Chefe do Eurogrupo só falando com
Tsipras conseguiu o acordo com Grécia
Miguel Santos 1/3/2015,
OBSERVADOR
Jeroen Dijsselbloem, presidente
do Eurogrupo, contou, em entrevista à Financial Times, pormenores sobre as
negociações com a Grécia em Bruxelas e como teve de afastar Varoufakis das
conversações.
As negociações
entre gregos e restantes parceiros europeus foram, como é sabido, bastante
difíceis: a tensão foi uma constante desde o primeiro dia e as conversações
estiveram mesmo a um pequeno passo de caírem por terra. À terceira reunião, no
entanto, – depois de duas completamente infrutíferas – Grécia e Eurogrupo
chegaram a um acordo que definiu a extensão do empréstimo a Atenas por mais
quatro meses. Mas tudo poderia ter sido diferente não fosse a mão pesada de
Jeroen Dijsselbloem, ministro das Finanças holandês e presidente do Eurogrupo,
que, em entrevista ao Financial Times, revelou como teve de encostar Yanis
Varoufakis à parede para levar as negociações a bom porto.
O presidente do
Eurogrupo contou (e confirmou) o estranho caso da carta enviada por Varoufakis
a Bruxelas. Depois de nas primeiras conversações terem sido acertados alguns
pontos fundamentais, o documento então assinado pelo grego e enviado para o
Eurogrupo rompia por completo com o que tinha sido discutido. Surpreendido,
Jeroen Dijsselbloem telefonou a Tsipras: “Telefonei a Tsipras e disse ‘olha, eu
não sei o que aconteceu, mas vocês enviaram-me uma carta diferente. Tsipras
ficou supreendido. ‘Como é possível?’ Ele confirmou. Alguém tinha alterado [a
carta]”.
Na altura, o
jornal alemão Bild garantia, citando fontes governamentais alemãs, que o envio
de uma segunda versão da carta tinha sido um “erro administrativo” do Governo
grego. Este sempre negou a existência dessa tal carta. Mas a verdade é que este
foi apenas um dos muitos episódios que marcaram as negociações entre gregos e
parceiros europeus.
Depois de cinco
dias de difíceis conversações – algumas presencialmente, outras por email e
telefone – Grécia e Eurogrupo chegaram a um acordo, só possível porque os
gregos apagaram uma das principais linhas vermelhas que desde o início tinham
traçado, isto é, aceitaram cumprir as condições de reforma existentes no
programa de assistência previamente acordado, como conta o Financial Times.
Todavia, Jeroen
Dijsselbloem confessou que foram reuniões muito tensas e que a relação com
Varoufakis nunca foi a melhor. Quanto às notícias que davam conta que os dois
terão chegado quase a vias de facto, o holandês negou por completo que tal
fosse verdade. “Às vezes as pessoas zangam-se, [mas essas notícias] são lixo. De
facto, eu tive de conduzi-lo no sentido de encontrar uma solução, esse é o meu
trabalho. Eu também tive de conduzir outros ministros, que também são bastante
difíceis e teimosos (…)”, revelou o presidente do Eurogrupo.
Aliás, os
problemas começaram ainda antes de o Syriza ter vencido as eleições, sublinhou
Dijsselbloem. “Houve muitos políticos de toda a Europa que basicamente
interferiram, dando conselhos ao eleitorado grego sobre em quem votar, o que
penso que não ter sido correto. Nós não tínhamos muito tempo, tínhamos de
começar a trabalhar com eles e eu quis enviar o sinal: ‘Aceito-os completamente
como novos parceiros; vamos começar as conversações'”.
Apesar do começo
difícil, em parte motivado pelo discurso duro do recém-eleito Governo grego, o
tom começou a tornar-se menos crispado à medida que os sinais da crise
económica na Grécia começaram a surgir – como a fuga massiva de depósitos dos
bancos gregos. “Esse foi o maior catalisador [para as negociações]” e forçou os
gregos a procurarem uma solução mais rápida, explicou o presidente do
Eurogrupo.
Ainda assim, o
caminho para o acordo continuou tortuoso. Um dos episódios mais tensos
aconteceu na segunda reunião em Bruxelas – Varoufakis abandonou mesmo a mesa
das negociações, acusando o holandês de ter deitado por terra um acordo
estabelecido entre a Grécia e o comissário europeu para a Economia, Pierre
Moscovici.
“Os gregos
achavam que tinham conseguido um acordo. [Mas] eu não estive envolvido, [pelo
que] não foi muito inteligente [da parte deles]. Se queres um alcançar um
acordo com o Eurogrupo, informar-me sobre o que estás a tentar fazer pode ser
uma ajuda”, defendeu Dijsselbloem, que acusou também a Comissão Europeia de ter
agido nas suas costas.
Varoufakis fora da equação
Depois do revés,
o presidente do Eurogrupo fez chegar à mesa das negociações a sua própria
proposta, com os termos e condições que a Grécia deveria aceitar se quisesse
conseguir um acordo com o Eurogrupo. O que Jeroen Dijsselbloem não estava à
espera era que o documento fosse imediatamente divulgado por vários órgãos de
comunicação social. Dijsselbloem culpa, obviamente, Varoufakis:
“Quando estás num
processo tão delicado, a tentar reconstruir a confiança, a tentar conduzir o
processo e depois… entras na sala de imprensa e dizes: “Oh, estes tipos não são
de confiança, vejam o que eles estão a tentar empurrar pela nossa garganta
abaixo’. Isso não ajuda muito”.
O impasse
mantinha-se e, por isso, o chefe do Eurogrupo decidiu mudar a estratégia: na
terceira e última reunião, todos os principais intervenientes na discussão
foram convocados para estarem presentes: a troika (Comissão Europeia, Banco
Central Europeu e Fundo Monetário Internacional), juntamente com gregos e
alemães.
O presidente do
Eurogrupo contou também que houve uma pré-reunião com cada uma das partes para
acertar agulhas, mas Varoufakis não foi ouvido: Dijsselbloem falou diretamente
com Alexis Tsipras. “Não vi Varoufakis toda a manhã. Não falei com ele sequer”.
Varoufakis tinha sido afastado.
Depois de horas
de conversações com o Tsipras e Schäuble, o presidente do Eurogrupo desenhou um
acordo, garantido ao primeiro-ministro grego que não cederia nem mais um
centímetro. “Disse a Tispras, este [acordo] tem de servir. E acho que, 15
minutos depois, ele [Tsipras] ligou-me de volta, e não havia mais nenhuma
palavra para alterar. Foi isso”, rematou Dijsselbloem.
Alemanha e Eurogrupo avisam
Grécia: sem reformas não há dinheiro
Miguel Santos 2/3/2015, OBSERVADOR
O ministro das Finanças alemão e
o presidente do Eurogrupo foram claros: se a Grécia não cumprir o acordo e não
começar já a implementar o programa de reformas arrisca-se a não receber fundos
europeus
O ministro das
Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, exortou o Governo de Alexis Tsipras a usar
os quatro meses extra que conseguiu do Eurogrupo para implementar o plano de
reformas a que se comprometeram. Caso contrário, no futuro, a corda vai
romper-se, alertou o alemão.
Em entrevista ao
canal de televisão alemã ARD, Schäuble deixou vários avisos à navegação grega:
se a Grécia não cumprir o conjunto de reformas a que se propôs implementar não
haverá mais financiamento europeu.
“Eu espero que
eles [gregos] o façam pelos interesses da Grécia e pela responsabilidade que
têm perante a Europa. Mas principalmente pelos seus próprios interesses. A
Grécia precisa mesmo de compreender que, se quiser ajuda, precisa de manter os
acordos que fez”, sublinhou ministro das Finanças alemão.
Perante um
eventual incumprimento dos prazos de pagamento do empréstimo, um cenário que
parece ganhar força depois do próprio Governo grego ter reconhecido que vai
enfrentar dificuldades para pagar aos credores internacionais no próximo verão,
Schäuble não deixou palavras muito animadoras para a Grécia:
“Se [o ministro
das Finanças] não fizer o primeiro pagamento, isso vai ser considerado um
default. Não gostaria de estar no lugar dele, carregando as responsabilidades
do que iria acontecer à Grécia depois. (…) [Se os gregos não cumprirem] a
Grécia não vai receber os fundos europeus. Mas isso está exclusivamente nas
mãos das pessoas que têm responsabilidades em Atenas”, afirmou Schäuble.
Os avisos de Dijsselbloem
Também Jeroen
Dijsselbloem, ministro das Finanças holandês e presidente do Eurogrupo, afinou
pelo mesmo diapasão. Em entrevista ao Financial Times, Dijsselbloem deixou um
recado claro ao Governo de Alexis Tsipras: comecem já a implementar o programa
de reformas, caso contrário, no final de abril – altura em que a Grécia deverá
fechar a avaliação com as “instituições”, antes conhecidas como Troika –
poderão enfrentar “problemas maiores”.
“A minha mensagem
para os gregos é: tentem começar o programa mesmo antes do processo de
renegociação estar terminado. Existem aspetos que vocês [gregos] podem começar
a fazer hoje. Se o fizerem, talvez em março possa haver uma primeira
transferência de fundos. Mas isso requer progresso e não apenas intenções. Se
passarmos dois meses a conversar e sem fazer nada, no final de abril vão haver
“problemas maiores”, sublinhou Jeroen Dijsselbloem.
O acordo
alcançado entre a Grécia e os parceiros do Eurogrupo foi saudado por ambas as
partes, mas existe uma cláusula que os gregos têm de cumprir sob o risco de
todo o trabalho feito até agora ruir: a Grécia tem de adotar urgentemente um
conjunto de reformas para colocar um travão à dívida pública – como aliás
fizeram questão de lembrar Schäuble e Dijsselbloem. Atenas deverá também pagar
4,3 mil milhões de euros até março, como parte do programa de assistência
financeira que subscreveu. Uma hipótese que muitos analistas parecem
classificar nesta altura como muito improvável.
O próprio
ministro das Finanças grego, Yanis Varoufakis, em entrevista a Associated
Press, sugeriu que os pagamentos das obrigações para com Banco Central Europeu
deveriam ser renegociados – a Grécia deve ao BCE, uma das “instituições” que
compunham a troika, 6,7 mil milhões de euros, um valor que deve ser devolvido entre
julho e agosto. Isto, apesar de o próprio ter garantido que todos os credores
internacionais seriam reembolsados integralmente e de isso ter ficado escrito
no acordo com o Eurogrupo. Mau sinal para Bruxelas?
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