terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Alex Tsipras escolhe Governo para enfrentar troika

Um governo-relâmpago e radical
DIRECÇÃO EDITORIAL 28/01/2015 / PÚBLICO

Quando o Syriza ganhou as eleições, muitos vaticinaram que Alexis Tsipra iria formar uma coligação com um partido mais moderado para evitar ficar refém da ala mais radical do seu partido. Surpreendeu (ou não) ao escolher como parceiro de coligação um partido radical de direita cujo único ponto que o une ao Syriza é a firme oposição à troika. E quando se pensava que iria aproveitar a composição do governo para moderar as suas escolhas políticas, eis que Tsipra escolhe para as áreas-chave economistas com visões bastante radicais em relação à troika e às reformas. Aliás, a primeira medida do novo Governo foi reverter o processo de venda do histórico porto de Pireu. Mas Tsipra sabe que corre contra o tempo; a Bolsa de Atenas voltou a afundar e os juros já estão nos 14%. E ninguém sabe ao certo os depósitos que estão a sair da Grécia. Depois de uma coligação e de um governo-relâmpago, Tsipra precisa fazer uma viagem-relâmpago a Bruxelas. Não chega dizer que se vai rasgar a austeridade; é preciso dizer como.

Alex Tsipras escolhe Governo para enfrentar troika
JOÃO MANUEL ROCHA 27/01/2015 - PÚBLICO

Parte dos governantes fez juramento religioso, a outra, juramento civil. Merkel já deu os parabéns a Tsipras.

Com pastas-chave nas mãos de economistas, mais pequeno do que o anterior, com alguns superministérios resultantes de fusões, o novo Governo grego tomou esta terça-feira posse. É um executivo que reúne elementos considerados da ala mais radical do Syriza com outros tidos como moderados e pragmáticos. Uma das medidas que já anunciou foi a suspensão da venda de 67% do histórico porto do Pireu.

O processo-relâmpago de formação do Governo foi fechado em menos de 48 horas após o encerramento das urnas. A posse foi marcada por uma originalidade: uma parte dos membros fez juramento religioso; a outra, juramento civil, tal como o chefe do Governo, na véspera.

A equipa de Alex Tsipras tem 40 membros, soma de 13 ministros – contra 20 no executivo anterior – vice-ministros e secretários de Estado. Mulheres são sete. Fazem parte do Governo economistas, universitários, advogados, professores e alguns ex-jornalistas.

Nas Finanças confirmou-se um nome que já circulava: Yanis Varoufakis, professor de Economia, crítico da “dívida odiosa” e partidário do “fim das medidas de austeridade”. Será o responsável pelas negociações com as instituições europeias, num processo coordenado pelo número dois do Governo, o vice-primeiro-ministro, Yiannis Dragasakis.

Economista, quadro do partido, Dragasakis é visto como moderado. Adepto da reestruturação da dívida, defende a reforma do Estado. “As nossas prioridades são a luta contra a exclusão social e a crise humanitária”, disse. Outro peso pesado é o também economista Georges Stathakis, professor na Universidade de Creta, que fica com o super-ministério da Economia, Infraestruturas, Marinha Mercante e Turismo.

Os Negócios Estrangeiros estão a cargo de Nikos Kotzias, professor de Teoria Política na Universidade do Pireu, antigo conselheiro do ex-primeiro ministro George Papandreou – tal como o novo ministro das Finanças. Kotzias será o primeiro dos novos governantes a encontrar-se com os parceiros europeus: viaja esta quinta-feira para Bruxelas para uma reunião de ministros.

Panos Kammenos, líder dos Gregos Independentes, partido conservador e nacionalista, parceiro governamental do Syriza, que chegou a usar nos corredores do Parlamento uma T-shirt em que se podia ler “A Grécia não está à venda”, é o ministro da Defesa. Kammenos é o único que é ministro mas o partido, uma dissidência da Nova Democracia, tem outros quatro lugares no Governo.

Críticas da oposição
A Nova Democracia, que liderava o anterior executivo, criticou a equipa de Tsipras e manifestou-se preocupada com a nomeação para postos chave de quem “expressou perigosos pontos de vista sobre assuntos como crescimento, privatizações, investimentos, restauração de legislação de asilo e abertura de fronteiras”. O Rio (To Potami), que era dado como o previsível parceiro do Syriza, considera que a aliança “sem princípios” entre os dois partidos agora no Governo levou à formação de um “mau gabinete”, com “algumas excepções”, e acusa Tsipras de ter feito uma partilha de lugares com base na “velha receita partidária”, dando cargos a antigos governantes da Nova Democracia e a “empregados partidários incompetentes”.

Considerada uma aliança “contra-natura” por analistas, o novo executivo reúne dois partidos muito distantes noutras matérias mas com posições comuns anti-troika, o que dá força à imagem de um Governo combativo nas difíceis negociações com os dirigentes europeus – a União Europeia e o FMI emprestaram à Grécia 240 mil milhões de euros desde 2010, exigindo em contrapartida reformas estruturais e rigor orçamental.

O “cimento” da coligação é a prioridade comum atribuída à reestruturação da dívida. O jornal Ekathimerini escreveu que os Gregos Independentes concordaram apoiar as políticas económicas do Syriza desde que este deixasse na gaveta questões importantes para os nacionalistas, como um eventual acordo com a Macedónia no diferendo entre os dois países sobre o nome da antiga república jugoslava e a intenção de separar Estado e Igreja Ortodoxa.

O programa económico do Syriza prevê a aplicação de 1200 milhões de euros em medidas de luta contra a exclusão social, que atenuem o impacto de seis anos de austeridade no dia-a-dia dos gregos: 30% da população sem segurança social, 25% no desemprego.

Entre essas medidas estão a reposição em 751 euros do salário mínimo, que em 2012 baixou para 580, por imposição da troika. Essa deverá ser, além da suspensão da venda da maioria do capital do porto do Pireu - anunciada esta terça-feira à Reuters pelo vice-ministro Thodoris Dritsas –  uma das primeiras medidas do Governo, segundo o Ekathimerini. O novo ministro das Finanças anunciou também ao jornal Ta Nea leis anti-corrupção.

Merkel deseja “força e sucesso”
As intenções do novo Governo com implicações financeiras preocupam os defensores do rigor orçamental, sobretudo na Alemanha. A chanceler Angela Merkel ainda não se pronunciou directamente sobre o quadro criado pela vitória do Syriza. Ao felicitar Tsipras, esta terça-feira, desejou-lhe “muita força e sucesso”. “Felicito-o pela sua nomeação como primeiro-ministro da República Helénica. Assume funções num período difícil, durante o qual vai ser confrontado com uma grande responsabilidade”, escreveu, num telegrama cujo conteúdo foi divulgado pela chancelaria.

“Espero que a colaboração consigo possa reforçar e aprofundar a amizade entre os nossos povos, tradicionalmente boa e profunda”, diz também Merkel, antes de concluir com os votos de “força e sucesso”.

Ao contrário de outros líderes europeus, caso do francês François Hollande, que deu os parabéns a Tsipras na noite de domingo, e o convidou a ir “rapidamente” a Paris, Merkel prolongou o silêncio e “como é habitual”, segundo o seu porta-voz, Steffen Seibert, esperou pela nomeação como primeiro-ministro para lhe enviar o tradicional telegrama de felicitações.

A estratégia do Governo Syriza passará por encontrar apoios entre os parceiros europeus. Em mente terá precisamente a França – que aspira a um maior protagonismo na cena europeia – e a Itália. Embora não lhes sejam conhecidas declarações de apoio a um perdão de dívida, dirigentes destes países vêm defendendo um aligeiramento das regras do Pacto de Estabilidade e políticas de crescimento, dentro das regras europeias.


Na quinta-feira desloca-se a Atenas o presidente do Parlamento Europeu, o socialista alemão Martin Schulz, que já destacou a importância de “respeitar os acordos” assumidos pela Grécia. Para o dia seguinte está agendada a visita do presidente Eurogrupo, Jeron Dijsselbloem, que deverá encontrar-se com Tsipras e com o ministro das Finanças para se “conhecerem”, disse à AFP um porta-voz do Eurogrupo. O responsável político pela zona euro falou na segunda-feira ao telefone com o anunciado ministro das Finanças, Yanis Varoufakis, e, embora não tenha alterado o guião e insistisse na necessidade de “respeitar os acordos” declarou que as negociações com Atenas terão como ponto de partida a “ambição comum” de a Grécia continuar na moeda única.

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