domingo, 1 de março de 2015

Alemanha e Eurogrupo avisam Grécia: sem reformas não há dinheiro

Alemanha e Eurogrupo avisam Grécia: sem reformas não há dinheiro
Em duas entrevistas diferentes, Schäuble e Dijsselbloem deixaram o mesmo recado: se a Grécia não cumprir, no verão não receberão mais dinheiro da Europa

Chefe do Eurogrupo só falando com Tsipras conseguiu o acordo com Grécia
Miguel Santos 1/3/2015, OBSERVADOR

Jeroen Dijsselbloem, presidente do Eurogrupo, contou, em entrevista à Financial Times, pormenores sobre as negociações com a Grécia em Bruxelas e como teve de afastar Varoufakis das conversações.

As negociações entre gregos e restantes parceiros europeus foram, como é sabido, bastante difíceis: a tensão foi uma constante desde o primeiro dia e as conversações estiveram mesmo a um pequeno passo de caírem por terra. À terceira reunião, no entanto, – depois de duas completamente infrutíferas – Grécia e Eurogrupo chegaram a um acordo que definiu a extensão do empréstimo a Atenas por mais quatro meses. Mas tudo poderia ter sido diferente não fosse a mão pesada de Jeroen Dijsselbloem, ministro das Finanças holandês e presidente do Eurogrupo, que, em entrevista ao Financial Times, revelou como teve de encostar Yanis Varoufakis à parede para levar as negociações a bom porto.

O presidente do Eurogrupo contou (e confirmou) o estranho caso da carta enviada por Varoufakis a Bruxelas. Depois de nas primeiras conversações terem sido acertados alguns pontos fundamentais, o documento então assinado pelo grego e enviado para o Eurogrupo rompia por completo com o que tinha sido discutido. Surpreendido, Jeroen Dijsselbloem telefonou a Tsipras: “Telefonei a Tsipras e disse ‘olha, eu não sei o que aconteceu, mas vocês enviaram-me uma carta diferente. Tsipras ficou supreendido. ‘Como é possível?’ Ele confirmou. Alguém tinha alterado [a carta]”.

Na altura, o jornal alemão Bild garantia, citando fontes governamentais alemãs, que o envio de uma segunda versão da carta tinha sido um “erro administrativo” do Governo grego. Este sempre negou a existência dessa tal carta. Mas a verdade é que este foi apenas um dos muitos episódios que marcaram as negociações entre gregos e parceiros europeus.

Depois de cinco dias de difíceis conversações – algumas presencialmente, outras por email e telefone – Grécia e Eurogrupo chegaram a um acordo, só possível porque os gregos apagaram uma das principais linhas vermelhas que desde o início tinham traçado, isto é, aceitaram cumprir as condições de reforma existentes no programa de assistência previamente acordado, como conta o Financial Times.

Todavia, Jeroen Dijsselbloem confessou que foram reuniões muito tensas e que a relação com Varoufakis nunca foi a melhor. Quanto às notícias que davam conta que os dois terão chegado quase a vias de facto, o holandês negou por completo que tal fosse verdade. “Às vezes as pessoas zangam-se, [mas essas notícias] são lixo. De facto, eu tive de conduzi-lo no sentido de encontrar uma solução, esse é o meu trabalho. Eu também tive de conduzir outros ministros, que também são bastante difíceis e teimosos (…)”, revelou o presidente do Eurogrupo.

Aliás, os problemas começaram ainda antes de o Syriza ter vencido as eleições, sublinhou Dijsselbloem. “Houve muitos políticos de toda a Europa que basicamente interferiram, dando conselhos ao eleitorado grego sobre em quem votar, o que penso que não ter sido correto. Nós não tínhamos muito tempo, tínhamos de começar a trabalhar com eles e eu quis enviar o sinal: ‘Aceito-os completamente como novos parceiros; vamos começar as conversações'”.

Apesar do começo difícil, em parte motivado pelo discurso duro do recém-eleito Governo grego, o tom começou a tornar-se menos crispado à medida que os sinais da crise económica na Grécia começaram a surgir – como a fuga massiva de depósitos dos bancos gregos. “Esse foi o maior catalisador [para as negociações]” e forçou os gregos a procurarem uma solução mais rápida, explicou o presidente do Eurogrupo.

Ainda assim, o caminho para o acordo continuou tortuoso. Um dos episódios mais tensos aconteceu na segunda reunião em Bruxelas – Varoufakis abandonou mesmo a mesa das negociações, acusando o holandês de ter deitado por terra um acordo estabelecido entre a Grécia e o comissário europeu para a Economia, Pierre Moscovici.

“Os gregos achavam que tinham conseguido um acordo. [Mas] eu não estive envolvido, [pelo que] não foi muito inteligente [da parte deles]. Se queres um alcançar um acordo com o Eurogrupo, informar-me sobre o que estás a tentar fazer pode ser uma ajuda”, defendeu Dijsselbloem, que acusou também a Comissão Europeia de ter agido nas suas costas.

Varoufakis fora da equação

Depois do revés, o presidente do Eurogrupo fez chegar à mesa das negociações a sua própria proposta, com os termos e condições que a Grécia deveria aceitar se quisesse conseguir um acordo com o Eurogrupo. O que Jeroen Dijsselbloem não estava à espera era que o documento fosse imediatamente divulgado por vários órgãos de comunicação social. Dijsselbloem culpa, obviamente, Varoufakis:

“Quando estás num processo tão delicado, a tentar reconstruir a confiança, a tentar conduzir o processo e depois… entras na sala de imprensa e dizes: “Oh, estes tipos não são de confiança, vejam o que eles estão a tentar empurrar pela nossa garganta abaixo’. Isso não ajuda muito”.

O impasse mantinha-se e, por isso, o chefe do Eurogrupo decidiu mudar a estratégia: na terceira e última reunião, todos os principais intervenientes na discussão foram convocados para estarem presentes: a troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional), juntamente com gregos e alemães.

O presidente do Eurogrupo contou também que houve uma pré-reunião com cada uma das partes para acertar agulhas, mas Varoufakis não foi ouvido: Dijsselbloem falou diretamente com Alexis Tsipras. “Não vi Varoufakis toda a manhã. Não falei com ele sequer”. Varoufakis tinha sido afastado.

Depois de horas de conversações com o Tsipras e Schäuble, o presidente do Eurogrupo desenhou um acordo, garantido ao primeiro-ministro grego que não cederia nem mais um centímetro. “Disse a Tispras, este [acordo] tem de servir. E acho que, 15 minutos depois, ele [Tsipras] ligou-me de volta, e não havia mais nenhuma palavra para alterar. Foi isso”, rematou Dijsselbloem.


Alemanha e Eurogrupo avisam Grécia: sem reformas não há dinheiro

Miguel Santos  2/3/2015, OBSERVADOR

O ministro das Finanças alemão e o presidente do Eurogrupo foram claros: se a Grécia não cumprir o acordo e não começar já a implementar o programa de reformas arrisca-se a não receber fundos europeus

O ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, exortou o Governo de Alexis Tsipras a usar os quatro meses extra que conseguiu do Eurogrupo para implementar o plano de reformas a que se comprometeram. Caso contrário, no futuro, a corda vai romper-se, alertou o alemão.

Em entrevista ao canal de televisão alemã ARD, Schäuble deixou vários avisos à navegação grega: se a Grécia não cumprir o conjunto de reformas a que se propôs implementar não haverá mais financiamento europeu.
“Eu espero que eles [gregos] o façam pelos interesses da Grécia e pela responsabilidade que têm perante a Europa. Mas principalmente pelos seus próprios interesses. A Grécia precisa mesmo de compreender que, se quiser ajuda, precisa de manter os acordos que fez”, sublinhou ministro das Finanças alemão.

Perante um eventual incumprimento dos prazos de pagamento do empréstimo, um cenário que parece ganhar força depois do próprio Governo grego ter reconhecido que vai enfrentar dificuldades para pagar aos credores internacionais no próximo verão, Schäuble não deixou palavras muito animadoras para a Grécia:

“Se [o ministro das Finanças] não fizer o primeiro pagamento, isso vai ser considerado um default. Não gostaria de estar no lugar dele, carregando as responsabilidades do que iria acontecer à Grécia depois. (…) [Se os gregos não cumprirem] a Grécia não vai receber os fundos europeus. Mas isso está exclusivamente nas mãos das pessoas que têm responsabilidades em Atenas”, afirmou Schäuble.

Os avisos de Dijsselbloem

Também Jeroen Dijsselbloem, ministro das Finanças holandês e presidente do Eurogrupo, afinou pelo mesmo diapasão. Em entrevista ao Financial Times, Dijsselbloem deixou um recado claro ao Governo de Alexis Tsipras: comecem já a implementar o programa de reformas, caso contrário, no final de abril – altura em que a Grécia deverá fechar a avaliação com as “instituições”, antes conhecidas como Troika – poderão enfrentar “problemas maiores”.

“A minha mensagem para os gregos é: tentem começar o programa mesmo antes do processo de renegociação estar terminado. Existem aspetos que vocês [gregos] podem começar a fazer hoje. Se o fizerem, talvez em março possa haver uma primeira transferência de fundos. Mas isso requer progresso e não apenas intenções. Se passarmos dois meses a conversar e sem fazer nada, no final de abril vão haver “problemas maiores”, sublinhou Jeroen Dijsselbloem.

O acordo alcançado entre a Grécia e os parceiros do Eurogrupo foi saudado por ambas as partes, mas existe uma cláusula que os gregos têm de cumprir sob o risco de todo o trabalho feito até agora ruir: a Grécia tem de adotar urgentemente um conjunto de reformas para colocar um travão à dívida pública – como aliás fizeram questão de lembrar Schäuble e Dijsselbloem. Atenas deverá também pagar 4,3 mil milhões de euros até março, como parte do programa de assistência financeira que subscreveu. Uma hipótese que muitos analistas parecem classificar nesta altura como muito improvável.


O próprio ministro das Finanças grego, Yanis Varoufakis, em entrevista a Associated Press, sugeriu que os pagamentos das obrigações para com Banco Central Europeu deveriam ser renegociados – a Grécia deve ao BCE, uma das “instituições” que compunham a troika, 6,7 mil milhões de euros, um valor que deve ser devolvido entre julho e agosto. Isto, apesar de o próprio ter garantido que todos os credores internacionais seriam reembolsados integralmente e de isso ter ficado escrito no acordo com o Eurogrupo. Mau sinal para Bruxelas?

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