Costa tem, como diz o povo, "feito de mula", evitando falar e comprometer-se. |
Cem dias sem (estado de) graça
01 Março
Liliana Valente /
OBSERVADOR
Dentro e fora da
direção do PS, António Costa ouve reparos e críticas. Todos querem mais ação do
líder e mais propostas. Já há quem fale em desilusão e problemas de comunicação.
O problema das
vitórias gordas são as expetativas. Ou melhor: as altas expetativas. A fasquia
estava algures além dos 40%, o valor a que Seguro não chegou nas eleições
europeias e que levou Costa a desafiar a liderança socialista. E nestes 100
dias, o novo secretário-geral do PS viu que o caminho da maioria absoluta
também tem espinhos: o PS não descola nas sondagens, vê PSD e CDS a ganharem
terreno e o desconforto faz-se sentir nas hostes socialistas. Alguns já ensaiam
o argumento de que a comunicação não está a funcionar, outros dizem que a
detenção de José Sócrates foi o empecilho que está a ser difícil para Costa de
se desenvencilhar. Mas o maior problema desta nova direção do PS é o desânimo
de alguns – há quem fale em desilusão -, que querem mais ação e mais
atrevimento. Os críticos e os que que lhe são próximos são unânimes numa ideia:
tem de haver mais PS (e Costa) na praça pública, com propostas e declarações.
As palavras saem
dos críticos, mas também de socialistas apoiantes de António Costa. A ausência
de António Costa na Assembleia da República faz com que muitas vezes o líder
socialista não tenha espaço de antena. Mas para muitos nem é o facto de não
haver espaço na praça pública, mas das poucas ideias claras para o preencher. Costa
está a “navegar ao sabor do vento”, está numa de “fazer-se de morto” ou “a não
arriscar” para não vir a ser confrontado com ideias que não poderá concretizar
no futuro. Dos vários socialistas com quem o Observador falou nos últimos dias,
todos querem mais, admitindo que a força destes três meses tem sido muito menor
do que o impulso que esperavam. O entusiasmo inicial está a dar lugar a
desalento ou desânimo.
"Não vamos estar a desfilar
propostas. É o tempo de julgar o que já foi feito"
Sérgio Sousa
Pinto
Apesar deste
sentimento, quando a questão é a de falar sobre o assunto, as críticas são
contidas. Os mais próximos de Costa falam na necessidade de propostas mas com
conta, peso e medida, para que as ideias não sejam escrutinadas antes de tempo.
Numa das últimas
reuniões da bancada parlamentar, houve quem abordasse o assunto. Se em janeiro
houve quem levasse assuntos concretos, como escreveu o Observador, as últimas
reuniões têm sido menos participadas e com menos chamadas de atenção. Ainda não
há confrontação direta e as críticas quer a Ferro Rodrigues, na liderança dos
deputados, quer a Costa, são feitas com pinças. Depois de uma dessas reuniões
parlamentares, questionado pelo Observador sobre a estratégia seguida pelo
partido, Sérgio Sousa Pinto, secretário-nacional do PS, defendia que o tempo
era outro, o de fazer oposição ao atual Governo, mais do que apresentar
propostas, até porque a apresentação do programa foi empurrada para o final de
junho. “Não vamos estar a desfilar propostas. É o tempo de julgar o que já foi
feito”, diz Sousa Pinto.
Em entrevista ao
Observador, Pedro Bacelar Vasconcelos, um dos nomes que Costa chamou para a
nova direção, tem uma opinião ligeiramente diferente. Não concorda com a visão
de falta de ideias: “Não me apercebo de um vazio de opiniões que possa
corresponder a uma forma malandra de manter o silêncio para não se
comprometer”.
“Não me
apercebo de um vazio de opiniões que possa corresponder a uma forma malandra de
manter o silêncio para não se comprometer”
O mesmo acredita
Ferro Rodrigues. O líder da bancada parlamentar, defende em conversa com o
Observador que têm sido apresentadas ideias, mas que Costa não quer prometer o
que pode não vir a conseguir cumprir. Ou seja, para Ferro, o silêncio não
significa que Costa não tem ideias, mas que é preferível ter cuidado. “Faz mais
sentido não avançar com propostas ou proclamações que depois não são possíveis
de levar à prática depois das eleições. Há uma grande preocupação dele [Costa]
em relação a isso e acho que tem demonstrado ter toda a razão”, acrescenta.
Mas os seguristas
não escondem que Costa não é assim tão diferente do que era a liderança de
António José Seguro. Álvaro Beleza, um dos mais próximos de Seguro diz que
Costa “tem sido moderado, cauteloso e prudente, porventura às vezes até em
excesso”, mas também concorda que “é melhor não prometer, do que prometer o que
não se pode cumprir”, assim como fazia Seguro, acrescenta e que nem sempre era
compreendida por todos.
Mesmo não tendo
apresentado muitas propostas, há outro problema que os socialistas já começam a
falar: o que “é dito”, para os socialistas, não passa. O exemplo que apontam é
sobretudo um. No início do mês de março, o PS apresentou no mesmo dia um pacote
de seis propostas na Assembleia da República na área da economia – ver aqui e
aqui - e a cobertura da comunicação social desagradou aos socialistas. Ferro
Rodrigues referiu-o numa reunião da bancada parlamentar que aconteceu um dia
depois. O líder parlamentar falou da dificuldade de passar a mensagem, uma
queixa antiga e roubada à anterior liderança socialista de António José Seguro.
Ao Observador, admitiu essa “fatalidade” e deixou a receita: “É preciso repetir
a mensagem nem que seja preciso repeti-la 500 vezes”.
"Os resultados [das sondagens] não são os que desejamos,
mas há um trabalho de preparação do programa eleitoral que está a ser feito e
que vai permitir ao PS afinar a sua alternativa e preparar as pessoas para
ela"
Pedro Nuno Santos
A relação com a
comunicação social tem sido aliás o calcanhar de Aquiles para António Costa
nestes 100 dias de liderança. Muitas vezes em que aparece em público opta por
não falar aos jornalistas, além de que durante boa parte inicial do mandato,
tinha uma agenda pública mais reduzida. E das últimas vez que o fez, não correu
bem.
A última semana
foi talvez a semana mais negra para o secretário-geral do PS. Fez um discurso
sobre o Estado do país para uma plateia de investidores chineses, dizendo que
Portugal estava “diferente” de há quatro anos, mas dando a entender que era no
bom sentido. E PSD e CDS cavalgaram a onda. A trica política poderia ter ficado
por aqui, não fosse um fundador do partido, Alfredo Barroso, ter batido com a
porta depois de mais esta gota de água, que lhe fez transbordar o copo da
insatisfação que vinha a encher há meses. Terceiro problema: Costa, ao tentar
apagar o fogo, deu-lhe mais importância, desdobrando-se em esclarecimentos,
comunicados e até uma sms aos militantes. Lei de Murphy: Se há qualquer coisa
que possa correr mal, vai correr mal. Correu.
Do lado do Rato,
a justificação é a de que cavalo que vai à frente é o mais mal amado e, como
consequência, aquele a que todos apontam baterias, da oposição à comunicação
social: “O PS e António Costa, por serem aqueles que aparecem à frente nas
sondagens e com possibilidade de formar Governo, são muito criticados. Isso é
óbvio que é o que vai acontecer daqui até às eleições, temos de achar isso uma
coisa perfeitamente normal”, diz Ferro Rodrigues.
“O PS e António Costa, por serem
aqueles que aparecem à frente nas sondagens e com possibilidade de formar
Governo, são muito criticados. Isso é óbvio que é o que vai acontecer daqui até
às eleições, temos de achar isso uma coisa perfeitamente normal”
Para fechar a semana
com o nó na garganta a apertar, chegou mais uma má notícia. A sondagem do
Expresso trazia o maior amargo de boca. PSD e CDS coligados estão em empate
técnico com o PS. Se as anteriores sondagens já tinham feito aquecer o Largo do
Rato, esta última faz soar todas as campainhas de alarme. É que se há coisa que
une os socialistas é a vontade de maioria absoluta e uma não coligação alargada
formando um novo bloco central e com os resultados nas sondagens a mostrarem PS
e coligação PSD/CDS em empate técnico, muitos temem que essa possa vir a ser
uma possibilidade. Álvaro Beleza pede um “não” claro a coligações à direita e o
mesmo diz o dirigente Bacelar Vasconcelos: “Com este PSD e com este CDS – e
perante as políticas que têm levado a cabo, e que vão continuar a levar até ao
final do mandato -, não há terreno possível para um acordo”.
Há uma nuance:
“Este” não pode não ser “o” PSD do futuro. E se for diferente? A resposta já
não é tão taxativa de todos. Bacelar Vasconcelos até diz que há várias formas
de governação – o mesmo que Costa põe na moção ao congresso – e que há no PSD e
no CDS pessoas “com as quais é possível dialogar”. Certo é que se as urnas
ditarem uma vitória à justa, repetindo o cenário do governo de Guterres, há
várias variáveis que vão dividir os socialistas, mesmo os próximos de Costa: a
decisão do Presidente de não dar posse a um governo minoritário sem qualquer
tipo de acordo (Cavaco já deixou claro que o próximo Governo pode não ser de
maioria absoluta, mas te de dar garantias de estabilidade, o que pode ser
conseguido com acordos na Assembleia da República, por exemplo); ou a decisão
de Passos, mesmo perdendo, não abandonar o PSD. “O” PSD continuaria a ser assim
“este” PSD e não mudando de líder, dificulta ainda mais a tarefa a entendimentos
futuros. Até porque nos corredores socialistas corre a ideia que se fosse Rui
Rio o líder social-democrata poderia haver uma possibilidade de entendimento.
Comunicar é repetir
Certo é que os
socialistas não contavam estar a fazer contas à justa por esta altura. Quando
Costa foi eleito, acreditavam que este daria um salto nas sondagens. Mas se lá
dentro começa a sentir-se um clima de preocupação e tensão, a ideia para fora é
a de que cada coisa tem o seu tempo e que há tempo para acertar ponteiros na
mensagem a transmitir aos portugueses.
“Não há problema
de comunicação. A mensagem vai-se afinando”, diz Sérgio Sousa Pinto.
A apresentação do
programa de António Costa, que esteve prevista para a primavera, deverá chegar
já com o sol primaveril a cheirar a estio (dia 20 de junho), mais um adiamento
que aumenta o tempo em que o PS estará a navegar à bolina, sem fio condutor a
que se agarrar. “Os resultados [das sondagens] não são os que desejamos, mas há
um trabalho de preparação do programa eleitoral que está a ser feito e que vai
permitir ao PS afinar a sua alternativa e preparar as pessoas para ela”, diz
Pedro Nuno Santos.
Além disso,
António Costa, ao contrário de Seguro que tinha secretários nacionais a reagir
a tudo o que era dito e feito pelo Governo, a partir do Rato ou na Assembleia
da República, optou por um modelo diferente: os porta-vozes do partido estão no
Parlamento… Onde Costa não está. Da direção socialista, poucos têm sido os
nomes a falar em nome do PS. João Galamba e Sérgio Sousa Pinto são os mais
ativos em declarações e Porfírio Silva, que tem nas mãos a relação com a
comunicação social, prefere ficar atrás das câmaras.
Na reta final dos
trabalhos parlamentares, a estratégia do grupo parlamentar será a de apresentar
algumas propostas que marquem até ao verão, mas que não tenham impacto
orçamental significativo e confrontar o governo em debates de urgência.
Um impasse chamado Syriza
A Grécia foi
talvez o maior teste de fogo deste início de mandato de Costa e aquele que vai
trazer incerteza aos próximos meses. Além disso, obrigou os socialistas a
definirem uma posição mais rápido do que esperavam o que acabou por fazer
aparecer posições diferentes mesmo dentro da própria equipa de Costa, que se
dividiu entre os mais conservadores em relação à vitória do Syriza e aqueles
que ficaram mais entusiasmados com a possibilidade de haver um novo rumo na
Europa.
Costa ouve um
lado (os mais velhos) e outro (os mais novos) e numa primeira reação até se
mostrou satisfeito por Alexis Tsipras. Quem falou em nome do partido em relação
à Grécia foi sempre João Galamba, secretário-nacional, mais entusiasta que a
maioria dos colegas de direção. Sérgio Sousa Pinto acompanhou-o na leitura. Ao
Observador, prefere criticar a posição do Governo dizendo que “é um bocado
deprimente fazer o jogo dos países com interesses diferentes dos nossos”. E
Bacelar Vasconcelos diz que Portugal “tem uma dívida para com a Grécia, pela
sua ousadia”.
Mas se com
Sócrates o mundo mudou em 15 dias, na Grécia tem mudado todos os dias. E depois
do entusiasmo inicial, houve um refrear das palavras e da colagem ao próprio
Syriza. Ao ponto de o próprio Ferro Rodrigues, em conversa com o Observador,
notar que o partido da esquerda radical grega fez cedências nas negociações
tendo agora “uma posição mais suave do que antes das eleições”.
"O PS tem uma situação
bastante infeliz com o facto de o antigo primeiro-ministro estar em prisão
preventiva, uma situação que causa evidentemente grandes dificuldades"
Ferro Rodrigues
Balança pesada no negativo
Foram cem dias
com muitos percalços. Muitos deles com estrondo. Até porque 100 dias de Costa
são também 100 dias de José Sócrates detido. Foi uma coincidência que assombrou
a início de mandato do novo líder socialista. Começou o mandato a descolar-se
do antigo primeiro-ministro, dividindo entre aquilo que era o homem e o
Governo. Mas a separação entre a amizade e a política, apesar de bem gerida –
dizem os vários socialistas ouvidos pelo Observador – deixa marcas no povo… e
nas intenções de voto. Chamar-lhe “incómodo” é pouco. Ferro Rodrigues prefere
chamar-lhe uma “infelicidade” que causou dificuldades: “O PS tem uma situação
bastante infeliz com o facto de o antigo primeiro-ministro estar em prisão
preventiva, uma situação que causa evidentemente grandes dificuldades”, diz.
Além disso, há um
duplo escrutínio a António Costa: apesar de todos dizerem que Costa está a
conseguir conciliar o trabalho na Câmara de Lisboa e a liderança no PS, a
atuação na autarquia é agora passada a pente fino, o que já lhe trouxe vários
dissabores, desde as inundações, aos buracos nas ruas, às “taxas e taxinhas” do
turismo a terminar já este mês com a isenção ao Benfica.
Depois de 100
dias conturbados, faltam pouco mais de sete meses para as eleições
legislativas. O próximo momento para os socialistas serão as jornadas
parlamentares a 13 e 14 de março. E ficam várias perguntas sem resposta: com
estes resultados, vai Costa ficar até ao fim na câmara? Vai mudar a estratégia?
Vai antecipar a apresentação de propostas? Depois, disso em abril, será a
discussão do Documento de Estratégia Orçamental, um momento de clarificação do
que serão as diferenças de fundo (se as haverá) entre o Governo e o maior
partido da oposição.
Os problemas de Costa não estão
nos seus primeiros 100 dias. Estão nos próximos 200
José Manuel
Fernandes 1/3/2015, OBSERVADOR
Costa tem, como diz o povo, "feito de mula", evitando falar e
comprometer-se. É compreensível. Não sabe o que a Europa lhe vai permitir
prometer, nem sabe que sarilhos ainda criarão os mitos do Syriza
Vai pelas hostes
socialistas algum alvoroço sobre “problemas de comunicação”, “tiros no pé”,
“falta de propostas”, “desilusão”. Ao cabo dos seus primeiros 100 dias, António
Costa não transformou o partido aos olhos dos portugueses, como mostram as
sondagens, e ele próprio esteve muito longe de se transfigurar no “salvador”
que tantas expectativas criou ao ser eleito já lá vão cinco meses.
Porém, se
olharmos com alguma frieza para o que podia António Costa ter feito para hoje a
situação ser radicalmente diferente, chegamos a uma conclusão simples: é muito
mais difícil ser líder do PS do que parece, porque é muito difícil ser líder de
qualquer partido socialista na Europa de 2015. António José Seguro tinha alguma
razão quando insistia, à beira do desespero, que o sofrível resultado eleitoral
do PS nas Europeias do Verão passado era, mesmo assim, o segundo melhor
resultado de um partido socialista nessas eleições, só superado pelo dos
camaradas italianos, esses beneficiando nessa altura de ventos especialmente
favoráveis.
Costa, que anda
nisto há muitos e muitos anos, tem consciência desta situação. E é por isso que
vai fazendo de mula, evitando falar e comprometer-se, pois sabe que quem anda à
chuva molha-se. E para aqueles lados está a chover imenso.
1. Onde está o PS? No centro-esquerda ou
cada vez mais próximo da esquerda radical?
O primeiro
problema de Costa é saber onde situar o seu PS: no centro-esquerda, onde sempre
esteve e onde obteve os seus melhores resultados eleitorais, ou mais à
esquerda, para cobrir um flanco que, como se vê por essa Europa fora, mas é
sobretudo evidente em Espanha e na Grécia, pode estar vulnerável?
Costa, como
político pragmático, tem por certo consciência que o PS português só não se
encontra numa situação parecida às do PASOK ou do PSOE porque teve a sorte de
não ter de ser ele a aplicar o memorando da troika (agora chamada “as
instituições”). É certo que o assinou e até foi o principal responsável, de
longe, pelos seus termos e pelas suas metas, mas beneficiou do conforto de a
partir daí estar na oposição e ser apenas treinador de bancada. Mais: mesmo que
a “troika” não tivesse chegado na altura em que chegou, por via de um PEC IV,
ou PEC V, ou PEC VI, o PS teria tido de apertar a tarracha como o fizeram os
socialistas espanhóis, mesmo sem a presença dos inspectores das “instituições”.
Ou seja, teria tido um desgaste que não teve.
Quem quer tenha
este realismo sabe, tem de saber, que não pode fazer grandes promessas. Não se
trata de não ter ainda elementos ou estudos para poder concretizar essas
promessas, é pura e simplesmente não as poder fazer. Pela razão simples de que
o nosso futuro, tal como o dinheiro de que vamos dispor, deixou de estar nas
nossas mãos ou de depender da nossa vontade. Foi isso mesmo que o próprio
António Costa reconheceu esta semana no Lisbon Summit promovido pela Economist:
“Numa União a 28 não é possível prometer um resultado que depende de
negociações com várias instituições, múltiplos governos, de orientações
diversas. Como se tem visto nas últimas semanas, é um erro definir uma
estratégia nacional que ignore a incerteza negocial e se bloqueie numa e única
solução.”
2. Uma dor de cabeça chamada Syriza. Ou
Podemos.
Penso que Costa
não podia ser mais claro: o futuro não está nas suas mãos, não se espere muito
do seu programa de governo, contentem-se lá com “uma visão para uma década” e
não peçam muito mais.
É possível que,
aqui há uns meses, ele ainda julgasse que podia um dia ser concreto, é possível
que ao adiar a apresentação do programa para Junho ainda pensasse poder contar
com uma definição mais a seu gosto das políticas europeias. Mas com o Syriza o céu
caiu-lhe, literalmente, em cima da cabeça. A emergência foi tal que foi a
correr dar uma entrevista ao Público quase só sobre a crise grega, porventura
para deitar alguma água fria em algumas moleirinhas esquentadas da sua própria
direcção política.
As primeiras
quatro semanas de Syriza foram suficientes para que caíssem por terra alguns
dos argumentos mais vezes repetidos pelo PS, em especial pelo PS de Costa. O
primeiro desses argumentos é que tudo seria diferente se, em Portugal,
estivesse um governo que levantasse a voz à Europa. O Syriza experimentou esse
caminho e acabou por capitular, tendo tido apenas ganhos de causa semânticos. O
segundo é que haveria espaço para uma grande renegociação das dívidas, talvez
mesmo uma conferência europeia, mas tal ideia morreu quando o presidente do
Eurogrupo, por sinal um socialista, disse em Atenas que essa conferência até já
existe e chama-se… Eurogrupo.
Mas as dores de
cabeça criadas pelo desenvolvimento da crise grega não se ficaram por aqui.
Estão já marcados dois novos embates entre o Eurogrupo e a Grécia, ambos de
desfecho altamente incerto, um para os finais de Abril, outro, porventura o
decisivo, para finais de Junho. Como o que o PS pode ou não escrever no seu
programa eleitoral depende muito de como acabarem essas duas rondas negociais
com Atenas, a tinta ameaça secar nas canetas socialistas ainda antes de estas
terem chegado a alinhar algumas ideias mais concretas no papel.
Estes dilemas
socialistas têm um pano de fundo: a esquerda socialista está sem programa e sem
foco em toda a Europa. A seguir à queda do Muro de Berlim os socialistas ainda
tentaram uma “terceira via”, um socialismo com ingredientes daquilo a que
acintosamente chamam neoliberalismo, e políticos como Guterres, Blair e
Schroeder até conseguiram alguns sucessos eleitorais seguindo essa via, mesmo
quando muitos grunhiam nas bases dos seus partidos. Não nos esqueçamos, por
exemplo, que o primeiro-ministro que mais privatizou em Portugal foi Guterres e
que o político que mais mudou as leis laborais na Alemanha foi Schroeder. Mas,
para sua desgraça, esse equilibrismo só foi possível enquanto houve dinheiro e,
sobretudo, enquanto se viveu na ilusão de que estávamos num tempo em que o capitalismo
superara as suas crises cíclicas e se podia beneficiar da bonança de longos
períodos de crescimento económico.
O dilema actual
da generalidade dos partidos socialistas dos países desenvolvidos da Europa
Ocidental é que, cada um à sua maneira, estão a ser vítimas do seu próprio
sucesso, isto é, da concretização do modelo de sociedade que sempre defenderam:
economia de mercado com Estado Social. E estão a lidar mal com os dilemas que
as necessidades de reforma desse mesmo Estado Social coloca. Enquanto foi
possível ir aumentando os impostos, foi possível pagar as promessas que se iam
fazendo, mas isso começou a acabar ainda na década de 1970 nos países nórdicos
e em Inglaterra. Mais tarde acreditou-se que o dinheiro barato poderia
substituir os impostos que faltavam, e muitos começaram a endividar-se, mas tal
levou depressa a descalabros como o grego e o português.
Agora a única
esperança de muitos socialistas, sobretudo nos países do sul da Europa, é que
sejam outros – os países do Norte – a pagar as suas despesas, em nome da
“solidariedade”. É isso que está por detrás de muitas propostas que o PS tem
acarinhado, da mutualização da dívida à possibilidade, por exemplo, de
políticas sociais europeias. Acontece que os eleitorados a quem se pede essas
transferências sabem que também eles precisam do seu dinheiro para pagar um
Estado Social que, mesmo sem lhe acrescentar novas valências, todos os anos
consome mais dinheiro e mais dinheiro. E servem de muito pouco os choradinhos,
sobretudo quando, como sucede com os gregos, as transferências de fundos da
União para Atenas são superiores a tudo o que, neste momento, Atenas paga de
juros da sua gigantesca dívida.
É por isto que o
PS e António Costa não têm conseguido sair de generalidades sobre a aposta na
educação, na inovação ou no aumento da competitividade: é que não sabem como
poderão pagar as suas promessas porque já nem sabem como conseguirão pagar uma
Segurança Social que todos os anos exige mais recursos ou uma Saúde cada vez
mais cara porque há novos medicamentos, novos tratamentos e mais exigência ao
mesmo tempo que temos uma população cada vez mais envelhecida.
Durante muitas
décadas os socialistas europeus estiveram protegidos de grandes dissidências à
esquerda pela presença de partidos comunistas cuja ligação à URSS limitava as
possibilidades do seu crescimento eleitoral. Mas agora, quando surgem os
Syrizas e os Podemos a fazerem o tipo de discurso que uma boa parte da base
eleitoral dos socialistas sempre gostou de ouvir, todos os Costas desta velha
Europa se sentem acossados.
No caso do nosso
Costa, como se todas estes problemas não fossem suficientes num tempo em que os
eleitorados se tornaram mais exigentes, e pedem aos candidatos para fazerem
contas, ainda tem de viver com mais duas sombras que são também duas
imprevisibilidades.
A primeira é a
tímida recuperação económico que estamos a viver prosseguir, tornando menos
pesada a carga que o governo carrega aos ombros. E mais fácil o seu discurso.
A segunda é a de
Sócrates, uma sombra que para mais ameaça crescer nos próximos meses e cair
sobre a campanha eleitoral. Costa deve estar a antecipar a tempestade, senão
não teria gerido de forma tão cínica e tão calculista a sua única deslocação a
Évora, a sua rápida visita ao preso nº 44.
A história tem
pois destas ironias: o homem que calculou todos os timings para só ocupar o
palco no timing certo e ter pela frente uma autoestrada que o levaria ao poder,
é o mesmo homem que não consegue controlar qualquer timing, que não consegue
sequer saber o que deve pensar e defender. Não gostava de lhe estar na pele,
sobretudo depois das expectativas que suscitou.
Sem comentários:
Enviar um comentário