, dizem os especialistas. “A alta corrupção tornou-se actualmente num tema central das campanhas eleitorais”, sublinha Carlos Pimenta, do Observatório de Economia e Gestão de Fraude.

“Há uma situação de alarme social do cidadão face à corrupção”, concorda João Paulo Batalha, director-executivo da organização Transparência e Integridade, Associação Cívica. “Por alguma razão nas últimas semanas o Parlamento foi inundado de propostas contra a corrupção que estavam a marinar e que os partidos repescaram”, refere Batalha, acrescentado: “A própria Justiça está a ser mais pressionada a agir por força da opinião pública”.

Procuradora promete combate

António Cluny, procurador-geral adjunto representante de Portugal no Eurojust, organismo europeu para a cooperação judiciária, também não tem dúvidas de que há “uma sensibilidade muito maior em relação ao crime de corrupção, a nível nacional e europeu”. E concorda que “foi a crise económico-financeira que agudizou essa sensibilidade, levando as pessoas e as instituições a estarem mais atentas”.

Aliás, a procuradora-geral da República (PGR), Joana Marques Vidal, anunciou, há um semana, a criação de um grupo de trabalho para delinear uma estratégia de combate à corrupção, que definiu como uma aposta do seu mandado. Isto depois de ter reconhecido  a gravidade do problema: há “uma rede que utiliza o aparelho do Estado e outro tipo de aparelhos da Administração Pública para realizar actos ilícitos”, muitos envolvendo “corrupção”.

De acordo com os peritos, o desmantelamento destas redes que operavam na Administração Pública mudou a percepção da opinião pública sobre a corrupção no país. “O fenómeno era até agora sobretudo visto em situações menores, como nas autarquias e juntas de freguesia”, diz Carlos Pimenta. E Rui Teixeira dos Santos recorda que, numa sondagem que fez em 2008, para o seu estudo sobre a corrupção em Portugal, os portugueses não mencionavam sequer os altos dirigentes como protagonistas de esquemas de 'luvas': “Achavam que a maioria dos casos ocorria nos centros de saúde e hospitais e nas autoridades tributárias”.

A aposta no combate a este fenómeno e o consequente aumento de meios nas polícias e no Ministério Público é também apontado como uma das explicações para a detecção de tantos casos nos últimos tempos. “Importa reconhecer que, entre nós, as magistraturas e os órgãos de polícia criminal estão agora melhor apetrechados: mais especialização, mais dotações logísticas e um maior sentido de proactividade”, afirma ao SOL Cunha Rodrigues, antigo PGR, acrescentando verificar, “com surpresa e aplauso, que se tornou possível mobilizar dezenas ou mesmo centenas de agentes de órgãos de polícia e da fiscalização tributária para uma só operação”.

“Há 15 ou 20 anos, a requisição de dois ou três inspectores de polícia reclamava demoradas e tortuosas negociações entre representantes das magistraturas e membros do Governo”, recorda.

Para o antigo procurador-geral da República, “o fenómeno da corrupção teve tradicionalmente, em Portugal, um significado larvar e cultural” que mudou com a “entrada dos fundos comunitários”, na medida em que os “riscos passaram rapidamente a irradiar para sectores sensíveis da Administração”.

Cunha Rodrigues considera, por isso, que “o Estado reagiu tarde e com excesso de prudência”. Isto porque, “por um lado, o sistema penal não estava calibrado para este tipo de criminalidade” e, “por outro, porque, no interior do poder, havia quem não estivesse interessado em dotar a Justiça dos instrumentos necessários e, pior ainda, quem temesse e se limitasse a induzir factores de suspeição sobre a Justiça”.

'Luvas' de 50 milhões nos vistos gold

Para o fundador do Movimento Anti-corrupção, criado em 2010 por vários cidadãos, é certo que houve um aumento da eficácia das autoridades judiciais. “Há mais e melhor investigação”, acredita Micael Sousa, recordando que quando o movimento foi lançado com o objectivo de chamar a atenção para a necessidade de mudar a cultura portuguesa, os seus responsáveis chegaram a fazer uma proposta ao Conselho de Prevenção da Corrupção, liderado por Guilherme de Oliveira Martins, para tornar o tema obrigatório nas escolas,  nas aulas de educação cívica, ideia que acabou por não avançar.

Luís de Sousa, investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e presidente da organização Transparência e Integridade, Associação Cívica, defende que um dos problemas é exactamente a falta de prevenção. E garante que apesar dos serviços do Estado terem hoje quase todos planos anti-corrupção, eles não funcionam por serem desfasados da realidade. “O plano de prevenção de riscos do SEF não previa os riscos ligados à atribuição dos vistos gold”, exemplifica.

E neste caso as 'luvas' da corrupção poderão atingir os 50 milhões de euros, estima Rui Teixeira dos Santos, autor do trabalho 'Economia Política da Corrupção', que pela primeira vez, em 2008, monitorizou o impacto deste crime em Portugal. “Mantendo os pressupostos do estudo de 2008 relativamente à incidência da corrupção sobre o volume de investimento público, no caso da prestação de serviços dos vistos gold, o que me parece razoável, estimo que as 'luvas' envolvidas neste processo rondaram os 50 milhões de euros”, adiantou o especialista, referindo-se ao cálculo apurado, e baseado em sondagens, de que 5% do volume total do investimento público é desviado para 'luvas'. Terá sido essa, acredita, a percentagem desviada do investimento de mais de mil milhões de euros trazido pelos vistos gold - medida do Governo para atrair investimento estrangeiro.

Luís de Sousa sublinha que este e outros esquemas resultam em parte dos “fracos mecanismos de prestação de contas” dentro das instituições do Estado. E deixa um alerta: “Vamos continuar a descobrir mais casos de corrupção na Administração Pública”. O especialista prevê mesmo que o risco de corrupção vai aumentar com as novas regras propostas pelo Governo, que alargam a atribuição de vistos gold a quem invista em fundações públicas ou privadas, associações culturais e entidades associativas municipais. Num estudo que o organismo que lidera está a concluir - e que pretende tornar público em breve -  já foram detectados graves problemas. “O investimento nestas instituições pode mascarar financiamentos eleitorais ilegais e estimular o tráfico de influências para a obtenção de investimento em determiandos municípios ou instituições”, garante por sua vez o director-executivo da associação, João Paulo Batalha.

catarina.guerreiro@sol.pt


joana.f.costa@sol.pt




Ex-director do SEF deixa prisão domiciliária mas não pode sair do país
MARIANA OLIVEIRA e MARIA LOPES 18/03/2015 - PÚBLICO

Manuel Jarmela Palos estava com pulseira electrónica desde dia 25 de Novembro.

O Tribunal da Relação de Lisboa atenuou esta quarta-feira as medidas de coacção aplicadas ao ex-director do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) substituindo a prisão domiciliária de Manuel Jarmela Palos por outras duas obrigações: a proibição de se ausentar do país e a obrigação de se apresentar às autoridades duas vezes por semana. Nesse âmbito, terá de entregar o passaporte.

O ex-director do SEF é suspeito de fazer parte de uma alegada rede que se dedicaria a facilitar, a troco de contrapartidas, a obtenção dos chamados vistos gold, nome pelo qual o processo ficou conhecido.

As duas juízas que analisaram o recurso mantiveram as restantes medidas de coacção aplicadas a 18 de Novembro pelo juiz Carlos Alexandre, que fundamentou a necessidade da permanência de Jarmela Palos na habitação devido ao perigo de perturbar as investigações. O ex-director do SEF continua, por isso, proibido de contactar com elementos que trabalhem ou tenham trabalhado no SEF, nos Serviços de Informações e Segurança, na Polícia Judiciária, no Ministério da Administração Interna e com qualquer magistrado, seja juiz ou procurador. 

Não é claro ainda se o Jarmela Palos, quadro do SEF, poderá retomar o trabalho, já que formalmente não está suspenso. Contudo, a proibição de contactos com profissionais daquele serviço inviabiliza na prática o reinício de funções. Recorde-se que Jarmela Palos pôs uma providência cautelar no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa para impedir que o Ministério da Administração Interna lhe suspenda o pagamento do salário.

O advogado do ex-responsável do SEF no processo-crime, João Medeiros, afirmou ao PÚBLICO estar “muito contente” com o fim da prisão domiciliária do seu cliente, que estava confinado à sua habitação desde 25 de Novembro, ou seja, há perto de quatro meses. Esta quarta-feira o antigo dirigente do SEF já pode sair de casa.

“À medida que conheço com mais profundidade o processo, fico mais convicto da inocência do meu cliente. O próximo passo é batermo-nos por isso em julgamento”, acrescentou o advogado. O defensor adiantou que esta quarta-feira apenas foi notificado do resultado do recurso interposto na Relação, mas ainda não conhece os respectivos fundamentos.

Antes de ser sujeito a prisão domiciliária, Manuel Jarmela Palos esteve sete dias detido no Estabelecimento Prisional de Évora, dedicado a acolher elementos das forças policias por questões de segurança. É a mesma prisão onde se encontra desde dia 24 de Novembro o antigo primeiro-ministro José Sócrates.

Jarmela Palos, a ex-secretária-geral do Ministério da Justiça, Maria Antónia Anes, e o empresário Jaime Gomes (sócio-gerente da empresa JMF Projects & Business) foram os únicos arguidos a quem, o juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal deu a possibilidade de substituir a prisão preventiva pela prisão domiciliária, desde que existissem condições técnicas para essa alteração.

No processo estão em causa crimes de corrupção activa e passiva, recebimento indevido de vantagem, prevaricação, peculato de uso, abuso de poder e tráfico de influência. No âmbito da chamada “Operação Labirinto”, foram detidas 11 pessoas, mantendo-se, neste momento, apenas duas delas em prisão preventiva. Trata-se do antigo presidente do Instituto de Registos e Notariado (IRN), António Figueiredo, que ainda aguarda o resultado de um recurso interposto na Relação de Lisboa contestando a aplicação da mais gravosa medidas de coacção, e do empresário chinês Zhu Xiadong.


Mantém-se ainda em prisão domiciliária a ex-secretária-geral do Ministério da Justiça, Maria Antónia Anes, e o empresário Jaime Gomes, sócio da filha do ex-presidente do IRN e do ex-líder do PSD Luís Marques Mendes. Miguel Macedo foi sócio da mesma empresa entre 2009 e 2011, tendo cedido a sua quota a Jaime Gomes. Estas ligações levaram à demissão de Miguel Macedo, então responsável pela Administração Interna.

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