Unidade política em França começa
a ruir e é Marine Le Pen quem mais pode ganhar
ANA FONSECA
PEREIRA 08/01/2015 - PÚBLICO
Confrontado com o seu 11 de Setembro, Hollande assumiu papel de unificador
e o rival, Nicolas Sarkozy, adiou querelas em nome do consenso. Mas a Frente
Nacional foi excluída da grande marcha de domingo e Le Pen passou ao ataque.
A França ainda
está em choque, num limbo entre o medo e a vontade de montar resistência aos
que atacaram um dos valores mais caros da República. Mas à medida que o som das
balas se vai dissipando, torna-se claro que o país não sairá incólume do ataque
contra o Charlie Hebdo e, da direita à esquerda, todos temem que seja Marine Le
Pen, a líder e candidata da Frente Nacional (FN) às presidenciais de 2017, quem
poderá tirar mais proveitos políticos da acção dos extremistas.
Num discurso ao
país, quarta-feira à noite, o Presidente, François Hollande, insistiu no apelo
à unidade: “É a nossa melhor arma, a unidade de todos os cidadãos perante esta
tragédia”. Aquele que é o Presidente mais impopular da V República, fustigado
pelas suas políticas económicas, foi rápido a tomar as rédeas da gestão da
crise, tentando assumir-se como figura unificadora de um país sob ataque. Ainda
decorria o socorro às vítimas e Hollande fez questão de visitar a sede do
jornal satírico – um gesto imprudente segundo um alto responsável da segurança
do Estado ouvido pelo Le Monde. Convocou depois ministros, ordenou que o nível
de alerta terrorista fosse elevado para o nível máximo e chamou ao Eliseu os
líderes de todas as formações políticas.
“Hollande
enfrenta o seu 11 de Setembro”, escreveu o jornal Le Parisien, citando uma
fonte próxima do Eliseu, segundo o qual o Presidente entendeu que “não podia
deixar que mais ninguém tomasse o seu lugar” na reacção inicial ao massacre.
Tal como George W. Bush, em 2001, Hollande sabe que em momentos de convulsão os
cidadãos exigem que os seus líderes sejam rápidos a agir e eficazes nas suas
decisões, um imperativo ainda maior no caso de um Presidente que, dizem as
sondagens, é apontado por ter falta de liderança.
O apelo à união
foi seguido por quase todos. Nicolas Sarkozy, que regressou nesta quinta-feira
pela primeira vez ao Eliseu desde a derrota nas presidenciais de 2012,
mostrou-se invulgarmente conciliador. “Era meu dever responder a este convite”
para “mostrar que há um clima de unidade nacional face a um ataque realizado
por fanáticos que actuam contra a civilização, a república e as ideias que nos
são caras”, afirmou o ex-Presidente, de novo à frente da UMP e candidato mais
do que provável da direita às eleições de 2017.
Em nome dessa
unidade, Sarkozy anunciou que a UMP participará na “marcha republicana” que os
partidos de esquerda convocaram para domingo em Paris, desde que esta se
realize num clima de “recolhimento e conciliação”. Mas se é ainda cedo para
regressar às querelas políticas, Sarkozy fez questão de pedir “um reforço do
dispositivo de vigilância” – a UMP acusou por várias vezes o Governo socialista
de minimizar a ameaça terrorista, numa altura em que Paris admite ter cerca de
mil jihadistas a combater nas fileiras do autoproclamado Estado Islâmico. “Esta
é uma guerra declarada contra a civilização e a civilização tem a
responsabilidade de se defender”, afirmou à saída do Eliseu, ecoando pedidos de
outros dirigentes da direita para um reforço do aparelho repressivo do Estado.
Mas é sobretudo
em Marine Le Pen que os olhos estão postos – o ataque de quarta-feira promete
servir de combustível à islamofobia que a Frente Nacional, agora depurada do
anti-semitismo que lhe deu origem, tem vindo a alimentar no país europeu com a
maior comunidade muçulmana da Europa (7,7% da população). E a líder da FN não
tardou a ignorar os apelos de quem lhe pedia para que não misturasse terrorismo
com religião, ao atribuir o ataque ao “islamismo radical”, uma “ideologia
assassina que fez milhares de vítimas em todo o mundo”. “O tempo da hipocrisia
acabou”, afirmou aquela que, segundo sondagens recentes, poderá ser a mais
votada na primeira volta das presidenciais de 2017.
“De todos os
partidos, a FN é aquela que mais tem a ganhar com esta atrocidade”, disse à
agência Bloomberg Jim Shields, especialista em política francesa da
Universidade de Birmingham, sublinhando que o ataque “vai ao encontro da agenda
anti-imigração e anti-islão” do partido. Numa conferência de imprensa, nesta quinta-feira,
Le Pen pediu “actos fortes e eficazes” para combater os radicais, incluindo a
retirada da nacionalidade aos jihadistas e a reposição dos controlos nas
fronteiras, e reafirmou que, se for eleita, organizará um referendo sobre a
reintrodução da pena de morte no país.
E se o tempo
desaconselhava polémicas, a primeira estalou já nesta quinta-feira, face à
recusa da esquerda em convidar a FN a participar na marcha de domingo. “Não
passa de uma manobra para tentar excluir o único movimento político que não tem
outra responsabilidade na situação actual”, disse Le Pen ao Le Monde. A UMP
criticou a exclusão da extrema-direita, mas o primeiro-ministro Manuel Valls
lembrou que a marcha foi organizada “em nome da unidade nacional, mas também da
unidade em torno de valores profundamente republicanos, como a tolerância”.
“Com a opinião
pública já preparada para aceitar visões negativas do islão, a extrema
fragilidade do Governo e da situação social, este pode ser um ponto de
viragem”, explicou ao jornal britânico Guardian o analista político Jérôme
Sainte-Marie, explicando que, se a FN conseguir “cristalizar” na opinião
pública os medos que o islamismo radical e ameaça jihadista despertam, o ataque
ao Charlie Hebdo “poderá ter consequências muito graves e duradouras na vida
política francesa”.
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